Faça o seu tempo

Afinal, um ano não acaba nunca ou passa rápido demais? Depende de você

Enquanto 2016 não termina, muitos discutem se este é um ano sem fim: o mantra “acaba, 2016” acompanha piadas na internet, notícias ruins e faz eco da fila do banco à festinha escolar. O tom da conversa é de que este foi um ano difícil, com mortes de ícones, acidentes trágicos, caos político, crise humanitária, dificuldade econômica e ataques terroristas – tudo amplificado pelas redes sociais. Quem dá like em 2016 logo assume o risco de criar polêmica.

Por outro lado, esses mesmos entusiastas de um ano intenso se surpreendem ao perceber que “já” é dezembro e que estão novamente envolvidos na correria natalina. Um spoiler: essas sensações aparentemente contraditórias, possivelmente vividas antes, devem se repetir em 2017. Sendo assim, tem um tempinho para falar sobre percepção do tempo?

QUANTO DURA?

PERCEPÇÃO É TUDO

A forma como você sente (ou não) a passagem do tempo pode estar descolada daquilo que mostram relógio e calendário – a Teoria da Relatividade de Albert Einstein descarta o tempo absoluto, sendo esta uma medida que depende de onde a pessoa está e a forma como se move. Mas aqui estamos olhando para dentro e, por isso, essa medição de ritmo fica a cargo do cérebro. É ele que funciona como relógio interno, contando pulsos que causam a sensação de algo ser mais ou menos demorado. O ritmo individual de uma sequência temporal está ligado à complexidade dos processos mentais e às emoções do momento que, paralelamente, também pode ser indicado por medidores externos - quando se trata de 2016, estamos falando de 8.784 horas, 366 dias ou 52 semanas.

“A percepção do tempo depende do que fazemos com ele. Quanto mais o preenchemos e dedicamos nossa atenção, mais rápido parece passar, enquanto o oposto acontece no caso de ócio. Novidades e alertas causam a impressão de aceleração do tempo [mais rápido] por uma questão de sobrevivência. Precisamos estar atentos a elas”, explica o fisiologista Mario Miguel, coordenador do Laboratório de Neurobiologia e Ritmicidade Biológica do Departamento de Fisiologia da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte).

Já os exemplos negativos de 2016 podem ativar nossos sistemas de defesa, “estendendo” o tempo. Daí talvez tanta força no mantra “acaba, 2016” (ou 2008, 2012, 2018...). A questão é que um mesmo período, neste caso composto por 12 meses, pode mesclar diversas percepções: expectativa e novidades típicas do começo do ano versus a repetição e processos já bem conhecidos do final.

TEMPO FELIZ

Por mais que a percepção de tempo seja subjetiva, seus efeitos são palpáveis: dela também depende a sua qualidade de vida.

O livro “Felt Time: The Psychology of How We Perceive Time” (Tempo Sentido: A Psicologia de Como Percebemos o Tempo, em tradução livre para o português), do psicólogo Marc Wittmann, defende que a forma como lidamos com o tempo cria diferentes perspectivas de nossos sentimentos, memórias, felicidade, linguagem, conquistas, individualidade, consciência, estresse, doenças mentais e capacidade de aproveitar o presente. Em "The Time Paradox" (O Paradoxo do Tempo), o psicólogo Philip Zimbardo define o tempo como uma das mais poderosas influências sobre nossos pensamentos, sentimentos e ações, apesar de estarmos desatentos a seu impacto em nossas vidas.

Mario Miguel dá exemplos práticos, ressaltando que as perturbações nos ritmos internos – causadas por estresse e privação de sono, por exemplo – podem trazer prejuízos em curto e longo prazo. Desde a variação de humor, que atrapalha relações interpessoais, à dificuldade em calcular o intervalo entre os carros ao atravessar a rua. Em laboratório, ele conta, indivíduos com privação de sono estimam espaços de dez segundos como sendo mais longos – seu “relógio” registra os pulsos mais lentamente. Por outro lado, o aumento da temperatura corporal - algo normal no fim de tarde - nesse mesmo tipo de teste faz com que o ritmo dos pulsos suba, acelerando a percepção daqueles dez segundos.

