GESTOR DE FESTA

Gabriel David, ex de Anitta e filho do bicheiro Anísio Abraão, faz barulho no Carnaval do Rio

Valmir Moratelli (texto) e Zô Guimarães (fotos) Colaboração para o TAB, do Rio

Na gíria do jogo do bicho, "quebrar a banca" significa ganhar a aposta mais alta. Filho do contraventor Anísio Abraão David e da ex-modelo Fabíola Oliveira, Gabriel David, 24, tem feito apostas altíssimas para mudar a cara da folia do Rio. Se porá todas em prática, não se sabe. Ele está pagando para ver.

A procura pelo seu nome aumentou em 2020, quando engatou um romance com a cantora Anitta. A atual companheira é a atriz Giovanna Lancellotti. Para quem acompanha os bastidores do samba, Gabriel vem sendo notícia por outros motivos. Ele assumiu em março de 2021 a direção de marketing da Liesa (Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro) e tem ventilado propostas controversas, daquelas de fazer os sambistas mais ortodoxos atravessarem o samba.

Já declarou vontade de mudar a Sapucaí para a Barra da Tijuca, bairro elitizado e distante 40 km do centro. Sonha em fazer desfiles circulares e não lineares, como é tradicionalmente. Introduziu funk no intervalo dos ensaios de quadra. Extinguiu a ala de baianinhas. E quer Jair Bolsonaro no ziriguidum de 2022, mesmo sem o apreço presidencial. "Vai ser ótimo pra imagem do Carnaval". Há quatro anos, Gabriel fundou um badalado camarote com a promoter Carol Sampaio e o ex-jogador Ronaldo — um ingresso beira os R$ 3 mil.

Com o peso do sobrenome, Gabriel abre alas com a oratória aprendida na Escola Britânica, uma das mais caras do Rio. Diz que lá foi treinado para "discursar em inglês, nos moldes das plenárias da ONU". Somam-se a isso as teorias que assimilou no curso de administração, na PUC-Rio, concluído em 2019. "É preciso novo modelo de gestão, sem precisar tanto da prefeitura e da TV. Não quero tirar a Globo, mas não podemos depender para sempre."

Foi sua a ideia de ligar para Boninho e sugerir um programa com finais de sambas-enredo. "Seleção do Samba" mexeu com a audiência após o "Altas Horas", em outubro. No Rio, estreou com 9 pontos, aumentando o fluxo na faixa em 29%.

Autor do livro "Maravilhosa e Soberana - Histórias da Beija-Flor", Aydano André Motta se surpreende com a vontade do rapaz. "Gabriel poderia atuar em qualquer ramo, mas seguiu a paixão que é da geração do pai dele, e que já não faz sentido em sua geração. Isso faz dele um personagem interessante". Há 28 anos porta-bandeira da Beija-Flor, Selminha Sorriso concorda. "Com o dinheiro que Gabrielzinho tem, podia curtindo a vida, mas ele sonha com a gente."

Gabriel sabe que, para realizar alguns desses sonhos, precisará convencer alguns senhores que viram carnavais que ele só conhece por vídeos do YouTube. "É preciso entregar experiência de consumo. O Rock in Rio tem capacidade de venda de ingressos muito maior que o Carnaval. Precisamos de estratégia de comunicação para aderir público", explica.

Sempre que ventila suas ideias nas redes sociais, como a de transferir os desfiles para a Barra, recebe críticas como "escola de samba não é boate" ou "ideias ótimas pro Lollapalooza". Coube ao carnavalesco Milton Cunha lhe explicar que a Sapucaí é um marco na origem do samba, às margens do que um dia foi a casa de Tia Ciata, baiana que abrigou diversos músicos em seu terreiro, na Praça Onze.

O historiador Luiz Antonio Simas, referência nos estudos de ancestralidade do Carnaval, faz coro a Milton. "Não se consultam as escolas de samba. É uma discussão limitada à cúpula da organização. Tratam Carnaval como evento e não como cultura, mas ele é resultado de processo de ancestralidade, de reverência ao lugar de origem." Gabriel recuou momentaneamente. "Não sou dono da razão. Não fosse pela 'mitologia', a transferência seria incrível. Ali a entrada e saída de público é no meio de favela. Lancei a ideia pra gerar discussão."

Se não pode transferir o palco, quer erguer outro. "A Sapucaí é horrível! Foi uma construção para ato político e não cultural", esbraveja, a respeito do cartão-postal projetado por Oscar Niemeyer e idealizado pelo antropólogo Darcy Ribeiro no governo Leonel Brizola (PDT).

"Quem sou eu pra criticar Niemeyer! Mas o que ele e Darcy fizeram é absurdo. Vou te contar o que meu pai fala. Aquilo foi feito para ser palco político. Brizola queria que o desfile terminasse numa praça para ele ficar no meio e o público aplaudi-lo." Nessa hora sua assessora o interrompe. Ele a ignora. "Minha assessora diz: 'cuidado que vão te bater se falar isso'. Não tô nem aí! Nasci filho de bicheiro, não ligo pra isso."

Nos últimos anos, a crítica política tem servido de inspiração para a criação de enredos. Gabriel condena. "Escola não tem que ser de esquerda nem de direita. Pode reprovar atitude, mas não tomar partido. Paga-se um preço pelo enfrentamento político." Ele cita de exemplo a negociação de patrocínio com a Caixa em 2018. Segundo ele, o banco deu para trás por causa da escultura do então presidente Michel Temer como um vampiro na Paraíso do Tuiuti. "A negociação parou. Se ele é vampiro ou não, pouco me importa."

