FÉ QUE SOBE MONTANHAS

Quem são os evangélicos que visitam morros abandonados no Rio para conversar com Deus

Fabiana Batista (reportagem e fotos) Colaboração para o TAB, do Rio Fabiana Batista/UOL

Um grupo de seis pessoas assiste a um culto em um templo sem paredes. A vista é panorâmica: do alto, veem-se as casas das comunidades do Irajá, bairro da zona norte do Rio. De minuto em minuto, levantam-se para dar aleluia. De um altar feito de concreto e púlpito de mesmo material, pintado com o nome "Jesus", uma mulher prega. Usa vestido e coque na cabeça, lê a Bíblia e orienta os fiéis a orarem pelas vítimas das chuvas.

Entre um conselho e outro, Vera Lúcia Santiago, 34, fala em línguas estranhas. No altar há mais de cem fotos, roupas, nomes escritos em um caderno e um sabonete.

A "Campanha dos Gigantes" acontece todas as sextas-feiras, há dois anos. Vera conversa e ora "por suas ovelhas". Há três anos, conta ter recebido um chamado divino para estar à frente de uma igreja dentro de sua casa e pregar nos montes.

Sua vida religiosa começou a partir do que considera um milagre. Depois de cinco anos tentando engravidar, Vera pediu ajuda a Deus. Hoje é mãe de uma menina de 13 anos.

A visita ao Monte Escada de Jacó começou há quatro anos, quando Vera frequentava a Assembleia de Deus de São Cristóvão. Logo de cara, sentiu o "coração ferver", como conta. Depois disso, não parou mais.

Em um sábado, subiu para orar sozinha. Fechou os olhos e, quando abriu, havia dez pessoas ao redor. Na semana seguinte, 20. Recebeu então, pela boca de um profeta — cristão a quem são revelados milagres —, a missão de fazer a campanha dos sabonetes. Os fiéis levam as barras para serem abençoadas e as usam depois no banho para purificação e milagres.

O "Escada de Jacó" ganhou esse nome há pouco tempo. É um morro colado ao metrô. Desde 2010, é frequentado por evangélicos de diferentes doutrinas e suas pedras são locais de oração, mas nem sempre foi assim. Antes, o local era tomado por um matagal e usado para desova de matadores de aluguel e traficantes. Os frequentadores contam que um grupo de moradores decidiu cortar o matagal e tirar o lixo acumulado, depois de não terem respostas do Estado para limpar o local. Não demorou muito e evangélicos começaram a frequentá-lo para orar. Eles o mantêm limpo.

O comércio rola solto ao redor dos montes. Patrícia Vasconcelos, 52, está ali para vender roupas, bolsas, sapatos e azeite com mirra, unguento usado para unção e cura, segundo relatos bíblicos.

Desde que se converteu, Patrícia usa saias longas e cabelo sempre preso. Para trabalhar, vai do Realengo a Irajá, cerca de 15 quilômetros, de segunda a sexta-feira. De ônibus, o trajeto leva quase 2 horas. Faz isso há pelo menos um ano.

Sua frequência no monte vem de mais tempo. Há 12 anos, seu ex-marido ajudou a construir o altar e pintar as pedras da trilha, depois que evangélicos transformaram o espaço em lugar de oração.

Foi ali que a comerciante descobriu seus dons de visão e de revelação. De cor, mas não tão bem decorado, cita um verso de Coríntios 12: "Há diversidades de dons, mas o Espírito é o mesmo [...] É dada a palavra da sabedoria, da ciência, da fé e dos dons de cura".

Quando olha para alguém, vê o futuro passar como um filme projetado. Tem quem volte para contar a bênção recebida. "Uma vez uma mulher voltou com um testemunho. Veio dizendo: 'A irmã me disse antes que me viu de mudança, e eu me mudei para um lugar melhor'", relembra.

Subir ao monte ou receber alguma bênção sobre uma montanha é uma cena frequente nas passagens bíblicas, mas a adoração em montes não está reservada apenas aos evangélicos. A ocupação da natureza e da mata também pode ser encontrada nas religiosidades afro, por exemplo.

Mas, segundo a narrativa, foi em um monte que o profeta Moisés recebeu os dez mandamentos. Jesus também subiu várias vezes ao Monte das Oliveiras para orar. Num episódio, passou a noite inteira ali e, quando desceu, escolheu os 12 homens que o acompanhariam na jornada.

A antropóloga Cristiane Candido ficou quatro anos estudando os religiosos que sobem montanhas. Saiu-se com uma dissertação de mestrado, "Orar no monte: prática religiosa na cidade do Rio de Janeiro". Para ela, que também já subiu matagais para orar, "a prática é orgânica e difícil de se demarcar temporalmente". De acordo com a pesquisadora, o pentecostalismo adotou o costume no fim do século 20 e é um dos responsáveis por difundi-lo Brasil afora.

Fiéis da Assembleia de Deus e vertentes da Igreja Metodista são os que mais aderem, mas o movimento é descolado de qualquer denominação evangélica. "É bem independente. A partir do momento em que o fiel descobre que tem liberdade para falar diretamente com Deus, passa a buscar suas próprias experiências religiosas", explica Cristiane.

Um dos lugares mais frequentados no Rio é o Monte Cardoso Fontes, em Jacarepaguá, localizado próximo ao hospital homônimo. Para subir é preciso muita disposição: além de escadas íngremes, as pedras e buracos são verdadeiros obstáculos.

