A FRANCO-ATIRADORA

Com pauta difusa, munição antipetista e opiniões a rodo, Janaina Paschoal mira a única vaga de SP no Senado

Angélica Santa Cruz (texto) e Fernando Moraes (fotos) Colaboração para o TAB, de São Paulo

O plenário da Assembleia Legislativa de São Paulo tem uma geopolítica curiosa. Do lado esquerdo de quem olha para a mesa diretora, aglomeram-se deputados do PT, PSOL e PCdoB. Do lado direito costumam ficar os parlamentares do PSL, PP ou Republicanos.

Pelo meio, de preferência na primeira fila, acomoda-se Janaina Paschoal (PSL) — a deputada que foi parar ali carregando 2.060.786 votos, a melhor performance de toda a história legislativa brasileira.

Tentar um lugar na primeira fila é mania que Janaina cultiva desde sempre, dos bancos das escolas que frequentou na zona leste de São Paulo aos da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, onde se graduou em direito e depois virou professora. Ocupar o meio não deixa de ser uma coincidência, considerando algumas fronteiras que, nos últimos tempos, às vezes pareceram borradas.

Eleita no mesmo arrastão que levou Bolsonaro ao poder, Janaina tem sido vista defendendo pautas com jeitão de esquerda, como o projeto de lei que facilita o acesso de qualquer mulher à laqueadura, mesmo quando ela ainda não tem filhos e sem autorização do companheiro. A lei foi vetada pelo governador João Doria (PSDB) e ela partiu para cima dele com críticas contundentes.

Vez por outra, senta a pua em Jair Bolsonaro e foi contra os atos convocados para defendê-lo. Para alguns ficou a dúvida: qual é hoje, afinal de contas, o quadrado da deputada mais votada do Brasil?

"Não sou bolsonarista, discordo de várias coisas da agenda dele -- sou radicalmente contra a redução da maioridade penal, e essa é uma bandeira tradicionalmente de esquerda. Mas sempre fui de direita. Sou contra o aborto, contra a legalização das drogas, contra o totalitarismo das esquerdas que vi de perto na academia", afirma. Em um eventual segundo turno entre Bolsonaro e Lula, vai de Bolsonaro. Entre Bolsonaro e Moro, apoiaria o ex-juiz. "O que não quero é que a esquerda volte", diz. Janaina é, antes de tudo, uma antipetista atávica.

O alcance da onda que a levou ao Legislativo é um dos grandes mistérios nas próximas eleições. Decidiu que estará no jogo, tentando a única vaga de São Paulo para o Senado, e que sairá do PSL. De cara, atiçou o interesse de uma fila de pretendentes. "Todos os partidos me convidaram, alguns de forma direta, outros por meio de sondagem", afirma. Até Bolsonaro está de olho. Em meio às intermináveis negociações para se filiar ao PL, o presidente cogitou convidá-la a aderir à legenda também. Assim, os dois formariam uma aliança robusta no palanque paulista. No momento, ela não leva a possibilidade a sério. "Ele mesmo não fez contato comigo. E só ele fala por ele. Não defini ainda para qual partido vou, mas não pretendo ir para o PL. Preciso ter liberdade. Lá, o presidente e os filhos vão mandar em tudo. Eu ficaria refém."

Na tarde de 27 de outubro, ela se movimentava na Alesp com o que define como "olhos e ouvidos bem abertos". Circulava com desenvoltura pelo plenário, às vezes desarmando ânimos ao usar aquela velha técnica dos vendedores de shopping center que consiste em pinçar algo no interlocutor para elogiá-lo. "Bonita, a sua gravata", disse para um colega. "Linda, a sua blusa", falou para outra.

A sessão prometia ser febril. Os deputados votariam pela terceira vez a instalação de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar a atuação da Prevent Senior durante a pandemia. Como a Casa já tem cinco CPIs em curso, número máximo permitido em um ano, o regimento interno obriga que uma sexta só possa ser instaurada mediante votação com a presença de 48 dos 94 parlamentares.

O plenário já estava meio vazio, porque a bancada governista não havia dado as caras. Mas, para garantir, os deputados declaradamente contrários à CPI usavam um artifício de praxe. Entre um discurso e outro, pediam a contagem dos parlamentares presentes. Quando começava, saíam em peso e, como crianças brincando de esconde-esconde, aglomeravam-se perto da porta até poderem voltar.

Sempre com o cuidado de levar junto sua bolsa preta, Janaina seguia esse fluxo de obstruções e se espremia junto aos colegas, até a sessão ser encerrada, às 19h, sem votação.

