Tão logo Wagner Avancini, 65, pisa na avenida Paulista, a chuva desaba. No caminhão de som em frente ao Masp (Museu de Arte de São Paulo), os organizadores do protesto contra a atuação do governo federal durante a pandemia cantam para não arrefecer a animação dos manifestantes -- que mal chegavam e já saíam em busca de abrigo.
Em frente ao museu, a banca de revista lota. Entre jovens, uma cabeça branca se destaca. Havia dois anos que ela não aparecia numa manifestação. A última, muito antes de a pandemia tirar as aglomerações da rua, foi num ato a favor do presidente.
Parece pouco tempo, mas o hiato mexeu com o brio de quem testemunha atos históricos desde os anos 1970. Passeatas contra a ditadura, atos do movimento pela Anistia, marcha antirracista em defesa da Lei Afonso Arinos, greve dos bancários, greve dos metalúrgicos: são muitas as mudanças sociais no Brasil que passaram pelas ruas e pelas lentes de Wagner. Por isso estava ansioso, admitiria dias depois.
A chuva para, ele ajusta a máscara e o cinto que segura a calça mais larga e adentra, depois de meses de exílio doméstico, uma aglomeração onde todos usam máscara e o distanciamento social inexiste.
De estatura baixa, ele apoia a mochila pesada com um flash em um dos braços e, no outro, segura a câmera. Anda rápido como se tivesse pressa, e estaciona diante de um boneco de Jair Bolsonaro e de um grupo que toca instrumentos de percussão. A cabeça balança no ritmo do batuque e os dedos ágeis ajeitam rapidamente o foco. "O que me chama atenção são os personagens. Me interessam as pessoas", diz. Naquele sábado, um observador da história brasileira estava de volta ao seu habitat. "Bate uma adrenalina, é como um vício."