Já na entrada, as pessoas se concentram em oração ou clamor. Algumas estão em grupos. Em um deles, um homem orienta duas pessoas. Noutro, uma voz feminina prevalece em canto. Também é um lugar de passagem. Ao entrarem, todos evocam o divino encostados na pedra e sobem as escadas em oração ou louvor. Uma mulher vestida com uma túnica azul segura nas mãos de uma jovem, sem mesmo a conhecer. "Tô fazendo o que o Papai mandou. Cura essa mulher, Senhor."

No Monte de Jacarepaguá, há mulheres de túnica. Uma delas é Leci Santana, 52. A cabeça está coberta com um tecido branco. Sentada em uma pedra, a diaconisa — cargo de quem cuida dos enfermos em algumas igrejas — está em silêncio há duas horas.

Há cinco anos, todos os dias, ela sobe as trilhas. Chega antes das 9h e sai depois das 14h. Chega em jejum, permanece nele. Sem uma igreja para frequentar, Leci conversa com quem a procura. Faz orações e dá conselhos. Não trabalha para ganhar o pão de cada dia; é sustentada por quem encontra pelo caminho. "Pessoas vêm até mim e pedem oração. Deus me mostra o que preciso fazer."

Com voz mansa, diz ser apenas um instrumento. De sua parte, "o Pai" a quer sozinha, nada de grupo. Às vezes, um ou outro a procura por semanas para pedir orientação espiritual. Assim que acontece uma cura, a diaconisa volta à solidão.

Quando vai embora, Leci parece respirar mais leve. Com a túnica de cetim cor-de-rosa e uma espécie de cajado na mão, desce como se tivesse cumprido mais uma missão.

A maioria dos frequentadores de montes se reúne em grupo, mas alguns se isolam. Ficam entre pedras e mato alto, escondidos para que ninguém os incomode. São pastores e líderes de igrejas em busca de fortalecimento para um culto; jovens em processo de libertação, ou diaconisas, como Leci.

Entre pedras e árvores gigantes, o pastor Sidnei de Oliveira, 30, ora às 11h da manhã pela família e pede forças para conduzir o culto da noite, em uma igreja da Assembleia de Deus de Jacarepaguá. Em pé, balança o corpo para frente e para trás com a Bíblia na mão. Vez ou outra, olha para cima.

Há cinco anos o jovem se converteu. Antes disso, era traficante nos morros cariocas. "Conheci o poder do diabo através das drogas e o que ele oferece à sociedade", conta à reportagem do TAB. Sidnei viveu entre drogas, mulheres e dinheiro por quinze anos, mas abandonou tudo quando, segundo ele, passou a receber "sinais do céu".

Primeiro, perdeu gente querida. Uma delas foi o tio, praticamente um pai para ele. Era a única pessoa que acreditava em sua redenção. Sem ele, viu-se sem chão. "Por que ele, se sou eu quem faço o mal?", perguntava-se.

Um dia, na praia de Copacabana, foi parado por um homem que queria lhe transmitir uma revelação. Riu da abordagem, mas ficou encasquetado. Não passou um mês e começou a frequentar uma igreja na Cidade de Deus — não sabe dizer qual denominação —, onde morava na época. Em pouco tempo, estava evangelizando em bocas de fumo.

Para os religiosos que sobem montes, o jejum também significa abdicar do que se gosta de fazer — pode ser até deixar de comer um doce. O ato ajudou Sidnei a se libertar da vontade de fumar e de "cobiçar mulheres". Hoje, ele não se alimenta da meia-noite às 12h, todos os dias.

No Monte das Oliveiras, em Campo Grande, Norma Souza, 82, ficou sem comer por três dias. Começou numa quarta-feira. Norma escalou uma pedra íngreme e alta e, com a filha, armou duas barracas. Passava as tardes pedindo ajuda a Deus. Às 18h, buscava na Bíblia um sinal. Nas madrugadas, orava em pé por horas. O propósito principal foi conseguir com que a neta, sequestrada pelo próprio pai, voltasse para a família. O monte é conhecido por ter sido ali o lugar de acampamento e prece do Cabo Daciolo, em 2018, no período da eleição presidencial.

No meio do matagal, uma tenda recebe oito pessoas. Em pé, em frente aos fiéis sentados em cadeiras de plástico, Luzia Pacheco Dias, 61, celebra um culto de consagração e fala sobre os desafios que Deus impõe. "Vivo aqui em estado de privação do conforto. Tudo para ter a benção do Senhor", diz ao pequeno público.

Comedida no tom de voz, pausa a fala quando duas fiéis a interrompem. Sua missão ali é acolher os que escalam a pedra e chegam até o topo. "Muitas vêm aqui apenas para conversar e pedir aconselhamento", conta.

Há nove anos, a mulher de saias longas e camisa de botão de manga comprida reveza a estadia em um barraco feito de madeira e lona com a casa da filha. Em um momento crítico da vida, morou no monte do Horebe, em Duque de Caxias, porque não tinha dinheiro para pagar aluguel. Às orações em Caxias ela atribui a cura de um câncer. "Quando o descobri, orei até ser curada."

Nem sempre foi evangélica. Converteu-se depois de passar pelo catolicismo e espiritismo. Já foi de duas igrejas diferentes e atualmente frequenta a Assembleia de Deus.

Parte significativa dos frequentadores que TAB encontrou foram mulheres negras, jovens e pessoas de meia-idade. Para estas, a igreja é a base de tudo, mas não tem coisa melhor do que encontrar Deus no matagal.

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