Mais de 70 anos depois do auge da Shindo Renmei, a história ainda causa mal-estar. "Os que não participaram têm vergonha de quem fez isso; os que participaram têm vergonha de terem feito", diz Jorge.
Nem tanto. Ainda há quem questione o que foi a Shindo Renmei, passando um pano no passado.
Neto de Jinsaku Wakiyama (1871-1946), coronel do Exército Imperial do Japão, um dos fundadores da Shindo Renmei, Yoshio Kiyono, 87, diz que a liga era "nobre". Yoshio conta que cresceu num sítio em Bastos, em uma casa com rádio e lamparina, porcos, pomares de mexerica e limão, plantações de milho e algodão. Lembra que o avô dizia que ele era forte e que seria soldado, ninando-o com música militar.
Yoshio se tornou militar, de fato. Fez a Academia Militar das Agulhas Negras e tornou-se coronel do Exército brasileiro. Diz que, na ditadura militar (1964-1985), atuou contra o "terrorismo", inclusive como infiltrado, quando teria encontrado o guerrilheiro Carlos Lamarca (1937-1971) certa vez. Amigos da época apelidaram-lhe de "alemão", porque "era Caxias" contra o comunismo: "Se Lamarca é radical, sou ultrarradical".
Jinsaku, segundo o Dops, foi assassinado pela própria Shindo Renmei. Mais especificamente, por quatro "tokkotai", assassinos do "pelotão" organizado por Kamegoro Ogasawara, tintureiro radical que vivia na Vila Mariana, zona sul de São Paulo. Yoshio, entretanto, considera que os "tokkotai" não eram nobres, mas criminosos comuns. A memória parece falhar ao comentar o assassinato do avô.
"Tal qual me lembro", dizem os kanjis no diário de Suemitsu Miyamura (1914-1995), diretor da revista Hikari, editada por vitoristas. No diário, escreveu, em agosto de 1945: "Grande vitória! A cada momento está sendo repercutida para o mundo a tão esperada vitória do nosso império japonês". O autor não devia saber, mas dias antes foram lançadas as bombas contra Hiroshima e Nagasaki.
Ao ler o trecho do diário do pai, o engenheiro paulista Hidemitsu Miyamura, 79, viu "um texto tão absurdo que chega a ser inacreditável de tão desapontador". Só na casa dos 25 leu o material pela primeira vez. Datilografou os diversos volumes, e muitos deles lhe inspiraram crônicas que publicou no jornal São Paulo Shimbun.
Mas Hidemitsu considera a Shindo Renmei "um acidente de percurso explorado pela excentricidade": "O mal que 'Corações Sujos' fez...", diz, sobre o livro de Fernando Morais. Segundo ele, jovens nikkeis não ouviram "a realidade" pois seus pais não contaram "direito" o que foi a liga. "Não era uma organização para o mal, era para implementar o espírito japonês. Tem um lado positivo nisso", relativiza ele, que também cita Tokuichi Hidaka, um dos autores do assassinato do coronel Jinsaku Wakiyama, como "um estudante puro".
Hidaka foi condenado pelo crime e passou dez anos num presídio na Ilha Anchieta (SP). Saiu em 1957. "Lamento o que aconteceu, mas não fiz por motivo pessoal, foi por amor à pátria", declarou em 2011, aos 87 anos. Procurado pela Rádio Escafandro, ele não quis dar entrevista.