FÃ-CLUBE DE MATADOR

De Charles Manson ao Maníaco do Parque, como explicar a atração e a paixão de mulheres por serial killers

Rodrigo Bertolotto Do TAB

"Que bom receber uma carta tua, é sempre uma felicidade suprema... Que maravilha, é um banho de amor na minha alma!!! Te adoro menininho..." Assim começa uma das cartas da futura mulher de Francisco de Assis Pereira, enquanto ele era julgado por matar sete e estuprar outras nove mulheres no Parque do Estado, na zona sul de São Paulo.

Condenado a 285 anos de prisão e apelidado de "Maníaco do Parque", ele se casou meses depois com a autora da carta, uma gaúcha de 60 anos, pós-graduada em História. Só no primeiro mês de detenção, Pereira recebeu mil correspondências. Algumas dessas mensagens foram dela.

A união durou algumas visitas ao presídio de Itaí (SP), quando a idealização romântica deu lugar a mudanças bruscas de humor e atitudes violentas. Passados mais de 20 anos, ninguém escreve para ele, que ocupa seus dias no presídio fazendo crochê e tricô.

No mundo todo, vários matadores viraram celebridades, atraindo improváveis legiões de fãs. O caso mais célebre foi o de Charles Manson, cujos seguidores mataram nove pessoas, incluindo a atriz Sharon Tate, o que lhe rendeu fama mundial, em 1969. Mas terroristas também são admirados, como o norueguês Anders Breivik, que alvejou e matou 77 pessoas, ou o quirguistanês Dzhokhar Tsarnaev, que plantou bombas na maratona de Boston (EUA) e matou quatro.

Histórias sanguinárias, com violência sexual e crueldade, ganham atenção instantânea do público, da mídia e da indústria cultural. A maioria das pessoas se coloca no lugar das vítimas, retroalimentando a insegurança coletiva. Mas há uma fração que passa a admirar os autores a tal ponto de querer participar desse enredo. Por que centenas de mulheres se sentem atraídas e apaixonadas por criminosos brutais? Há tantas respostas para essa pergunta quanto para esta aqui: por que você está lendo esse texto?

MOÇAS DANIFICADAS

"Quanto mais violentos os crimes, mais elas romantizam. Não são loucas: são mulheres que vivem essa ilusão", conta o jornalista Gilmar Rodrigues, que fez mais de 80 entrevistas para escrever o livro-reportagem "Loucas de Amor" — boa parte delas com mulheres que se relacionaram com condenados por crimes sexuais. "Uns bebem, outros tomam remédio. Elas saem da rotina embarcando nessas esperanças alucinadas."

Ele ouviu mulheres de todas as classes sociais, graus de instrução e estados civis. Em comum, há uma projeção e uma identificação com a rejeição social e o isolamento do criminoso, que, por seu lado, sempre é do tipo sedutor, seja pela boa aparência ou por falar ou escrever bem.

Para a norte-americana Sheila Isenberg, autora de "Women Who Love Men Who Kill" (mulheres que amam homens que matam, em tradução livre), o perfil predominante é de "moças danificadas" por infâncias dolorosas e histórico de abusos. Segundo ela, a atração não é porque são violentos, mas por serem "homens que estão vivendo atrás das grades e não podem machucá-las".

Katherine Ramsland, professora de psicologia forense da Universidade DeSales (EUA), apontou como características das fãs baixa auto-estima, ausência de figura paterna, crença de que podem mudar o criminoso e "o namorado ideal, que está esperando por ela, pensando nela o tempo todo". Leon F. Seltzer explica o fenômeno pelo ponto de vista da Evolução: esses assassinos seriam como incorporações dos homens dominantes e agressivos que as mulheres das cavernas, em teoria, buscavam para procriar.

"Essas explicações são muito simplistas. Só porque não foi criada pelo pai, a pessoa não vai se apaixonar por um matador psicopata", retruca Maria de Fátima Franco dos Santos, professora de psicologia forense da PUC de Campinas. "A admiração, no fundo, é desejo reprimido e projetado em alguém que materializou isso", argumenta a psicóloga, que trabalhou 17 anos em presídios.

Por enquanto, nossos beijos são assim. Mas quero te beijar de verdade. Acho que tens saudades. Eu te amo, te amo, te amo etc. Te desejo, te quero de corpo e alma. E me perdoe por tudo que estou sofrendo...

Carta de admiradora para criminoso descrita em 'Loucas de Amor', de Gilmar Rodrigues

PAIXÃO ASSASSINA

No microcosmo penitenciário, as convenções morais fazem contorcionismo. A norte-americana Veronica Compton, atriz e aspirante a escritora, enviou o roteiro de um filme sobre uma serial killer para que um autêntico assassino desse sua opinião. Kenneth Bianchi recebeu Veronica na prisão, e dali surgiu um relacionamento. Ele a convenceu a cometer um crime para que a polícia pensasse que o assassino continuava à solta. Copiando o estilo do namorado, ela tentou estrangular uma garota de 26 anos, mas a vítima conseguiu escapar e denunciá-la.

Com ambos presos, a paixão se tornou perecível. Veronica passou a namorar Douglas Daniel Clark, preso por decapitar sete mulheres. Já Kenneth, após três anos de trocas de mensagens amorosas, casou-se com Shirlee Joyce Book, uma groupie do crime que já tinha tentado se envolver com Ted Bundy, o mais famoso serial killer dos EUA.

Para Santos, os serial killers usam essas pessoas para conseguir comida e roupa ou algum favor fora da cadeia. Quando há paixão, dura pouco. A maior parte do tempo é por puro interesse. "Pessoas que torturam, estupram e matam várias pessoas não ligam muito para o que os outros sentem."

