UM JOVEM DE 93 ANOS

Tony Tornado celebra 80 anos de carreira fazendo novela e show lotado em SP

Luiza Sahd (texto) e André Porto (fotos) Colaboração para o TAB, de São Paulo

Faltavam poucos minutos para as 20h quando o burburinho na Blue Note, pomposa casa de shows da avenida Paulista, começou a cessar na noite de 15 de setembro. Circulando entre um público majoritariamente branco e de meia-idade, destacava-se a figura assombrosamente vigorosa de Tony Tornado, 93.

Antes de entrar no camarim, Tornado ia perguntando do que cada colega precisava. Tratava todos os homens por "don", um macete que aprendeu no México para não precisar decorar o nome de ninguém. "Tudo pronto, don?", dizia, enquanto apertava um dos músicos num meio abraço, meio aperto de mão.

Mais tarde, ficaria claro que o truque nada tem a ver com falta de memória. Tony detalha as passagens de uma vida de tirar o fôlego enumerando nomes, datas e fatos com uma habilidade de fazer inveja.

Outro homem imponente, na altura e no carisma, se preparava para subir ao palco: Lincoln Tornado, 38, o caçula dos quatro filhos de Tony que ganhou o sobrenome artístico do pai no cartório e tudo — e que, sob os holofotes, faz lembrar o Tornado que venceu a fase brasileira do 5º Festival Internacional da Canção, em 1970, com o hit "BR-3".

'A gente corre na BR-3'

Tony conversa e canta no show com a banda Funkessência. Naquela noite, transformou o que prometia ser um show morno, com público sentado, em uma festa.

A certa altura, não tinha clima para pedir cerveja: a equipe do bar se abraçava cantarolando "Azul da Cor do Mar", enquanto Tony relembrava os quatro anos em que morou no Harlem, em Nova York (EUA), trabalhando como cafetão e, eventualmente, transportando drogas. No auge daquela vida louca, Tony liberou do xadrez um brasileiro que se encrencou com a polícia americana. Era Tim Maia.

Apesar do contraste entre o que fazia a cabeça de um e outro, já que Tony nunca bebeu, fumou ou ficou doidão, a amizade da dupla durou até o último dia da vida de Tim. Em março de 1998, Tony estava no show de Niterói (RJ) em que o amigo teve um mal súbito e precisou interromper a apresentação ainda na primeira música, morrendo poucos dias depois, aos 55 anos.

Depois de arrancar risos e choro da plateia falando de Tim e das anedotas de uma vida de aventuras, Tony parou para descansar vez ou outra no fundo do palco.

Para fechar o espetáculo, puxou o coro de "BR-3", canção que lhe trouxe tanto glória quanto dor. Na ditadura, a letra fora associada a uma analogia sobre drogas injetáveis, e não havia quem se conformasse com a interpretação literal de "A gente corre/ na BR-3/ E a gente morre/ Na BR-3".

Ritmo de festa

Mirante do Paranapanema (SP) ainda nem era município em 26 de maio de 1930, quando Antônio Viana Gomes veio ao mundo.

A família toda trabalhava no campo da Fazenda Oliveira. Aos 12 anos, depois de cogitar fugir de casa com o circo, o menino resolveu abrir o jogo: o roçado não era a dele. Ele então encheu o bornal com rapadura e carne seca e foi para Marília (SP), onde uma família lhe deu teto em troca do trabalho de entregas em um armazém.

Aos 14, foi morar nas ruas do Rio de Janeiro vendendo bala e engraxando sapatos nas imediações da Central do Brasil. Um dia, cansado de correr da polícia, foi até a delegacia no subterrâneo da estação e pediu que lhe ajudassem a tomar um rumo.

Desconcertado, o delegado enviou o garoto à Escola Agrícola de Rio das Flores (RJ), o colégio interno onde ele permaneceu até 1948, quando passou um ano "encostado" no quartel até ter idade suficiente para virar paraquedista voluntário do Exército.

Lá, fez amizade com o cabo Abravanel, o militar pra lá de empreendedor que inaugurou a cantina da escola de paraquedismo. Anos depois, o colega ficaria conhecido nacionalmente como Silvio Santos.