A objeção de Janaina à CPI não era fincada nos argumentos usuais da direita, mas em uma de suas opiniões bem particulares. "Acho que tem algum interesse econômico mal explicado por trás dessa atuação contra a Prevent Senior. Algum outro grupo pode, por exemplo, estar querendo pegar o lugar deles. Eles fizeram o que achavam que estava ao alcance deles", argumenta. A atuação da operadora que continuou administrando remédios ineficazes contra a covid-19, entretanto, está sendo investigada pelo Cremesp (Conselho Regional de Medicina de São Paulo).

É possível identificar o momento exato em que essa deputada de 47 anos, casada, mãe de dois filhos, provocou — sabe-se lá se por causalidade ou correlação — uma mudança no curso da história do Brasil.

Janaina deu início ao impeachment da presidente Dilma Rousseff. Na conversa com TAB, ela lembrava detalhes desse período conturbado ao lado da fonoaudióloga Maria Lúcia Bicudo, filha do jurista Hélio Bicudo (falecido em 2018) e secretária especial de seu gabinete desde 2020.

Entre goles de água, as duas lembravam do dia em que se encontraram pela primeira vez em Brasília. Com a ideia fixa de encontrar um jurista disposto a assinar o pedido de impeachment da presidente Dilma, sob o argumento de que ela cometera crime de responsabilidade por causa de pedaladas fiscais, Janaina passara meses percorrendo grandes escritórios de advocacia de São Paulo. Até que bateu na porta de Hélio Bicudo que, para sua surpresa, topou. Miguel Reale Jr. se juntou a eles depois.

"Foi um encontro de almas entre eles. Ela é do signo de câncer, meu pai e eu também", diz Maria Lúcia. Bicudo, jurista que fez história na ditadura ao combater os esquadrões da morte em São Paulo, havia se desligado do PT em 2005, desiludido com as denúncias do mensalão.

"Meu pai ficou impressionado com ela e concordou na hora, mas estava com 93 anos e tinha acabado de sofrer um infarto, então me telefonou e disse que eu iria representá-lo em Brasília. Em 1º de setembro de 2015, a gente foi até o Congresso protocolar o pedido", diz Maria Lúcia.

No dia da sustentação oral, Janaina estava uma pilha, tinha medo até de ser morta por "inimigos". "Aquele foi um processo imenso e eu estava completamente sozinha, não tinha assessoria jurídica, não tinha nada. A Lúcia, muito espiritualizada, ia me tranquilizando."

"Eu fazia reiki nela", completa Maria Lúcia. Com formação em enfermagem, seu mestrado em ciências da religião virou o livro "A importância do som da palavra e da voz na humanização do ser".

Nestes cinco anos, há trilhões de balanços a serem feitos. Um deles é o do rumo que o Brasil tomou. Na análise de Janaina, eis o principal legado: "acabou a dominação do jeito de pensar do PT. Na academia, na USP, você não pode questionar a tese da legalização das drogas, porque a ideia dominante é de que isso vai resolver o crime organizado e promover justiça social. A dinâmica nas aulas também é a de que o aborto é um direito fundamental da mulher e eu vejo esse discurso como estimulante para meninas de 17, 18 anos. Meus argumentos sempre foram jurídicos, mas dizem que é discurso religioso. Viemos para romper este silêncio".

Janaina conversou com o TAB sentada no gabinete 41, no térreo da Alesp, diante de um quadro de São Jorge e de três imagens de santos distribuídas em uma grande mesa. "É para dar proteção", explicou a deputada.

Um outro balanço possível é o do tsunami vertiginoso que a colocou na ribalta política. Por um triz Janaina não foi candidata a vice-presidente de Jair Bolsonaro.

"Aliados dele dizem que é mentira, mas ele me chamou — e chamou forte", afirma. Foi um mês inteiro de conversas. Um dia, o então deputado federal lhe telefonou e perguntou:

- Ô, Janaina, de zero a dez, quanto você está comigo?
- Eu acho que uns nove -- ela respondeu.

A conversa seguinte foi em um hotel no Rio. Ali, ela colocou na mesa uma condição inegociável: só toparia ser vice se pudesse morar em São Paulo.

Bolsonaro, a princípio, achou que tudo bem. Ambos combinaram que, se eleitos, fechariam o Palácio do Jaburu, residência oficial dos vices.

"A conversa prosperou, mas um grupo de assessores começou a fazer oposição e usou esse detalhe como pretexto", diz Janaina.

Bolsonaro explicou que "essa coisa aí de um vice fora de Brasília" seria complicado e passou a consultá-la sobre outros nomes. O primeiro da fila era Luiz Philippe de Orléans e Bragança, hoje deputado federal pelo PSL. "Minha avaliação foi a de que colocar um monarquista na presidência seria estranho, mas tudo bem."

