Se eu quiser falar com Deus

Monges cristãos ortodoxos se isolam no Monte Athos, na Grécia, território até hoje proibido para mulheres

André Naddeo (texto e fotos) Colaboração para o TAB, do Monte Athos (Grécia) André Naddeo/UOL

É outono na Europa e, por volta das 18h15, o sol se põe na península de Halkidiki, no norte da Grécia, onde Pietari Varpula, um jovem finlandês de 28 anos, voltava de uma caminhada nos arredores do monastério de Xenophontos. Era o quinto dia de sua vigília: de óculos e barbas já longas, ele abandonou um passado ateu e anarquista e se converteu ao cristianismo ortodoxo. Também deixou para trás família e amigos para passar uma temporada no alto do Monte Athos, a capital espiritual da Igreja Ortodoxa, a fim de descobrir se deve se tornar um monge, uma decisão que ele atribui à vontade de Deus.

"Tenho quase certeza de que esse será meu destino", disse ele, sentado nas escadas em frente à igreja. "Já deixei tudo para trás, vai ser muito difícil encontrar algo assim por outros lados. Nunca vou ter uma vida tão intensa como aqui", acrescentou. "Se Deus assim quiser" e ele for aceito pelos patriarcas e aprender o grego que já arranha para acompanhar as liturgias, Varpula poderia ficar para sempre no Athos — e ajudar a rejuvenescer a comunidade de cerca de 2.000 monges, cuja média de idade hoje está estimada entre 45 e 55 anos.

O conterrâneo Federico Mata, 34, não precisou deixar de vez a Finlândia (onde apenas 1% da população se declara ortodoxa). Diácono desde 2015, posição abaixo de padres e bispos na hierarquia, casado e pai de quatro filhos, ele se divide entre o voluntariado nos monastérios do Athos e uma empresa de pisos de madeira que gerencia, a cerca de 20 km da capital finlandesa, Helsinki.

"É como se eu tivesse duas famílias", relatou ele, que vê no trabalho religioso junto a outros membros da comunidade (principalmente gregos, búlgaros, georgianos, romenos, russos e sérvios) uma oportunidade de "aprender a ser um pai melhor". "Limpar os banheiros, varrer o chão, esses são os verdadeiros valores da teologia. É aprender da vida sem se preocupar tanto."

Mata deixa de ver a mulher nas suas temporadas no Athos, incursões de quinze dias. "Ela fica triste de não poder vir aqui, mas entende as razões."

As razões não são tão simples: a presença de mulheres é terminantemente proibida ali a fim de evitar "tentações", desde que os primeiros monges (do grego "mono", que quer dizer "sozinho") se instalaram no monte, no século 9. Nem animais fêmeas podem entrar no território — exceto gatas, para caçar ratos.

Sithonia, Cassandra e Athos são as três pontas do tridente peninsular banhado pelas águas cristalinas do mar Egeu. Entre praias exuberantes, o Monte Athos é um dos pontos mais inóspitos para um peregrino se aventurar. É um tipo de retiro, onde os monges vivem na mais absoluta simplicidade, com energia vinda de geradores e painéis solares. Os monges moram em esquetes (pequenas comunidades) ou celas, onde ermitões vivem isolados da sociedade.

Mulheres podem se aproximar num raio de até 500 metros da área, que abriga 20 monastérios oriundos do período bizantino. Apenas à distância, a bordo de barcos de agências turísticas, elas podem observar a montanha de 2.000 metros de altura, tida como o ponto máximo de contato com Deus.

Segundo a crença de cristãos ortodoxos, a Virgem Maria teria visitado o Athos e o tomado para si como um lugar santo, "para manter todos nós longe dos pecados e firmes no propósito do celibato clerical", contou-me um monge que pediu para não ser identificado, pois considera o assunto um tabu. "Estamos aqui para louvar a Santa Mãe e manter um estilo de vida único e milenar."

A terra santa da Igreja Ortodoxa se estende por uma faixa de 389 km² e tem suas próprias fronteiras, acessíveis apenas por barco. Não é um Estado independente, como o Vaticano, na Itália, mas implementa sua própria jurisdição e responde diretamente ao Patriarcado Ecumênico de Constantinopla, na Turquia.

