Numa tarde, Ana* guardava tampas de garrafas PET em um balde quando um de seus cachorros latiu para duas mulheres que saíam da Paróquia Santa Teresa de Jesus, no Itaim Bibi, zona oeste de São Paulo.
"Ai, meu, Deus, que susto!", reclamou uma delas, estupefata, na esquina das ruas Clodomiro Amazonas e Tabapuã, um dos caminhos que ligam a avenida Brigadeiro Faria Lima ao parque do Ibirapuera.
As janelas dos prédios de alto padrão observavam a cena. Irritadas com a situação, as duas olharam brabas para Ana sentada embaixo de uma árvore. Sussurraram algum xingamento inaudível e seguiram, apressadas.
A vizinhança ainda estranha a presença de Ana, que tem pouco mais de 30 anos. Há quatro meses ela mora em frente à igreja com quatro cachorros e um gato. Vivem todos sob um barraco de plástico e papelão, num dos bairros mais ricos da capital paulista, a menos de 500 metros dos escritórios dos principais bancos e empresas de tecnologia do país. "Vim pra rua, não tinha onde morar", explicava, sem querer prolongar a conversa com a reportagem. Também não quis ser fotografada.
A mulher negra, magra e baixa recolhe material reciclável no lixo da região e o dinheiro que consegue -- quando consegue -- só dá para comer. "Queriam me expulsar daqui, mas eu sei dos meus direitos, eu sei denunciar que é racismo. A rua é pública."