'ANTA' ENTRE JABUTIS

O momento de Omar Aziz, que começou no PCdoB, cria memes na CPI e se esquiva das suspeitas de corrupção

Angélica Santa Cruz Colaboração para TAB, de São Paulo Edilson Rodrigues/Agência Senado

No recesso parlamentar, os corredores do Congresso ficaram fantasmagóricos, mas na casa do condomínio em Manaus onde mora o senador Omar Aziz (PSD-AM), a quase 2 mil quilômetros de Brasília, a coisa pegou fogo.

A manhã de 22 de julho, por exemplo, se desenrolou em ritmo frenético. Naquela quinta-feira, sentado diante da tela de um computador, o político cuidava de seu recém-adquirido prestígio nacional ticando pelo Zoom os pedidos de entrevistas para sites, emissoras de TV e rádios de todo o país.

Nos intervalos, dedicava-se aos pormenores da política local, aquela que traz votos: ia rapidinho até uma antessala, ao lado do escritório, para falar com um grupo de 16 prefeitos, ex-prefeitos e lideranças amazonenses que baixara ali para discutir estratégias ou pedir ajuda para suas bases.

Entrava e saía gente. Os novos visitantes eram anunciados pelo latido fino de dois lulus da pomerânia. "Vem cá, bebê, vem! Esse é Kump, essa é Flanfy. Tem mais quatro desses cachorrinhos aqui. São seres sensíveis, que se aproximam quando você está sozinho", mostrou ele, colocando no colo dois exemplares da pequena matilha familiar.

Eis o lado doméstico de Omar José Abdel Aziz, 62, um dos personagens políticos da vez. Desde que foi eleito presidente da CPI da Covid por oito votos a três, em 27 de abril, o senador da República extrapolou seu raio de influência e caiu direto nas salas dos brasileiros.

Aparecendo para o público de casa como uma espécie de chefe de disciplina das sessões que duram oito horas por dia e já ouviram 34 pessoas, Aziz foi jogado em um campo de fama sem precedentes. À guisa de exemplo: em julho de 2020, foram feitas 657 consultas no Google Brasil sobre ele. Em junho foram 152.171.

Visto de perto, Omar Aziz está sempre de pé às 6h da manhã ("quem dorme muito vive pouco", defende) e acredita que tem um nível avançado de autoconhecimento — "sou um cara destemido. Mas quando tenho medo, tenho medo do meu medo e da minha reação", filosofa.

Quando pode, acompanha novelas. A primeira a que assistiu todinha foi a primeira versão de "Selva de Pedra" (1972), em preto e branco, com Francisco Cuoco e Regina Duarte. Emociona-se vendo filmes e tem xodó especial pela filha de 12 anos, fruto de seu casamento com a deputada estadual Nejmi Aziz (PSD). "É a minha Johara, nome que em árabe quer dizer joia rara. Essa daí me derruba, viu? É ela quem manda." Aziz fuma, mas jamais diante das câmeras, para não dar mau exemplo.

É daqueles homens públicos que respiram política o dia inteiro. Mesmo na hora de listar gostos, aproveita para cantar seu currículo na área. Quando conta que torce pela escola de samba Mocidade Independente de Aparecida, emenda: "já fui presidente. Eu que construí a quadra da escola".

Ao dizer que é torcedor do Boi Garantido, informa: "ajudei muito o Festival Folclórico de Parintins, eu que fiz o Bumbódromo. Levantei um espetáculo a céu aberto!" Quando explica que é louco por futebol, lembra: "já fui diretor de futebol do Nacional [time de Manaus]".

Os feitos foram realizados em algum ponto da imensa linha do tempo de cargos políticos de Aziz. Desde 1988, quando estreou como vereador, foi pulando de galho em galho até atingir as árvores mais altas da floresta — foi deputado estadual, vice-prefeito de Manaus, secretário estadual de Segurança Pública, vice-governador, governador do Amazonas e, desde 2014, é senador da República.

