A noite ainda é um projeto. Está uma hora e meia distante de acontecer quando os primeiros homens aparecem.
Carregam folhas de papelão e serão imitados por centenas de outros homens que se amontoarão na fila, à medida que escurece. As luzes dos postes acenderam faz tempo quando o esforço se paga. Militares do Exército autorizam a ocupação do espaço embaixo de uma tenda montada no meio do asfalto.
A crise migratória na fronteira com a Venezuela é isso: fila para dormir na rua.
Todo começo de noite é assim em Pacaraima (RR), cidade brasileira por onde os venezuelanos entram. Com condições tão precárias, algumas famílias ignoram o caminho oficial. Ana Idrogo, 36, pagou um coiote e seguiu direto para o abrigo católico Casa de Acolhida São José.
A família ganhou comida e o filho de 5 anos experimentou o gosto de uma maçã pela primeira vez. Juan Salazar Idrogo mastigava maravilhado enquanto Ana chorava. No café, o menino interrompeu a refeição para mostrar à mãe que no meio do pão havia mortadela. A família tem certeza de que tomou a decisão certa ao vir para o Brasil.
Ana e o marido decidiram deixar Caracas, na Venezuela, quando foram à escola reclamar que somente fazer brinquedos com produtos recicláveis e desenhar a bandeira venezuelana não eram atividades suficientes para a alfabetização. Descobriram que o diretor fugira para Colômbia. Ela estava grávida e não havia serviço de pré-natal.
O casal não sabe o que será do futuro, mas considera muito difícil ser pior que o passado recente.