Tempos depois, Janaina foi acordada às 5 da manhã de um domingo pelo coordenador da campanha, Gustavo Bebianno (morto em 2020). "Ele estava em algum aeroporto aqui de São Paulo, não lembro qual. Queria que eu fosse até lá conversar com o Bolsonaro, porque eles tinham a informação de que havia um dossiê contra Luiz Philippe. A opção seguinte seria o Mourão, mas antes de fechar com ele, Bolsonaro quis falar comigo. Eu disse que não iria até lá às pressas, e repeti que não mudaria para Brasília", conta ela. Bolsonaro, então, fechou com o general.

Depois do impeachment, Janaina Paschoal foi levada para a estratosfera da fama. Passou a ser reconhecida nas viagens que gosta de fazer em família na Amazônia, em Bonito (MS) e Foz do Iguaçu (PR). "Já fui reconhecida até no exterior, intrigantemente, não só por brasileiros. O clipe do Iron Maiden rodou o mundo", diverte-se — em alusão ao impagável vídeo viral em que aplicaram a música "The Number of The Beast" sobre um de seus discursos inflamados.

Ainda assim, assegurava que jamais seria candidata a nada. Foi mudando em parte pelas circunstâncias acadêmicas.

Professora do Departamento de Direito Penal no Largo de São Francisco, ela foi reprovada em 2017 em um concurso para virar titular. Concorreu com três colegas por duas vagas, mas ficou de fora. Indignada, entrou com recurso pedindo anulação da disputa.

Depois disso, recebeu um e-mail de alguém da USP, dizendo que ela deveria entender que não tinha mais lugar ali. "Para usar uma expressão da esquerda, fui buscar um outro lugar de fala. Entrei na política porque quero continuar falando."

Um dia antes do prazo para se filiar ao PSL, entrou no jogo. A campanha embicou rapidamente, mas ela sustenta que não foi eleita em uma grande onda puxada pelo bolsonarismo. "O Bolsonaro é que foi eleito na nossa."

Janaina chegou com um caminhão inédito de votos e uma pauta difusa, formada basicamente por "coisas que precisam mudar". "Respeito quem tenha [pauta]. Mas eu, eleitora, não votaria num deputado temático. Dia desses cheguei para a Erica Malunguinho [deputada do PSOL, primeira mulher transexual da Alesp] e falei para ela não se permitir virar uma deputada de um tema só", diz.

Em sua trajetória parlamentar, aprovou apenas dois projetos de lei. O primeiro garante a possibilidade de uma gestante escolher a cesariana a partir da 39ª semana de gravidez e de, mesmo quando preferir o parto normal, optar pela analgesia (inibição da sensibilidade à dor sem perda da consciência).

"Nos últimos anos, ganhou força entre formadores de opinião a ideia de que o parto normal, e principalmente o parto natural, seriam sempre as melhores opções. Não é assim", argumenta.

O segundo projeto é o do acesso à laqueadura, aprovado em plenário e vetado por Doria.

A deputada, no entanto, acredita que seu sucesso não esteja ligado ao número de projetos de lei que consegue aprovar, mas aos que consegue barrar. "Sou contra o excesso de leis, por isso fico atenta às propostas muito ruins, que nem sempre são fáceis de identificar."

De maneira geral, esses projetos passam muito tempo nas comissões, mas quando chegam ao plenário podem ser aprovados de baciada, em velocidade parecida com a de um leilão. Por isso, ela passa as sessões com os olhos grudados na movimentação.

"Aprendi isso quando teve a votação da lei que aprovava a venda de bebidas alcoólicas em estádios. Todos sabiam que eu era contra. De repente, um colega me avisou que uma equipe de televisão queria me entrevistar. Fiquei lá dez minutos. Quando voltei, descobri que o projeto fora votado rapidamente e aprovado. Não posso provar, mas acho que armaram para mim. Essa entrevista que eu dei, por exemplo, nunca saiu..."

Esse estilo particular de processar as informações à sua volta permeia toda a maneira como Janaina pensa a política.

Chegou a se declarar entusiasta de Sergio Moro, mas depois ficou ressabiada. "Tive uma grande decepção quando vi o Moro ir com Doria e Luiz Henrique Mandetta [ex-ministro da Saúde] em um jantar na casa do dono da IstoÉ [o empresário Caco Alzugaray]. Por que ele foi a esse jantar? Por que não uma reunião de trabalho?", diz.

Janaina detesta bastidores. "Nunca fui de festinha depois do expediente", afirma. As articulações políticas de coxia também a deixam sem paciência. Desde que o ex-juiz anunciou sua pré-candidatura à presidência da República, circula a hipótese de que ele esteja, na verdade, cacifando seu nome para mirar a vaga de São Paulo no Senado.

Confrontada com essa versão, ela responde: "Ah, é? Se for isso, o Moro que me enfrente".

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