SOB OS CÉUS DE ISRAEL

Prestes a fazer 75 anos com tensões internas e externas, país cimentou túneis e desenvolveu 'domo' antimíssil

Carlos Iavelberg Do UOL, em Jerusalém, Tel Aviv, Sderot e Zarit (Israel) Rudolph Balasko

Na noite de 9 de março, Mutaz Salah al-Khawaja abriu fogo contra três israelenses na movimentada rua Dizengoff, no centro de Tel Aviv. O atirador, um palestino de 23 anos, foi morto na sequência do atentado, classificado como terrorista por Israel.

A 2 km dali, recebi as primeiras informações sobre o ataque enquanto estava no restaurante Meatos, onde jantava naquela quinta-feira com outros jornalistas e o general Gerson Menandro Garcia de Freitas, então embaixador do Brasil no país. Caminhei em direção à rua agitada e, para minha surpresa, a sensação era de total tranquilidade: nada parecia indicar que um atentado tinha acabado de acontecer.

Bares continuaram abertos, e cheguei a cruzar com um Super Mario Bros., já que ainda havia gente fantasiada aproveitando o Purim, uma festa judaica que lembra um pouco o Carnaval no Brasil.

"É a estratégia: não deixar que ataques terroristas paralisem a vida dos israelenses", diz o cientista político André Lajst, 37, presidente-executivo da instituição StandWithUs Brasil, que combate o antissemitismo, e que acompanhava a comitiva de jornalistas na viagem. "Somos mais fortes quando não nos rendemos ao terrorismo."

Não é tão diferente para nós, pensei: entre notícias de bala perdida e um punhado de violências que normalizamos ao longo dos anos, andar pelas ruas de Tel Aviv é muito mais seguro do que cruzar as de São Paulo ou do Rio de Janeiro. Em Israel, ninguém tem medo de empunhar o celular na rua ou dirigir com as janelas do carro abertas, por exemplo. O medo é outro: é a história de quem precisa viver sob alerta constante.

Entre grafites coloridos, há abrigos antibomba ao lado de cada ponto de ônibus de Sderot, cidade a 5 km da Faixa de Gaza, território palestino espremido entre Israel e Egito. "Quando toca a sirene, temos 15 segundos para correr para um lugar seguro", conta Yanai Gilboa, 58, israelense filho de brasileiros que vive no kibutz Bror Chail, a 7 km de Gaza.

A sirene é o aviso de que foguetes estão sendo disparados. Para quem mora perto assim das áreas mais tensas, o tempo para correr até um bunker varia entre 11 e 15 segundos. "Em 95% dos dias é um paraíso viver aqui. É uma região de agricultura, muito verde e ar puro", pondera Gilboa, um civil alto que fala português muito bem, de sotaque carregado. "[E] sempre temos de lembrar que tem o outro lado. Assim como nós estamos sofrendo, nossos vizinhos [palestinos] da Faixa de Gaza também estão sofrendo. E sofrendo muito mais."

A 500 metros da cerca de arame, de oito metros de altura, que separa Gaza de Israel, é possível avistar construções de Beit Hanoun, cidade no lado palestino.

Do lado israelense, casais e crianças aproveitavam uma manhã ensolarada de março para dançar e fazer piqueniques, no memorial Black Arrow (Flecha Negra, em português), homenagem à operação homônima de 1955 realizada em Gaza, então controlada pelo Exército egípcio. Por dentro, uma ação militar considerada motivo de orgulho; por fora, uma grave violação de um armistício — à época, a operação de Israel foi condenada por unanimidade pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Em Jerusalém, a tensão é mais visível: é comum cruzar com policiais armados com fuzis M16 pendurados ao corpo. Considerada sagrada por três religiões (judaísmo, islamismo e cristianismo) e disputada por israelenses e palestinos, Jerusalém abriga 570 mil judeus e 354 mil árabes.

"Em Tel Aviv, o esforço policial é 20% focado em casos de terrorismo e 80% em outros crimes. Em Jerusalém, é o contrário", diz Micky Rosenfeld, porta-voz da Polícia Nacional de Israel, enquanto explica a atuação das forças de segurança na Cidade de Davi, a parte mais antiga da milenar Jerusalém.

Antes do amanhecer de 5 de abril, a polícia israelense invadiu o complexo da mesquita de Al-Aqsa na cidade — segundo as autoridades, para conter tumultos provocados por "agitadores mascarados". Houve confronto e sete fiéis ficaram feridos. No dia seguinte, foguetes foram lançados do sul do Líbano contra Israel. Na manhã de 7 de abril, Israel retaliou: disparou mísseis contra o Líbano e a Faixa de Gaza.

Autoridades israelenses estimam que grupos radicais, como Hamas e Jihad Islâmica, têm cerca de 30 mil foguetes apenas em Gaza. Já no Líbano, a milícia Hezbollah teria 200 mil armas, entre mísseis e foguetes, capazes de cobrir 90% do território de Israel. Do outro lado, o Estado judeu possui uns dos arsenais bélicos mais modernos do mundo — embora não revele a quantidade de foguetes disponíveis.

