ADULTO DE CHUPETA

Comunidades online de regressão infantil encontram conforto usando objetos como fralda, brinquedo e mamadeira

Letícia Simionato (texto) e Ricardo Matsukawa (fotos) Ricardo Matsukawa/UOL

Para lidar com sentimentos ruins e traumas, Laura Pini, 19, passa a agir como uma criança. Laura, que prefere ser identificado com o pronome masculino, realiza regressões infantis junto de um caregiver, Rodrigo*, amigo que conheceu pela internet e que assume a posição de cuidador e auxiliar.

A reportagem do TAB presenciou o episódio. Por uma chamada de vídeo, víamos Laura sobre a cama, de pernas cruzadas, usando um macacão jeans e uma tiara no cabelo. Na boca, revezava três mordedores infantis coloridos, emitia sons guturais e gargalhadas.

Minutos depois, apareceram na tela outros objetos que Laura ia garimpando, na ânsia de distração: mamadeira, urso de pelúcia, boneca, chocalho. Como um bebê, mexia as mãos de forma desengonçada e mantinha os olhos arregalados enquanto explorava os detalhes do que tocava.

Durante mais de uma hora, seu cuidador ficou pouco em silêncio. Mesmo distantes fisicamente -- Rodrigo mora no Rio; Laura, em Valinhos (SP) --, o caregiver de 18 anos agia como um pai orgulhoso que ri das traquinagens do filho e não pode desviar a atenção. "Cuidado para não se machucar"; "não bota o mordedor muito fundo senão vai passar mal"; "não pode colocar a boneca na boca, só o tetê". Laura soltava palavras indistinguíveis quando incentivado. "Consegue falar buraco?" -- "o caco". "Qual música está cantando?" -- "vilaéamo", o que Rodrigo traduziu como Vila Sésamo.

Os sinais de que estávamos diante de um adulto apareciam na destreza ao segurar os objetos; na tatuagem de Hello Kitty na mão de Laura, ou no piercing medusa no lábio superior, que brotava quando a chupeta escorregava.

A chamada chegou ao fim quando os bocejos se tornaram constantes. "Tem certeza de que não está com sono?", indagou Rodrigo, enquanto Laura balançava a cabeça negando, ao mesmo tempo em que deixava uma fralda de pano passear pelo rosto. Resistiu por pouco tempo. Logo dormiu.

Laura diz que quase sempre termina suas regressões com o caregiver o colocando para dormir — depois de um tempo, acorda e volta para a vida adulta.

Apesar disso, afirma que a maioria das regressões é involuntária. Freud explica (ou tenta explicar). A age regression (regressão de idade) é um mecanismo de defesa do ego que causa uma reversão temporária ou de longo prazo a um estágio anterior de desenvolvimento, fazendo com que a pessoa evite lidar com impulsos de maneira adulta. A questão toda é que, para Freud, esse processo se daria inconscientemente.

Laura trabalha com tatuagem e começou a regredir ainda no início da adolescência. Algumas de suas regressões são "impuras", ou seja, trazem uma sensação ruim e são acompanhadas de memórias de traumas. "Não é uma escolha para mim. Tem dias que me dá um pico de sentimento forte, não consigo lidar, aí regrido e tenho crise de birra igual criança."

A regressão também pode ser voluntária, com objetivos terapêuticos. Pensando nisso, Laura montou uma loja online de "conforto sensorial e regressão de idade", a Crayon Heart. Entre os produtos à venda estão prendedores de chupeta, babadores e cubos sensoriais. Com a ajuda da irmã, produz os "objetos de conforto", que estimulam a regressão nos praticantes.

Uma das clientes de Laura, Moon Queiroz, 21, é formada em pedagogia e é influencer no TikTok com mais de 119 mil seguidores. Ela gosta de definir a age regression como uma forma de meditação. "É um hobby, não é algo de que necessito", afirma. Segundo ela, não basta só usar chupeta ou mamadeira. "Quem regride entra numa mentalidade infantil."

Qual o sentimento após uma regressão pura? Para Sarah*, 27, que mora sozinha em Vitória (ES), o processo dá forças para se voltar à realidade. "Depois de sair do meu mundinho cor-de-rosa, fico recuperada", diz. Ela trabalha como desenvolvedora de TI e, desde a adolescência, suas ações foram descritas como "coisas de criança". "As filhas da vizinha vinham em casa, passávamos o dia brincando. Cantávamos Xuxa e víamos Barbie. Agora, elas estão maiores e não querem mais algumas coisas. Eu não queria crescer, chorava."

Tímida, é no conforto do lar que se sente à vontade para regredir.

Apesar de sempre preservar um lado infantil, Sarah não sabia o que era regressão até ver Moon no TikTok. "Eu me achava uma aberração. Vivia sem saber que existiam pessoas como eu." O namorado é um dos únicos que sabe das regressões. "Ele já fez uma cabaninha para mim, colocou até meus ursinhos de pelúcia."