É preciso um visto especial, o "Diamonitirion", para entrar no território: 300 cristãos ortodoxos podem visitar diariamente a área; não ortodoxos, apenas dez por dia. O controle de passaporte é feito por oficiais da Guarda Costeira Helênica.

Os visitantes devem se vestir à moda dos monges, sem expor demais a pele: recomenda-se usar calça comprida e de cores discretas, camisas de manga longa são muito bem-vindas (embora não obrigatórias) e chinelos são permitidos apenas se os pés estiverem cobertos por meias.

Cerca de 300 mil visitantes passam pelo retiro ortodoxo anualmente. Entretanto, poucos têm a oportunidade de diálogo direto com os abades, os líderes vitalícios de cada um dos monastérios e patrões de todas as cerimônias religiosas — os monges rezam até oito horas por dia e privilegiam o período noturno, mais silencioso.

"Aqui, sempre pedimos a benção aos nossos superiores para nossas decisões", afirmou padre Jorge, 47, ao justificar que entrevistas e fotos só seriam permitidas com autorização do padre Alex, 83, o abade do monastério de Xenophontos desde 1976. Padres ortodoxos só se identificam pelo primeiro nome.

"Ele é muito, mas muito sábio. É a nossa conexão: quando falamos com o abade, estamos falando com Jesus Cristo diretamente", definiu o padre Jorge. "Seja simples, seja você mesmo. E aproveite para falar dos seus problemas pessoais. Lembre-se que é como ter um encontro com Cristo", aconselhou, antes de abrir as portas do imenso salão patronal onde me aguardava o abade.

Para um católico não praticante que nem sequer fez a primeira comunhão, eu me senti privilegiado pelas portas ("transcendentais", neste caso) que o jornalismo sempre ousa abrir. Ao mesmo tempo, pensei como os peregrinos "reais", digamos, poderiam se sentir injustiçados por serem muito mais fiéis que o repórter não ortodoxo e, no entanto, não terem a mesma oportunidade. Nos dois dias em que estive em Xenophontos, diversas vezes ouvi: "Você teve um privilégio que todos sonham — um momento íntimo com o abade, com Jesus Cristo. Amém."

"O mundo de hoje se degradou com consumismo e egoísmo", iniciou o padre Alex, com sua longa barba branca, bengala e túnicas negras. "Nós preservamos os valores e a essência do que é viver em comunidade. Acreditamos na simplicidade, no básico que um ser humano precisa para sobreviver."

O monte, segundo o abade, é um lugar de conexão com Deus. "Assim conseguimos manter a nossa originalidade ao longo dos séculos", disse, olhando profundamente nos meus olhos, ao comentar o celibato clerical. Ele autorizou o pedido de entrevistas e fotos no monastério. "[Mas] não tira 500 fotos nas missas, tira só algumas e basta."

Ao longo dos séculos, a comunidade monástica de Monte Athos atraiu peregrinos, mas também piratas — e, para se proteger de invasores, alguns monastérios e esquetes foram edificados como fortalezas, no alto das montanhas.

Élder Joseph, um jovem ateniense de 24 anos, visitou o monte pela primeira vez em 1921. Um ano depois, voltou sozinho e sozinho ficou. Mais tarde, Joseph ficou conhecido como "hesicasta", ou eremita, ou seja, quem busca solidão e silêncio como caminho para a oração incessante, tido como o melhor modo de conversar com Deus.

Joseph abriu e modernizou trilhas pela península em busca de isolamento nas celas, as pequenas casas e cavernas nas montanhas. Depois de tanto tempo solitário, ele angariou fiéis seguidores e se tornou inspiração para jovens que ainda têm dúvidas na decisão de se dedicar ao divino.

Já nos monastérios, peregrinos se instalam em casas em que a regra é a filoxenia — união das palavras gregas "filo" (amigo) e "xenia" (estrangeiro), que significa hospitalidade. "Aqui não se paga por hospedagem, nem por comida", informou o padre Dionísio, responsável pela casa de hóspedes do Monastério de Iviron, fundado em 1010.

"Quem quiser, pode deixar doações ali", comentou, apontando para um púlpito de madeira, com um pequeno vão. "Mas não se sinta forçado a nada."