Christian Dunker, psicanalista e professor do Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo), faz uma relação direta entre os tipos de sofrimento e o tempo: aquele que não passa para o depressivo, o rápido demais para o ansioso, o infinito da angústia para quem sofre de pânico, a uniformidade temporal do paranoico. “A qualidade de vida não está na posse de bens ou pessoas, mas na experiência do tempo com eles. Reforçamos isso quando contamos até dez, quando nos damos uma pausa para respirar, quando criamos intervalos, parênteses e cafezinhos para nos reposicionarmos no tempo. Encontrar uma melhor qualidade de vida é superar esta máxima de que o tempo útil é o tempo produtivo e reversível em obras ou feitos. O que vale é o tempo próprio de cada um e de cada experiência”, afirma.

HORA DO FILTRO

Voltemos a 2016 – afinal, é bem provável que você também considere este um ano infinito. Muitos dos acontecimentos durante o período chegaram até você em meio a uma enxurrada de informações e estímulos, que são percebidos pelo cérebro como sendo realidade (independentemente de ser uma vivência ou uma imagem na tela). Para Dunker, esse excesso reduz nossa percepção para diferenciar ou qualificar aquilo que nos é apresentado, exigindo oscilações cada vez maiores para registrar algo como sendo novo ou interessante. “Isso altera profundamente nossa percepção do tempo, que depende da diferença, do intervalo e da intensidade de contraste entre os termos. Uma série de eventos espetaculares torna cada evento menos espetacular”, define. 

Isso fica claro em um estudo do neurocientista norte-americano David Eagleman. Na década passada, ele apresentou a voluntários diversas imagens durante o mesmo intervalo de poucos segundos cada. Quando um despertador aparecia depois de uma sequência de sapatos, as pessoas tinham a impressão de que o objeto diferente (despertador) era exibido por mais tempo, o que não era verdade. Isso porque a atenção dada à novidade alterava o funcionamento cerebral a ponto de o espectador perceber um mesmo intervalo de maneiras diferentes. 

Diante de tantos estímulos, Dunker descreve um cansaço em tomar decisões (até atividades prazerosas, como onde comer ou passar as férias, podem virar um tormento). Uma válvula de escape para essa fadiga, aquele momento em que literalmente queremos dar um tempo, acabam sendo as redes sociais – e essa ideia só não é contraditória porque a oferta de conteúdo desse meio geralmente não exige reflexão. Para o psicanalista, esse mesmo mecanismo explica o sucesso das séries de TV, que mudam apenas detalhes em fórmulas já conhecidas.

ESPAÇO E TEMPO

Nossa constante presença online reforça a ideia de Einstein que espaço e tempo se relacionam. E, com os avanços da tecnologia, esse princípio avança continuamente a um outro patamar, e de uma outra forma. Antes, a distância poderia exigir de você muito mais tempo - e dinheiro - para esperar e falar o quanto desejasse com alguém a milhares de quilômetros ou então acompanhar, ao vivo, um acontecimento em outro continente. A era digital mudou isso, mas não sem trazer, entre tantos benefícios, alguns riscos.

“Tempo e distância sempre foram nossos limites mais fundamentados, mas a tecnologia cada vez mais os flexibiliza. As novas gerações, criadas na multilocalidade e instantaneidade da comunicação, são um experimento radical de resultado imprevisível”, explica Sidarta Ribeiro, neurocientista e diretor do Instituto do Cérebro da UFRN.

“Um dos perigos distópicos à nossa frente é a desconexão entre cérebro e corpo. Não é difícil imaginar um futuro gamificado de adultos obesos trancados em apartamentos permanentemente imersos na realidade virtual”, continua Ribeiro. Por outro lado, ele ressalta que as novas tecnologias nos ajudam a conhecer melhor nossas capacidades mentais, o que nos permite treinar habilidades que têm paralelo na ioga e em outros sistemas milenares de autoconhecimento.

