"Minha mãe contava do tempo em que os judeus daqui, quando ainda não havia sinagoga, reuniam-se em um terreno vazio, debaixo de umas oliveiras", relembra Moisés Morão, 60, proprietário da Casa da Judiaria, lojinha de souvenires e artigos hebraicos, instalada bem diante do grande Chanukiá dourado. "A comunidade já foi maior. Hoje, existem mais judeus belmontenses morando em Israel do que aqui na vila", diz ele, cujos filhos, por sinal, vivem em Jerusalém.
De acordo com os dados da própria sinagoga, só restaram cerca de 40 judeus em Belmonte. É uma população envelhecida. Desde 1989, quando a comunidade foi oficialmente reconhecida por Israel, muitos jovens optaram pela "Aliá", a imigração rumo à Terra Prometida. Vão em busca de trabalho, melhores salários e, também, de outras oportunidades para se casar com judeus e judias.
A vila vive hoje do culto à memória, da celebração de uma herança histórica preservada no bem cuidado Museu Judaico, mantido pela Empresa Municipal de Promoção e Desenvolvimento Social — entidade coletiva de direito privado, sujeita à superintendência da Câmara Municipal. Apesar disso, parte dos judeus que ficaram na vila ainda se mostram bastante arredios com os forasteiros.
Muitos negam-se a falar, recusam-se a serem fotografados, olham desconfiados para os jornalistas e pesquisadores que lhes dirigem questões. "Quem é mesmo você? Por que está me perguntando essas coisas?", indaga uma senhora idosa, à entrada de casa, antes de fechar a porta e encerrar a conversa. "Quem lhe disse que sou judia?", interroga outra, sem querer puxar assunto. No umbral da entrada de casa, existe um mezuzá.
Do mesmo modo, muitas famílias pediram para ter seus nomes e sobrenomes apagados do painel que, em uma das paredes do Museu Judaico, lista os membros da comunidade. Na antiga judiaria, as ruas estão desertas, com pouco movimento, embora se possa ouvir, do lado de fora, o som dos movimentos domésticos que vem de dentro das casas: tilintar de pratos e copos, barulhos de panelas, vozes de gente conversando.
"Sempre que acontece algo supostamente ameaçador, seja em qualquer lugar do mundo, é como se eles ligassem um sinal de alerta silencioso, tornando-se mais reservados, mais cautelosos", explica Joaquim da Costa, 59, presidente da empresa que gerencia o museu. "As notícias sobre a guerra na Ucrânia têm os deixado precavidos. Por mais distante que seja o conflito, eles guardam o trauma ancestral das grandes perseguições contra sua gente."
"Mas, aqui, estarão sempre protegidos. Os belmontenses são — e sempre foram — um povo aberto às diferenças", diz Costa, apontando para a inscrição à entrada do prédio, onde se lê, em letras grandes: "Belmonte, terra de tolerância". A poucas centenas de metros dali, no cemitério da vila, túmulos de cristãos e judeus, com crucifixos e estrelas de Davi, podem ser encontrados lado a lado, no mesmo campo santo. "Onde mais isso seria possível?", indaga Costa.