Régua da Civilidade
Assumir riscos no trânsito é algo tão arraigado à personalidade do brasileiro que supera o instinto humano mais forte, o de sobrevivência. Ninguém se considera em perigo quando ultrapassa em local proibido, anda de bicicleta na contramão ou atravessa fora da faixa de segurança.
Mas essas pessoas deveriam se preocupar - ao menos um pouco. Uma pesquisa da Polícia Rodoviária Federal constatou que 97% dos acidentes em rodovias são provocados por falha humana - vale frisar que nem sempre é possível identificar a causa. Na cidade de São Paulo, esse mesmo fator, segundo a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego), aparece em 98% dos registros com vítimas de acidentes fatais.
O massacre no asfalto é primordialmente consequência do desrespeito às normas de trânsito. Mas esse nível de imprudência não tem causa única, pois é também resultado da maneira como nossa sociedade foi formada: com aristocracia, privilégios, escravidão e machismo. Durante a Colônia e o Império, obedecer a qualquer regra era o comportamento esperado dos subalternos, não dos senhores.
Esse, digamos, "estilo de vida", vai contra a lógica das leis e equipamentos de trânsito comuns ao espaço público. O semáforo não abre mais rápido para um SUV blindado do que para Fusca enferrujado. O princípio de igualdade não deixa brecha para o "você sabe com quem está falando?". O choque da impessoalidade do trânsito dentro de uma sociedade personalista é, na opinião do antropólogo Roberto da Matta, a origem de toda essa agressividade e desobediência.