Aziz também associa obras a alguns dos episódios dramáticos de sua vida. Há 14 anos perdeu a filha mais velha, Mayara Redman Abdel Aziz. "Ela nasceu com um problema nos neurônios e passou 15 anos numa cama, até falecer. Prometi que, se um dia fosse governador, olharia para essas pessoas — e em 2011 fiz um programa que reformou casas para colocar equipamentos de acessibilidade", diz.

Filho de um mascate palestino que chegou ao Brasil com um passaporte da Jordânia e de uma dona de casa descendente de italianos do interior de São Paulo, o senador tem, de fato, uma biografia intensa.

O casamento entre o muçulmano Muhammad e a católica Delphina acabou se dando na Igreja Católica porque ele topou ser batizado e crismado. Em troca, ela embarcou numa vida nômade e incerta, sempre às voltas com dívidas de duplicatas vencidas.

Um ano depois de nascer na cidade de Garça (SP), Omar Aziz estreou na rotina itinerante em grande estilo: de mudança para Cacequi, no interior do Rio Grande do Sul, Delphina teve seu irmão, Ismael, dentro do trem, em um parto prematuro de sete meses. "Meu pai cortou o cordão umbilical ali mesmo, no vagão", conta.

Dois anos depois, a família mudou-se para Brasília e morou em uma casa sem energia elétrica na Asa Norte, onde nasceu mais um filho, Mansur. O senador se lembra de espiar, com a curiosidade das crianças, os tanques militares passando pelas avenidas da capital depois do golpe militar de 1964. Em 1966, a família fez um deslocamento mais radical e foi, a convite de um tio, morar no Peru — onde nasceu mais um irmão de Omar, Walid.

Em 31 de maio de 1970, o clã assistiu ao primeiro jogo da Copa do Mundo, URSS x México, no apartamento onde morava, na cidade de Chimbote. Quando a partida acabou, Omar Aziz desceu para jogar bola com o irmão. Os pais também saíram com os outros dois filhos. De repente, a terra começou a tremer.

O prédio inteiro onde a família morava desabou. O maior terremoto da história do Peru matou 67 mil pessoas, entre elas multidões de vizinhos e amigos da escola onde o senador fez todo o ensino fundamental. "Meu pai perdeu tudo o que construiu, em segundos", diz.

Em um avião enviado pelo governo do Brasil, Omar Aziz voltou com a mãe e os irmãos para uma temporada na casa dos avós, em Garça. O pai seguiu para a Venezuela, entrou no Brasil pela BR-174 e foi para Manaus, de olho nas oportunidades da Zona Franca. Fez negócios, começou a prosperar e, um ano depois, mandou buscar a família.

Fincou pé na cidade até que, em 1982, Ismael, o filho que nascera no trem a caminho de Cacequi, morreu em um acidente de moto. "Meu pai não chorava, ele urrava", conta. A família não aguentou permanecer na cidade e mudou-se para os Estados Unidos.

Omar Aziz, que já estava na faculdade de engenharia e envolvido na militância do PCdoB, resolveu ficar — chegou a ser monitorado pelo SNI (Serviço Nacional de Inteligência), que o identificava pelo codinome Palestino.

Ao longo dos anos, pulou fora do barco da esquerda. "Algumas coisas você vê e se decepciona. Eu via palestra do João Amazonas [líder do PCdoB, participou da Guerrilha do Araguaia] e minha referência era a Albânia, único país comunista do mundo. Aí, quando caiu o Muro [de Berlim], você via aquele povo desdentado, pobre..."

Hoje, o senador se define como integrante do centro. "Se eu tivesse que definir o estilo dele, seria o de um político daqueles dedicados, que trabalham o tempo inteiro", diz Gilberto Kassab, ex-ministro e ex-prefeito de São Paulo, que em 2011 arregimentou o senador para a criação do PSD (Partido Social Democrático) e ficou impressionado quando ele, logo de cara, levou para a legenda três deputados estaduais.

Em janeiro, a família Aziz viveu uma nova tragédia: Walid, o irmão que nasceu no Peru, morreu de covid-19, em Manaus. "Foi fulminante, rápido. Ele começou a se sentir mal, foi pro hospital e em dois dias foi intubado, com o pulmão completamente comprometido", diz Aziz.