O fanatismo político funciona de forma parecida, segundo Santos. "O político pode falar qualquer grosseria ou fazer qualquer barbaridade, sem remorsos, que sempre haverá uma explicação para quem é leal a ele."

Depois que chego em casa, queria você de corpo e alma, te amando. Te quero de qualquer jeito. Eu te amo do fundo do meu coração. Não perca a esperança, acredite em Deus, porque algum dia a gente vai se encontrar. Sei de seu comportamento doentio, por isso quero que fique calmo?

Trecho de carta endereçada para o Maníaco do Parque, no livro 'Loucas de Amor'

ELOGIOS E CARINHO

Marcos Antunes Trigueiro manteve-se casado mesmo após ser preso e condenado por estuprar e estrangular cinco mulheres em Minas Gerais. Segundo seu advogado, Rodrigo Bizzotto, sua mulher, uma cabeleireira de Contagem (MG), não considera os crimes como traição e segue visitando semanalmente seu marido desde 2010. Contudo, por ciúmes, ela proibiu terminantemente que chegassem a ele as centenas de cartas de fãs.

Depois de matar mais de 30 mulheres, Thiago Henrique Gomes da Rocha chamou a atenção durante a prisão e o julgamento por ser muito fotogênico, recebendo centenas de mensagens de "compreensão e elogios" por parte de mulheres que queriam conhecê-lo. No Brasil, presos só podem ser visitados por mulheres que, comprovadamente, tinham um relacionamento com eles antes da detenção. Uma exceção é se ele conseguir se casar atrás das grades, como fez Francisco de Assis Pereira.

Foi o que Thiago tentou ao trocar correspondências com Jéssica Alves dos Santos, presa por latrocínio. Ele se interessou após vê-la pela TV em uma reportagem sobre um concurso de beleza de detentas, Miss Liberdade. O casamento não foi permitido pelas autoridades. O revelador é que Jéssica, morena de cabelos compridos, tem o mesmo tipo físico das vítimas de Thiago e da mãe que o abandonou quando era criança.

Quanto as peruas te chateiam, não fala mais destas burronaldas, eu tô pouco me lixando para elas. Que vão pro inferninho delas!!!! Não precisas me dizer nada, eu confio cegamente irrestritamente em ti...

Carta de fã se referindo às sobreviventes do caso Maníaco do Parque e seus depoimentos, durante o julgamento

AMOR, ESTRANHO AMOR

As cartas são na maioria das vezes o único meio de comunicação dos presos. Na pandemia, possibilitou-se a comunicação virtual. Por seu lado, o sistema penitenciário reserva o direito de poder ler o conteúdo, se achar que há algum risco.

Como a cultura do estrelato mudou nas últimas décadas, as redes sociais substituíram as cartas entre fãs e ídolos, incluindo aí os criminosos. O atirador James Holmes - que matou 12 pessoas em um cinema do Colorado (EUA), em 2015 - foi chamado de "fofo" e "sensual" em posts no Twitter.

Dzhokhar Tsarnaev foi capa da revista Rolling Stone após espalhar explosivos na maratona de Boston. A foto com pose de galã juvenil de TV, olhar perdido e cabelo no rosto fez mulheres postarem comentários como quero te encontrar um dia" e "você é inocente até provarem o contrário".

A glamourização dos criminosos é uma crítica recorrente do frenesi midiático que começa com a cobertura jornalística e segue com os produtos de entretenimento. Um caso clássico é o de Ted Bundy, que estuprou e matou mais de 30 mulheres nos EUA na década de 1970. Ele chegou a receber mais de 200 cartas de fãs por dia e se casou com uma delas quando já estava condenado à morte. Sua história rendeu vários longas e séries de TV, além de um filme com Zac Efron em seu papel.

Há propostas para não se divulgar, nas reportagens, os nomes e as histórias dos criminosos — até porque a fama posterior motiva alguns desses atos. Nos produtos de entretenimento se cobra que as vítimas tenham tanto ou mais espaço que os réus.

LOUCURA E MORTE

A dimensão humana abarca também o anormal e suas múltiplas possibilidades. Sentir atração e se apaixonar por alguém que pode te trucidar já tem até uma classificação: hibristofilia. O termo, mais usado por criminologistas, une duas palavras de origem grega: hubris (desmedida) e philia (amor).

A pesquisa mais documentada sobre o assunto foi feita pelo criminologista Philippe Densimon, na Universidade de Montreal (Canadá). Ele analisou 300 casos de funcionários prisionais dos EUA que se envolveram com detentos e acabaram demitidos. As trabalhadoras mulheres estiveram em 70% dos casos.

Se os psicopatas se aproveitam das fãs, o contrário também é verdadeiro. Charles Manson cancelou seu casamento com uma fã de 26 anos após descobrir dos planos dela de embalsamar seu corpo para exibição pública. Após sua morte em 2017, quando morreu aos 83 anos por causas naturais, o defunto foi disputado por mais três fãs, além dela, mas coube a um neto dele o direito. Ele incinerou o avô e jogou as cinzas em lugar desconhecido para evitar um lugar de culto.

Rodrigues lembra que, na apuração de seu livro, teve muita dificuldade — e não entrevistou o Maníaco do Parque entre um pedido de "cachê" e vários entraves burocráticos. Mas ele teve acesso às cartas indo à casa da mãe do criminoso, que prontamente as mostrou. Por lá, leu esses textos que misturam tons amorosos, sexuais, maternais, redencionistas e religiosos. Elas acreditam no poder regenerador de seus afetos. O problema é que a psicopatia não tem recuperação nem cura.

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