Não há bares e restaurantes nos arredores de Iviron, os poucos comércios ficam a 6,6 km dali, em Karyes, a capital administrativa do Monte Athos. Outros monastérios ficam a 20 km, uma caminhada de mais de oito horas — e nem todos os caminhos contam com estradas abertas. Dado o isolamento, os monges levam à risca a filoxenia. Os quartos, individuais ou compartilhados, são impecavelmente limpos. As refeições, duas por dia, são oferecidas em mesões que remetem a banquetes medievais, com a diferença de que as porções são singelas, como tudo por lá.

Cálices de metal são alinhados simetricamente nessas longas mesas, um para água, outro para vinho tinto. Monges se sentam em uma mesa, peregrinos em outra. Saladas, sopas de lentilha, massas ou moussaka vegetariana fazem parte do menu — não se come carne no monte, apenas peixes, se os monges tiverem a sorte de fisgá-los no Egeu. Frutas, especialmente maçã, são compartilhadas em cestas. Autossuficientes, eles produzem o próprio azeite de oliva, cultivam horta orgânica e fazem pães e vinho.

Não é permitido conversar durante as refeições, pois esse também é considerado um momento de oração: um monge sempre é destacado para uma leitura litúrgica, enquanto peregrinos avançam nos pratos. "São apenas 15 minutos, nós comemos rápido, não perdemos tempo", alertou o padre Dionísio.

Os peregrinos devem seguir as regras da casa, "respeito e silêncio, sempre", nas palavras do padre. Também há horários pré-determinados para os serviços religiosos, cujo início é, impreterivelmente, às 3h da madrugada.

É nessa hora que um dos monges passa em volta de todas as residências batendo um martelo em um tronco de madeira — dizem que foi assim que Noé chamou os animais para dentro da arca antes do dilúvio, na narrativa bíblica.

Monastérios, esquetes ou até as celas, que também abrigam peregrinos, têm um singular sistema de reserva: elas devem ser feitas sempre por apenas uma noite. A ideia é que o peregrino pernoite uma vez em cada canto, a fim de enriquecer a própria experiência monasterial.

Entretanto, isso não está tão cravado na pedra: após a chegada, é possível pedir uma(s) noite(s) a mais. Há monges mais "moderninhos" que respondem e confirmam a reserva por e-mail, mas muitos preferem fazer tudo por fax e telefone — durante três horas no dia, é possível encontrar alguém do outro lado da linha; às vezes o viajante precisa rezar para que o responsável tenha carregado o celular, te atenda e fale um pouco de inglês.

No topo do Athos está a Capela de Transfiguração de Cristo, a 2.033 metros acima do nível do mar. O caminho não exige equipamentos de escalada, mas a peregrinação é dura: são cerca de cinco horas de caminhada a partir do esquete de Santa Ana. Sem paradas. E outras três, quatro horas para descer tudo outra vez.

"Vocês vão subir à noite, têm certeza?", perguntou-me o padre Dimitris, 72, responsável pelo esquete que serve de base para muitos peregrinos que vêm à península para isso. "À meia-noite chegaram dois peregrinos exaustos, que tocaram o sino e me acordaram, pedindo uma cama para dormir. Estavam voltando do Athos, quase sem ar", contou, enquanto deixava o portão aberto para nossa passagem, minha e do basco Asier Alzola, 51. Experiente em escaladas e esportes de aventura, foi ele quem me guiou no árduo caminho até o topo.

Foram intermináveis lances de escada no início e, sobretudo, trilhas passando por pedras soltas de calcário. O esforço mental contou mais que o físico, especialmente quando se olha para o alto e se vê o cume como algo bem longe do alcance.

"Minha curiosidade era conhecer uma terra e uma religião que se regem por ritos totalmente alheios para mim. São costumes que se perderam com o tempo", salientou Alzola, um católico não praticante como eu. Sempre fora tratado com respeito e atenção pelos monges, disse, mas não deixou de ponderar que "um território tão extenso só para homens é uma outra forma de discriminação contra as mulheres, ainda que não esteja baseada no ódio, mas na própria questão da tentação".

A tentação, ao menos para mim, era exigir o máximo do meu corpo, como nunca antes, gastar mais de 2.000 calorias em nove horas para chegar ao topo e fazer fotos aéreas e, por que não?, suscitar ao máximo a minha combalida espiritualidade. Já os monges preferem utilizar a palavra "sensação" quando sobem, a duras penas, o Athos. "A sensação é de tocar em Deus."

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