De olho no que vem dos céus, Israel construiu, em 2011, o "Domo de Ferro", um poderoso escudo antimísseis que cobre todo o território nacional, área equivalente ao estado de Sergipe.

Desenvolvido por Israel com os EUA, aliados de primeira hora, e mantido com verba do Congresso norte-americano, cada míssil interceptador custa US$ 60 mil (cerca de R$ 300 mil). Nessa tecnologia, satélites israelenses monitoram os arredores e, após a identificação de disparos, o sistema calcula a trajetória do foguete inimigo em 1,5 segundo.

Se o sistema avaliar que o míssil deve atingir uma área desabitada, nada é feito. Se, por outro lado, calcular que o projétil pode cair em uma área povoada, ao menos dois foguetes israelenses são disparados para interceptar o ataque. Só em Gaza, o monitoramento dos satélites ocorre cinco vezes por segundo, 24 horas por dia.

Ex-porta-voz internacional das Forças de Defesa de Israel, o tenente-coronel da reserva Jonathan Conricus atuou durante anos na região, tendo inclusive combatido dentro de Gaza. Segundo ele, o país não pode abaixar a guarda nunca. "Os foguetes do Hamas estão ficando maiores", justifica.

Não são só os céus que acendem alertas, diz Conricus. Entre 2017 e 2023, foram localizados e destruídos 22 túneis que atravessavam Gaza até Israel, cita.

Conricus, um ex-militar alto e de ombros largos, conta que o país também construiu um muro subterrâneo de um metro de espessura ao longo da fronteira com Gaza para impedir a passagem de novos túneis. A obra custou US$ 1 bilhão (cerca de R$ 5 bilhões), diz. A profundidade, entretanto, o ex-tenente-coronel não revela: diz que é segredo de Estado.

Já ao norte do país, na fronteira com o Líbano, os militares também monitoram trechos de túneis. Um deles, descoberto em 2019, foi construído pelo grupo radical Hezbollah, perto da cidade de Zarit.

Escavado durante cinco anos com maquinário manual em rocha maciça, o túnel tinha 70 metros de profundidade e um quilômetro de comprimento quando foi descoberto. Nos arredores, outras cinco passagens subterrâneas foram encontradas e bloqueadas com concreto, conta o general da reserva Alon Friedman.

"Está vendo ali aquele homem?", perguntou, de repente, apontando para a mata atrás de um muro de concreto que separa Israel e Líbano. "É um integrante do Hezbollah", acusou. Demorei uns segundos para conseguir ver um homem de calça bege, agasalho verde-escuro e boné preto da Adidas - com uma câmera na mão, ele registrava o movimento dos jornalistas que visitavam a estrutura.

Prestes a completar 75 anos, em maio, Israel vive tempos de tensões internas também. Na rodovia Ayalon, que passa por Tel Aviv, milhares de manifestantes vêm se reunindo com palavras de ordem em defesa da democracia.

De volta ao poder no fim de 2022 abraçado à maior coalizão de extrema direita da história do país, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu propôs uma reforma do Judiciário que, entre vários pontos controversos, pode permitir que o Knesset (o parlamento israelense) anule decisões da Suprema Corte com maioria simples.

Bibi, como o premiê é conhecido, pode ser beneficiado: investigado por corrupção desde 2016, ele conseguiu aprovar, em março, uma lei que impede que primeiros-ministros sejam afastados do cargo por ordem judicial da Suprema Corte.

Aliado de Israel, o presidente dos EUA, Joe Biden, também criticou a iniciativa. Bibi retrucou: "Israel é um país soberano e toma suas decisões segundo os desejos de sua população e não com base em pressões externas, inclusive quando elas vêm de seus melhores amigos".

Quase 70% dos israelenses são contra a proposta, que deve voltar a ser discutida em maio. O assunto vinha incendiando o país até fins de março, entre greve geral e protestos nas rodovias e ruas. O presidente de Israel, Isaac Herzog, que ocupa um cargo mais simbólico, chegou a declarar que a crise poderia levar o país a uma guerra civil.

Nos bastidores, militares temem que a crise interna se espalhe para as Forças Armadas e enfraqueça a segurança do país. Em protesto contra a reforma, pilotos reservistas já se recusaram a realizar um treinamento militar.

O gerente de tecnologia Ilai Harsgor Hendin, 42, costuma levar sua filha Goni, 9, aos protestos, que já duram 15 semanas. "Ela aprende muito sobre democracia e sobre nossos valores. E ela também acha importante ir, sabe que estamos falando do seu futuro", conta.

Morador de Kfar Saba, cidade de 110 mil habitantes que chega a reunir 20 mil nos atos, a 23 km de Tel Aviv, Hendin diz que a democracia em Israel corre sérios riscos. "Com a reforma aprovada, Netanyahu poderá aprovar qualquer lei que ele queira e até cancelar eleições. Ele poderá fazer o que quiser."

Hendin, porém, se diz esperançoso. "Estamos em uma situação crítica, mas temos visto tantas pessoas nas ruas lutando pela nossa democracia que estou otimista."

*O autor viajou a convite da Embaixada de Israel no Brasil e do Consulado Geral de Israel em São Paulo

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