A onda de relatos de assédio sexual parece ter sido detonada no movimento norte-americano #MeToo, que levou à cadeia o produtor de cinema Harvey Weinstein. Mas a versão brasileira do #MeToo veio no ano seguinte. Acusações contra o médium João de Deus, no fim de 2018, provocaram uma enxurrada de denúncias de abuso sexual dentro de grupos religiosos. Algumas explodiram nos noticiários locais e nacionais. Outras não deram em nada.
Até hoje, vítimas, ativistas, advogados, psicólogos e pesquisadores reclamam de um cenário que parece mais favorável aos abusadores — e que penaliza ainda mais quem se arrisca a denunciar. No lugar da fé fica a frustração, o medo, muitas incertezas e uma pergunta: porque no Brasil é tão fácil abusar e tão difícil punir?
Além da conhecida morosidade da justiça brasileira, outro fator incide no número de condenações por crimes sexuais: a quantidade de pessoas dispostas a revelar que sofreram abuso. Segundo a promotora do Ministério Público de São Paulo Celeste Leite dos Santos, apenas 10% das vítimas formaliza uma denúncia. Para ela, faltam redes de apoio. Ela coordena o Avarc (Acolhimento de Vítimas, Análise e Resolução de Conflitos); uma das iniciativas do projeto é justamente entender porque tantas pessoas deixam de denunciar.
Um dos casos mais recentes atendidos pelo grupo Avarc é o do terapeuta Harry Tadashi Kadomoto, conhecido como "guru da meditação". Em outubro de 2020, ele se tornou réu por estupro de vulnerável. Em novembro, uma nova investigação foi aberta para apurar denúncias de outras quatro vítimas. Até o momento, sete mulheres acusam o terapeuta de abuso sexual. O MP-SP montou uma força-tarefa, semelhante à que atuou no caso do médium João de Deus.