Se a ideia distópica de o virtual substituir o real assusta, talvez você seja orientado para o futuro. Pessoas com essa personalidade tendem a sacrificar o presente caso vislumbrem alguma recompensa adiante. É aquele que troca a festa pelo estudo, não bebe álcool antes de uma apresentação importante, deixa de comer doces para usar a calça hoje apertada, evita gastar dinheiro pensando nas próximas férias. Esse tipo de relação com o tempo ficou bastante evidente em um experimento envolvendo crianças e marshmallow (veja abaixo).

Já a turma do presente tende a ser mais impulsiva, pensando mais na satisfação momentânea, enquanto os perfis mais apegados ao passado tendem a reviver, claro, o que passou (algo que sempre vem atrelado à carga emocional das lembranças). O ideal é buscar uma mistura que traga o lado positivo do passado (conhecimento sobre raízes, família, identidade), energia para curtir o presente e a motivação para atingir objetivos futuros. Pois é: assim como resistir aos marshmallows do estudo, ninguém disse que encontrar o equilíbrio seria fácil...

FORÇA DA MEMÓRIA

Quando falamos de percepção, a memória exerce papel fundamental – considere que seu passado é basicamente composto por elas. E, aqui, a idade importa: a sensação é de que a velocidade aumenta conforme envelhecemos. Sidarta Ribeiro explica esse efeito comparando um dia na vida de um recém-nascido com o mesmo período para um idoso: enquanto o bebê experimentará uma série de novidades na quase totalidade de sua existência, o ancião dificilmente se espantará com algo naquelas mesmas 24 horas. A brevidade na vida dos mais novos faz de suas experiências mais marcantes e aparentemente mais longas.

Seguindo essa lógica, a psicóloga britânica Claudia Hammond, autora do livro “Time Warped: Unlocking the Mysteries of Time Perception” (Tempo Irregular: Descobrindo os Mistérios da Percepção do Tempo, em tradução livre), aconselha: para fazer o tempo parecer mais longo, crie novas memórias. Vá a lugares onde nunca foi, pegue um caminho diferente para ir ao trabalho. Assim, quando se lembrar desses momentos, eles parecerão mais extensos do que outros - aparentemente mais curtos e que, devido à insignificância, podem ser esquecidos.

Fuso horário

Além do aspecto pessoal, a maneira que uma sociedade lida com o tempo diz muito sobre sua cultura. É disso que trata o livro “A Geography Of Time: The Temporal Misadventures of a Social Psychologist” (Geografia do Tempo: as Desventuras de um Psicólogo Social”, em tradução livre), que teve origem quando o autor Robert Levine trabalhou como professor visitante na Universidade Federal Fluminense, nos anos 70. Na ocasião, o norte-americano esperava surpresas, mas nada tão impactante como a noção de pontualidade dos brasileiros. “Uma dose de choque cultural que eu não desejaria a um inimigo”, definiu.

Ele relata a falta de precisão dos relógios (que frequentemente exibiam a hora errada, estivessem nas ruas, nos pulsos ou nas paredes de escritório), o atraso dos alunos (às vezes mais da metade da aula) e a surpresa quando eles continuavam em sala, alheios ao fim do período, fazendo perguntas ou conversando (nos EUA, compara, o ato de guardar o material e deixar este espaço era tão preciso quanto o relógio). Fascinado por essas diferenças, Levine e sua equipe realizaram depois uma pesquisa em 31 países para identificar a velocidade dessas nações: o ritmo de caminhada dos habitantes, a duração de um atendimento nos correios e a precisão dos relógios de rua funcionaram como indicadores para o livro.

Independentemente do país, a essa altura é possível que muitos nessas diferentes nações também estejam ansiosos para encerrar 2016 e recomeçar os novos ciclos em 2017. Aliás, já é meia-noite na Austrália?

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