Agite sua ideia

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Vai encarar?

O Brasil ainda faz cara feia para o empreendedor, mas quem quer se mexer de verdade pode usar as particularidades do país como trunfo para virar o jogo

Por Mariana Tramontina

Imagine um jogo de futebol no qual a bola é quadrada, o juiz é ladrão, as regras são mal definidas e, mesmo assim, ainda se vê gols de placa. Driblar situações insólitas é o que move o empreendedor no Brasil, um país famoso por sua burocracia; você pode esperar 107 dias para abrir uma empresa. É um cenário árido, que pode destruir aquele que quer apenas entrar na onda, mas que dá força a quem, junto de ideias e planejamento, conta com sua coragem no melhor espírito "vai que dá" para fazer acontecer. E, no Brasil, a hora para isso é agora.

"Se de 10 pessoas que tiveram a mesma ideia, nove desistiram por causa das dificuldades do país, alguém vai aproveitar essa chance. O empreendedor tem esse olhar otimista de que a ideia dele vai dar certo, de que vale a pena se arriscar e enfrentar", diz o professor Marcos Hashimoto, consultor de empresas e autor do livro "Práticas de Empreendedorismo; Casos e Planos de Negócios".

"Muitas vezes as pessoas não sabem o que elas querem até você mostrar a elas"

Steve Jobs, cofundador da Apple

Outro combustível para esse movimento é a infelicidade de milhares de profissionais no trabalho assalariado. Segundo o instituto norte-americano Gallup World Poll, cerca de 63% da população mundial está insatisfeita com seu emprego. "As empresas estão cada vez mais preocupadas com o trimestre. Existe uma ausência no mercado de companhias com propósito. E você não consegue fazer um trabalho significativo em uma organização sem significado", afirma Romeo Busarello, professor de MBA e diretor de marketing da construtora e incorporadora Tecnisa.

Hoje, o Brasil tem cerca de 21 milhões de pessoas criando ou administrando um novo negócio, e por volta de 19 milhões com algo já estabelecido. A soma faz do país a quarta nação com maior número absoluto de empreendedores - formais ou não -, atrás apenas da China, da Índia e da Nigéria, segundo dados da pesquisa "Empreendedorismo no Brasil", feita em 2013 pelo GEM (Global Entrepreneurship Monitor).

Você sabia?

34,6%

dos brasileiros têm como prioridade na vida abrir seu próprio negócio, atrás apenas da aquisição da casa própria (45,2%) e de viajar pelo Brasil (42,5%)*

2.600

é o total de horas necessárias para se pagar todos os impostos de uma empresa de médio porte no Brasil. É, de longe, a taxa mais alta do mundo**

28%

da população está empreendendo e 39% ainda pretende ter um negócio próprio: os outros 33% são empregados convictos***

*Dados da pesquisa "Empreendedorismo no Brasil 2013" do GEM (Global Entrepreneurship Monitor)

** Dados do Grupo Banco Mundial coletados em 2013

*** Dados da pesquisa "Empreendedores Brasileiros 2013" da Endeavor Brasil

Ele está entre nós!

O perfil do empreendedor que mais cresce no país reflete uma forte inclusão das minorias. O número de negros donos dos próprios negócios, por exemplo, aumentou 28,5% nos últimos 10 anos, quase 30 vezes o crescimento do número de empresários brancos. "Se eu tivesse que tirar um retrato desse novo empreendedor brasileiro, ele seria mais jovem do que foi no passado, de 18 a 30 anos, basicamente oriundo da classe C e mais feminino", descreve Luiz Barretto, presidente do Sebrae Nacional (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas).