A atuação de Omar Aziz na presidência da CPI da Covid tem um efeito político imenso. "Mas também não pode errar. Porque aí a queda é alta", lembra um cacique político que o conhece de longa data e prefere não se identificar.

A comissão parlamentar faz parte de um mundo de jogadas políticas que quase sempre escapam ao entendimento das pessoas comuns. É um ambiente para cobras criadas — com boataria, notícias plantadas, informações sigilosas, ritos internos, personagens escorregadios e, diante das câmeras, trocas de sopapos verbais.

Nesse último item, o senador vai se saindo ora duro demais e depois amansando, ora com ironias que fazem o gosto de plateia — e sempre botando na roda expressões amazônicas. Quando quis pressionar o policial militar Luiz Paulo Dominghetti a falar a verdade em seu depoimento, viralizou: "Chapéu de otário é marreta, irmão". Depois, virou meme de novo com a expressão "jabuti não sobe em árvore".

A exposição nacional também trouxe à tona duas pedras no sapato da carreira política do senador: em 2019, sua mulher, Nejmi Aziz (hoje deputada estadual, em vaga de suplente), e três irmãos foram presos temporariamente pela Polícia Federal, na operação Vertex.

Segundo os investigadores, a família estaria mais suja que acari-bodó em poço de lama — expressão local para quem comete malfeitos —, por suspeita de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa, em um esquema de desvio de recursos públicos na saúde do Estado.

"Não tem nada, zero, zero. Você vai ler o relatório, é supostamente isso, supostamente aquilo. O juiz não era o juiz da causa, tanto é que a Justiça reconheceu e mandou para outra vara federal. Estava naquele momento em que eles podiam tudo, né?", alega o senador, irritadíssimo. Por ter imunidade parlamentar, Omar Aziz não foi preso, mas chegou a ter o passaporte retido. O processo, com menção ao nome do senador, está na Justiça Federal do Amazonas e ainda não há decisão.

Em 2004, quando era vice-governador do Amazonas, Aziz chegou a ter seu nome incluído no relatório final da Comissão Parlamentar Mista contra a Violência e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Estava sendo acusado de ter feito um programa com uma garota de 15 anos. Mas, em uma votação tumultuada, acabou retirado da relação de indiciados por 8 votos a 7. Os senadores que votaram a favor da exclusão de seu nome alegaram que, na verdade, o suspeito do crime seria um dos irmãos de Omar Aziz.

O senador sempre negou as acusações. "Um dia antes do tal encontro e de a garota ter feito a acusação, recebi a notícia de que minha filha estava doente. Eu estava no hospital com ela, que faleceu duas semanas depois. Como eu poderia ter saído com a menina se estava no hospital?", disse ele depois da sessão. Na época, a relatora da CPI, a deputada Maria do Rosário (PT-RS), reconheceu o resultado, mas frisou: "eu acredito na vítima!". Procurada pelo TAB, ela não quis comentar o episódio: "A deputada não pretende falar do assunto, uma vez que Arthur Virgílio [na época senador pelo PSDB-AM] apresentou proposição de retirada do nome do então vice-governador e venceu a votação", disse sua assessoria.

O episódio de suspeita de corrupção dos Aziz e a menção na CMPI da Exploração Sexual são ventilados com frenesi nas redes sociais pela tropa bolsonarista. A última provocação veio do próprio presidente, em um bate-boca público que embolou para trocas de xingamentos inspirados na fauna brasileira. Bolsonaro acabou chamando o senador de "anta amazônica".

Em sua casa, diante dos olhares dos políticos e dos lulus da pomerânia, Aziz envia uma tréplica, cheia de detalhes horripilantes. "Sabe como a anta amazônica se defende em uma briga? Procurando no seu adversário, tanto no homem quanto em qualquer outro animal, o lugar que lhe tira a força: ela arranca os testículos do inimigo. É a primeira coisa que faz, porque tem uma força descomunal."

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