Tempos de 'Comfort'

Antônio passou um ano "tomando conta" do Canal de Suez, no Egito, ainda servindo no Exército. Depois, inspirado no rei do twist Chubby Checker, partiu para outro ramo: sob o nome artístico Toni Checker, uniu-se ao Grupo Folclórico Brasiliana, passando por países como Rússia e Angola, até chegar em Nova York e fugir do grupo pra ficar por lá mesmo.

Durante os quatro anos que passou no Harlem, Tony ficou conhecido como "Comfort". Se a turma da imigração passava, ele vestia um uniforme e lavava carros. A farsa durou até que um policial perguntou: "Senhor Antônio Viana Gomes?" — Tony não ouvia esse nome havia quase 10 anos. O oficial acrescentou: "Vá andando e não faça escândalo".

Dedurado sabe-se lá por quem, Tony desembarcou no Brasil ostentando seus brincos, correntes e cabelos black power pink enquanto reparava que os negros daqui andavam alisando as madeixas.

Tony conta que "abrasileirou" a música e a dança que aprendeu nos EUA por uma mistura de amor à arte e orgulho de ser preto. "Não sou uma contestação de nada. Sou uma afirmação", resume, a respeito de sua militância.

Nos anos 1970, assumiu o nome artístico Tony Tornado. Mariozinho Rocha, ex-diretor musical da Globo, o chamou assim ao vê-lo dançar.

'Black is beautiful'

Depois de se sentir a "zebra" que venceu o Festival Internacional da Canção ao lado do Trio Ternura, Tony ainda virou notícia na edição seguinte do concurso.

Ao ouvir Elis Regina entoar os versos de "Black is Beautiful" (diz a música: "Hoje cedo, na Rua do Ouvidor/ Quantos brancos horríveis eu vi/ Eu quero um homem de cor/ Um deus negro do Congo ou daqui"), Tony pensou: "Sou eu!", e se animou a subir no palco fazendo o gesto Black Power, de punhos erguidos e cerrados. Foi arrastado pela polícia enquanto Elis suplicava, em vão, que o largassem.

Foi a própria Elis Regina quem tirou Tony da cadeia depois do incidente, mas nem por isso a vida ficou mais tranquila. Acusado de "querer impetrar o movimento negro no Brasil", foi acordado um dia pela polícia chutando a porta da sua casa no Rio e levado pro Galeão.

Desembarcou no Uruguai, depois foi mandado para a Checoslováquia. Teve esperança de ser despachado para um lugar tipo Paris, mas diz que acabou indo parar na Coreia do Norte. "Tem coisa que é melhor nem lembrar", desconversa.

É tudo verdade

Vez ou outra, a sequência alucinante de fatos caóticos na biografia de Tony Tornado inspira um "não é possível!".

Mas é verdade: ele, por exemplo, ajudou o amigo Serguei a carregar ninguém menos que Janis Joplin nos braços (e dar um banho gelado na cantora, que teria falhado miseravelmente em fazer um detox das drogas durante uma temporada em Copacabana nos anos 1970); também já foi segurança pessoal do rei Roberto Carlos, a quem descreve como um cara simples, "gente como a gente".

Tony gravou quatro discos (dois solo) e participou de mais de 30 filmes e 40 projetos de TV. Aos 93, também fez a novela "Amor Perfeito", da Globo, no ar até o dia 22 de setembro.

Foi só quando terminou o show na Blue Note que Tony começou a parecer, enfim, um senhor. Conversou com o TAB com extrema simpatia, mas mal disfarçando a ansiedade para terminar a agenda do dia e abraçar os fãs que se aglomeravam na porta do camarim.

Questionado se tem uma vida confortável depois de 80 anos de trabalho, disse que viveu sempre entre altos e baixos. "É tranquilo, não confortável. Eu tenho minha casinha. Tenho os alugueizinhos que eu recebo."

O segredo para se ter uma vida tão longeva e frutífera, diz, "é não se preocupar com as contas".

Derrete-se pelo filho, que também largou a carreira militar pelas artes — na época, o pai lhe deu uma dura, por causa das desventuras financeiras que a escolha implicaria. Agora, é Lincoln quem dá as broncas de casa, que Tony recebe de bom grado. "Lincoln é minha cabeça, meu coração, meu tudo."

Há muitos anos, Tony Tornado pede licença ao fim de entrevistas para "dar seu recado", que também é uma mensagem de amor: "Quando duas mãos se encontram, refletem no chão a sombra da mesma cor".

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