No caso dos que chegam à Grécia, o negócio se concentra em Izmir, a terceira maior cidade da Turquia, já bem próxima às ilhas de Quios e Lesbos, os principais pontos de chegada dos refugiados.
“É tudo em nossas mãos. Claro que eu errei e paguei por isso”, disse Aziz, lembrando que “quem viveu preso nunca esquece como é estar numa prisão, ainda mais num país que não é o seu”. “Mas essa gente não se importa com as pessoas. Enchem os barcos além da capacidade, e as pessoas pagam até 2.000 euros cada uma. E se você não entrar, eles te matam ali mesmo. Sempre armados. Muitas vezes colocam pouco combustível, porque sabem que alguma guarda costeira vai localizar (o barco). E se não localizar, eles não estão nem aí da mesma forma”.
Na prisão, conta ainda, “aprendi a falar grego, e fazer capuccino e frapês”, já que para diminuir a pena trabalhava na cafeteria do centro de detenção da ilha de Kos. Com ajuda dos voluntários, já que estava dormindo nos bancos da praça Viktoria quando conheceu o grupo de espanhóis que o chamou para o projeto, conseguiu a sua White Card. Trata-se de uma permissão legal para estar no país, em condicional, já que havia sido condenado a quase oito anos de prisão. É um documento, como diziam os jovens, “para mostrar para a polícia”, sem a necessidade de ter que levar consigo a papelada do processo.
Outro exemplo de como a máfia atua como “um diabo que sopra no ouvido” desses jovens aconteceu na segunda semana de janeiro. Khalil*, um marroquino de 21 anos, tinha passado cerca de três meses preso por um desses absurdos cometidos, diariamente, pela polícia grega. Quando o porto de Pireus, que fica na região de Atenas, foi desmantelado, em julho do ano passado, ele tinha acabado de chegar com três amigos. Como o escritório de registro que havia no local já não estava mais funcionando e as pessoas estavam sendo levadas para o campo de Trikala, no norte do país, as autoridades garantiram que, chegando ao novo acampamento, eles seriam devidamente registrados e realocados no campo recém-construído.
Pois antes mesmo de chegarem a Trikala, no que foram acompanhados por Laila e Natália, que estavam na desativação de Pireus, eles foram detidos pelos policiais que pararam o comboio de imigrantes de refugiados. Não fosse pelas duas terem levantado, mediante doações, mais de 1000 euros para a fiança, Khalil ainda estaria preso, longe de tudo e de todos. Nesse dia, ele chegou em casa com uma notícia avassaladora: havia aceitado o convite de um traficante de pessoas para guiar um bote até a Itália. Queria encontrar o seu irmão que estava por lá, e garantia: “tenho experiência nisso”.
De novo, era o seu “passaporte”, o seu “dinheiro fácil”. Pobre Laila e Natália: tanto esforço e, de novo, a chance clara de ser detido. E, dessa vez, por muito mais tempo, já que a condenação seria por tráfico internacional. O trabalho de convencimento foi intenso e constante: era um domingo, e ele deveria partir na madrugada seguinte. Demos uma volta pela cidade, como se fosse sua despedida, mas principalmente Laila e Tereza Alface, uma voluntária espanhola que era bem próxima de Khalil, sempre o puxavam de lado para convencê-lo a desistir. E conseguiram. Ele desfez a mala e ficou. Alguns jovens, posteriormente, vieram me dizer que era “mentira, está fazendo isso apenas para chamar a atenção de vocês”. Não importava. Todos sabíamos como agem essas máfias. O sentimento de vitória do voluntariado independente falou mais alto.