Ricardo nunca teve casa, mas já morou em muitos lugares. Hoje, vive dentro de viaduto. Ele se aninha sobre sacos pretos de lixo amontoados que fazem as vezes de colchão. Dorme embaixo do asfalto, entre a parede e um monte de terra.
O lugar é escuro mesmo de dia. Demora até o olho distinguir as formas. Quando a visão funciona, identifica vestígios da presença de Ricardo. Uma lata amassada de Brahma jogada num canto. A garrafa de 2 litros de Coca-Cola com água ao alcance da mão. Um saco de pão de hambúrguer.
Diferentemente da visão, o olfato não precisa de adaptação. Fareja imediatamente cheiro de fumaça. O fogo que afasta ratos e baratas escureceu os tijolos do interior e a parte externa da entrada do buraco. A passagem tem forma triangular e cerca de 1,5 metro de largura por 70 centímetros de altura — espaço suficiente para Ricardo sair com desenvoltura.
Ele sempre sai com a perna direita à frente, aterrissando o pé nos restos de fogo e em pinos de cocaína. Ricardo nem liga. Caminha na direção da maloca erguida 30 metros adiante, uma biqueira (ponto de venda de drogas) onde o chão é colorido por pinos.
Ricardo Estevão da Silva está na rua desde que se entende por gente. Abandonado ainda criança, passou a vida se drogando na zona leste de São Paulo. O buraco no viaduto do Tatuapé é mais um dos lugares de parada de sua vida.