Outra que entrou em seu radar foi a Mangueira que, em 2019, homenageou a vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), assassinada no ano anterior. "Vi problema quando tomou lado 100% esquerdista, como movimento político-partidário, até colocaram o [deputado federal Marcelo] Freixo para desfilar, se apropriando do espaço."

Por essa visão empresarial, Aydano prevê embates futuros. "O mundo do samba gosta da lógica do patrono, o pai que resolve problemas. Mas ele não está disposto a ser patrono. Gabriel quer gestão de empresa", aposta o biógrafo.

A Beija-Flor é uma das escolas que dominam a disputa. Com catorze títulos, nove deles na era do sambódromo, é uma potência do Carnaval. Vieram dela enredos como o de exaltação à negritude em "A saga de Agotime, Maria mineira naê", de 2001, e o antológico "Ratos e urubus, larguem minha fantasia", de forte crítica social do gênio Joãosinho Trinta, de 1989.

Para se manterem de pé por tanto tempo, é do perfil das escolas fazerem acordos com o poder público e, igualmente, atacarem-no a fim de conquistar simpatia da população. A própria Beija-Flor exaltou a ditadura militar, em 1975, ao cantar: "E o Beija-Flor vem exaltar / Com galhardia o grande decênio / Do nosso Brasil que segue avante".

Em 2003, a escola levou à avenida uma estátua de 9,5m de altura do então presidente Lula, em enredo na aba da popularidade do programa Fome Zero. Entender o Carnaval é lidar com essas contradições.

Talvez por isso Gabriel não veja problema em convidar Bolsonaro para assistir aos desfiles em 2022. Sem arrependimentos, assume que foi seu eleitor em 2018. "Bolsonaro comete erros inadmissíveis de liderança. Votei nele. Por que votei? Não sei, tinha 21 anos. Se hoje não me sinto preparado para falar de política, imagina naquela época. Tinha aquilo de acabar com a corrupção do PT."

Acusado de comandar quadrilha que explorava o jogo do bicho, seu pai, Anísio, possui condenação de 48 anos, 8 meses e 15 dias de prisão pelos crimes de corrupção ativa e formação de quadrilha. Ao falar das várias prisões do pai, Gabriel reflete sobre o que vivenciou, quando ia, pequeno e levado pela mãe, às visitas na penitenciária Bangu 1.

"Da primeira vez eu tinha uns 7 anos, já sabia ler, via TV. Eu sabia que estava indo num presídio. Entrava abatido, de mãos dadas com minha mãe. Mas a figura do meu pai é forte, e vê-lo me deixava forte. Ele é uma pessoa ética, independentemente de qualquer coisa que fez na vida."

Seu desejo é que o patriarca aceite ter sua história contada no streaming, assim como outro bicheiro, Castor de Andrade, morto em 1997, então patrono da Mocidade Independente, em "Doutor Castor" (Globoplay, 2021). "Tudo que ele fez terá sentido quando deixar que façam a série sobre ele", afirma.

Gabriel diz que não sabe jogar no bicho, principal receita do império familiar. "Não sei, juro por Deus! Sou viciado em tranca e buraco. Eu e Giovanna viramos noites jogando."

De origem libanesa, o clã Abraão David concentra seu reduto em Nilópolis, município de 19 km² na Baixada Fluminense, nono IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do estado. Política é assunto de que a família gosta, tanto quanto de jogo ilegal e Carnaval. Simão Sessim, parente de segundo grau, foi dez vezes deputado federal (PP). O tio, Farid Abrão David (PTB), foi prefeito e deputado estadual outras tantas vezes. Seu primo, Sérgio Sessim (PP), também já foi prefeito. Caminho que ele não almeja. "Nem a pau! As coisas acontecem é no mundo privado."

Gabriel tem uma incorporadora em Nilópolis. Há alguns meses, saiu do triplex onde morava com os pais, em Copacabana — imóvel que um dia foi de Roberto Marinho — para se fincar no Joá. Conta que entende melhor o pai depois que namorou Anitta, no ano passado. "Eles são muito parecidos. Meu pai também é do candomblé", diz o rapaz, que se declara católico.

Ao falar da relação-relâmpago com a cantora, pede para esclarecer que o término não foi a pedido da mãe, como circulou em sites de fofoca. Com Giovanna Lancellotti curte viajar. Já foram juntos até ao Egito, mas a próxima viagem rola sem a namorada. Gabriel também é empresário do MC Kevin O Chris. Começou novembro entre Lisboa e Madri, para gravar um clipe do funkeiro.

No Rio, vive cercado de amigos. Um deles é Enzo Celulari. "Quando a gente tinha uns 6 anos, não podia ir a camarote de cerveja, porque era menor de idade, aí ficava num espaço pequeno. A Beija-Flor desfilava lá pelas 6h. A gente cochilava num sofazinho, no maior barulho de bateria. Quando dava cinco e pouco, acordava, jogava uma água no rosto e ia pra concentração", recorda-se Enzo.

David acaba de abrir um delivery de pizza vegana no Joá. Além disso, desenvolve uma marca de surfe para patrocinar jovens carentes no Arpoador. "O dia dele tem 37h! Eu acordo às 9h e ele já foi pra São Paulo e voltou, surfou e fez três reuniões", brinca a namorada.

Seu celular não para. A entrevista com o TAB aconteceu ao longo de um dia intenso, em que Gabriel precisou atender em sua nova casa, no escritório de Copacabana e na Cidade do Samba, no centro. É focado, ainda que seja diagnosticado com TDAH (transtorno do déficit de atenção com hiperatividade). Rasgando ondas ou no silêncio das nuvens, quer sacudir o universo do samba.

Topo