A sociedade que não souber rir de si mesma está doente: essa é uma das meditações do filósofo francês Henri Bergson, Nobel de Literatura em 1927. “A comédia ajuda a sociedade a destacar as tendências antissociais e a fazer com que as evitemos e ríamos delas. Isso nos encoraja a corrigir essas falhas”, escreveu. Mas, para Platão, o humor se torna poderoso pelo sentimento de superioridade que as pessoas podem ter sobre as outras, apontando seus defeitos, sem que o tom seja conciliatório. Pode parecer piada, mas entre os grandes pensadores há também uma dicotomia quando o assunto é o riso.
Levando para a psicanálise, Sigmund Freud considera que o humor serve como uma liberação catártica da repressão da sociedade, vindo daí nossa predileção pelas piadas sobre sexo e, digamos, gases. Nesse caso, o superego permitirá que o ego entre em cena, nos ajudando a superar inibições, servindo também como forma de recusa da realidade. Esse conceito pode tratar muito bem de um indivíduo em si, mas também de um povoado. Mas e quando essa mesma sociedade já riu tanto, mas tanto, que talvez esteja cansada?
A despeito do progresso econômico de décadas, o Brasil ainda é um dos países mais desiguais do mundo. Para os mais pobres enfrentarem essa condição, o sorriso foi ativado, até mesmo como um tipo de ferramenta de defesa. Aqui, vamos mais longe, regressando ao período da escravidão, algo que o escritor e sociólogo Gilberto Freyre constatou em sua obra, conforme lembra Mirian Goldenberg, antropóloga e professora titular da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). “Isso foi uma forma de contato, de aproximação. Foi algo corporalmente adquirido por homens e mulheres na nossa cultura”, diz a autora que, em 2010, conduziu uma pesquisa para investigar a “Cultura da Risada”. Primeiro veio o sorriso, depois o riso. “Mais do que a nossa fala ou escrita, a risada fala de um jeito de ser brasileiro, de brincar até com os fatos considerados sérios”, afirma. “Mas hoje estamos numa situação tão confusa que o brasileiro não consegue se distanciar dela e sofre sem saber muito qual a saída”, completa.