Cícera é uma garota do sertão baiano vivendo durante a Guerra de Canudos, conflito que matou 25 mil pessoas no fim do século 19. Aqui, no entanto, seu inimigo é a fome. Para sobreviver, ela precisa afiar faca, encontrar mandacaru e mandioca. Cícera é personagem de "Árida", um game brasileiro que inova ao utilizar a linguagem dos jogos eletrônicos para apresentar o sertão brasileiro ao mundo.
"Árida" foi desenvolvido pelo estúdio independente Aoca Game Lab, da Bahia. Democratização de ferramentas, crescimento da indústria criativa no país, preocupações de inclusão na tecnologia e outros fatores fazem com que brasileiros tomem as rédeas e mostrem, por meio dos jogos, que há muitas histórias, personagens e cenários diferentes do Brasil para mostrar nas mídias eletrônicas.
O momento contrasta com o passado, quando o país era apresentado apenas por lentes estrangeiras. Na década de 1990, um dos personagens mais conhecidos no mundo dos games era Blanka, de "Street Fighter 2", um mutante verde com poderes elétricos que lutava em uma palafita amazônica. O local mais fetichizado, principalmente por jogos de violência, são as favelas — presente em títulos como "Max Payne 3" (em São Paulo), "Counter Strike" e "Call of Duty Modern Warfare 2" (ambos no Rio de Janeiro).
Para Flávia Gasi, colunista do TAB e doutora em semiótica com pesquisa sobre videogames e mitologias, jogos com temas nacionais permitem usar símbolos da nossa cultura de forma dinâmica. "É preciso tratar nosso imaginário, mostrar nossa presença. Em um mundo globalizado, as histórias são as mesmas porque existe marketing dizendo quais são as histórias que as pessoas devem ouvir. Mas, quando falamos do imaginário de um povo, estamos falando também da preservação de sua memória."