Grande parte dos regressores infantis que visitam o canal de Moon se mantêm longe do ageplay -- prática fetichista mais frequente, de caráter sexual, em que há encenações nas quais um indivíduo se comporta ou trata outra pessoa como se tivesse outra idade.

Thiago Luis Ferreira, 22, é dos que se identificam com as duas práticas. Ele é empacotador em um supermercado e mora sozinho, em Itapira (SP). No tempo livre, fala sobre ageplay num canal no YouTube e, paralelamente, mantém uma rotina de regressão.

Logo cedo, depois de limpar a casa e fazer comida, assiste a desenhos infantis e gosta de desenhar, sempre com a chupeta na boca. "Depois do trabalho, boto uma fralda e durmo com meu ursinho, o 'fofuchinho',"

Os "littles" -- como são denominados os adeptos da regressão infantil -- têm se organizado em uma comunidade que está repercutindo no Brasil pelo TikTok e no Instagram.

Os termos usados pelos membros são em inglês: big age (idade adulta); little age (idade para qual regridem, que é definida a partir da observação de interesses, como o tipo de brincadeiras de que gostam); caregiver (cuidador); little (pessoa que regride); little space (espaço mental em que entram quando regridem). Moon diz que gostaria de "abrasileirar", mas é complicado, porque a comunidade norte-americana é bem consolidada.

A reportagem de TAB entrou em um dos ecossistemas da comunidade, um servidor com mais de 800 pessoas no Discord. É como um playground digital, com várias salas virtuais que permitem a interação entre os littles. Há membros entre 10 e 40 anos. A maioria é de adolescentes e eles não se identificam pelo nome. Geralmente, usam um apelido acompanhado das palavras "little" ou "baby".

Na sala de desenhos, os littles compartilham fotos das artes que fazem, como as que ficam penduradas nas paredes do jardim de infância. Também se reúnem em outras alas para regredir por chamada de voz, jogar Minecraft e Gartic, assistir a desenhos animados e cantar no karaokê.

O bate-papo está sempre ativo. "Agola eu tenho uma nova dedela de suquinho e uma bebeta". "É normal quando eu regredir preferir engatinhar do que andar?"; "Eu gosto de ouvir 'Galinha Pintadinha' volume 1, 2 e 3"; "Feliz porque minha mãe comprou meu sabonete de bebê". Só não pode falar palavrão.

Eles também frequentam escolinhas virtuais. Arthur Santiago, o Tio Thut, 20, é dono de uma delas. Atualmente, são mais de 80 alunos, com little ages de até 7 anos, que são divididos entre maternal e primário. De segunda a sexta-feira, Arthur passa uma atividade pelo Telegram e eles devem entregar à noite.

Na sexta, assistem a um filme juntos e fazem exercícios sobre ele. "Aprendemos que não existem pessoas perfeitas'', diz Tio Thut sobre o ensinamento que tiraram da animação "Ugly Dolls".

Nas redes sociais, acusações como "isto é doença", "é apologia à pedofilia", "quer chamar atenção'' são comuns. A família também pode não aceitar.

Thiago só se sentiu livre para regredir quando saiu da casa do pai e passou a morar sozinho. "Uma das primeiras coisas que fiz depois de sair de casa foi comprar uma chupeta e uma mamadeira da loja de R$ 1,99."

A psiquiatra Miriam Gorender, professora associada da UFBA (Universidade Federal da Bahia), afirma que a regressão não é uma prática validada como terapia, mas é inofensiva. "Eu não impediria que um paciente regredisse, desde que, caso ele precise, isso não o impeça de fazer um tratamento que a gente saiba que tem efeito."

Para ela, a regressão pode ser uma forma de estabelecer uma identidade e não deve ser ridicularizada. "É uma acusação injusta, por exemplo, associar à pedofilia, que só acontece quando há uma criança de verdade saciando o desejo de outro."

Além do preconceito, a comunidade busca combater os estereótipos de little: menina, branca, magra e delicada. O norte-americano Keith, 31 — conhecido na comunidade gringa como Kidd Monstar — está fora desse padrão. Ele disse, em entrevista ao TAB, que é julgado por ser homem. "Vejo comentários como 'regressão é fofo em mulheres, mas nos caras é nojento'."

Os littles sonham com um mundo onde a regressão seja "normalizada" e liberta de preconceitos. "Seria legal se a gente pudesse regredir num parque ou na praia", comenta Moon. Keith já está mais avançado nisso: ele regride em locais públicos sem medo. "Quando criança, eu sempre estava fora. Faço o mesmo agora."

* Alguns nomes foram trocados a pedido dos entrevistados

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