"Os empreendedores mais bem-sucedidos que eu conheço são pessoas otimistas. É parte da descrição do trabalho"

Caterina Fake, cofundadora do Flickr

A participação das mulheres em novos empreendimentos - aqueles com menos de três anos e meio de atividade - também salta aos olhos; 52,2%. Apesar da ascensão, elas ainda não são maioria à frente dos negócios já estabelecidos. Mas não é um problema exclusivo daqui; estima-se que levará 81 anos até que se consiga superar a desigualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho em todo o mundo, segundo a pesquisa "The Global Gender Gap Report", produzida anualmente pelo Fórum Econômico Mundial. O Brasil, por exemplo, ocupa a 71ª posição entre 142 nações analisadas que mais tratam os gêneros como iguais.

Ao mesmo tempo em que as universidades - e hoje em dia até mesmo as escolas de ensino fundamental - passaram a incluir o tema como disciplina, viu-se também jovens brasileiros começarem cada vez mais cedo a transformar suas ideias em negócios. A faixa etária com maior número de empreendedores, atualmente, está entre os 25 e 34 anos (21,9%), seguida por aqueles que estão entre 35 e 44 anos (19,9%), segundo dados da pesquisa GEM.

Reinventores

Com o empreendedorismo criativo, social e startups, novos tipos de serviços surgem a fim de melhorar a sociedade e, claro, a vida daqueles que colocam seus planos para funcionar. Conheça algumas dessas pessoas que reinventaram essa história no Brasil

Mandaê

Beleza Natural

Inesplorato

Santa Adelaide Orgânicos

De Bruer

Dinheiro na mão

Hoje, cerca de 75% das pequenas e microempresas brasileiras têm sobrevivido aos primeiros dois anos de existência, de acordo com um estudo feito em 2013 pelo Sebrae. O índice ainda é baixo, mas está melhor que em pesquisas anteriores.

"Um produto precisa ser inovador o suficiente para se diferenciar do resto, mas não tão inovador que o usuário não entenda"

Reid Hoffman, fundador do LinkedIn

"O principal fator de mortalidade ainda é a má gestão e a falta de planejamento. Às vezes a maturação de um investimento demora 36 meses, mas a pessoa está na cultura do trabalho e acha que a resposta vem imediatamente. Então precisa se preparar para isso, ter capital de giro e não se endividar", aconselha Luiz Barretto.

Para Francilene Procópio Garcia, presidente da Anprotec (Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores), a combinação de diferentes tipos de recursos financeiros é fundamental para que um negócio evolua e tenha alto impacto. "Tem que correr atrás e tentar os meios de apoio. Desde o dinheiro do bolso, aquele investimento inicial que o empreendedor faz com a ajuda da família, passando pelo investidor-anjo, aceleradoras, crédito com facilidade e fundo garantidor de aval -porque ele não tem garantia real para dar e não vai conseguir empréstimo - e chegando até ao capital de risco de uma forma mais robusta, tudo é necessário para que uma empresa se desenvolva", afirma.

Ter dinheiro vai sempre ajudar o negócio, mas a ideia de fazer muito com pouco ganha mais valor no empreendedorismo. "Num bairro não pode ter dez farmácias ou dez padarias, por exemplo. Você tem que se adaptar aos territórios, é uma regra de mercado, há concorrência", diz Luiz Barretto.

"Seus clientes mais insatisfeitos são sua maior fonte de aprendizado"

Bill Gates, cofundador da Microsoft

O presidente do Sebrae Nacional diz que, se tivesse que escolher um negócio no Brasil para investir, apostaria em serviços. "Essa é uma área que cresce muito dentro e fora do Brasil, incluindo bares, restaurantes, serviços pessoais, negócios relacionados a aplicativos e que hoje fazem parte do mundo cotidiano", afirma.

Por que o empreendedorismo cresce no Brasil?

Acesso facilitado ao crédito e ao financiamento

Mais de 40 milhões de consumidores da nova classe média

Aumento do poder aquisitivo que gera demanda para produtos e serviços

Redes sociais que ajudaram a baratear processo de divulgação dos negócios

Maior escolaridade; 61% dos empreendedores têm pelo menos o 2º grau completo

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Yes, falhei!

Se já é difícil abrir e manter um negócio próprio no Brasil, mais complicado ainda é saber lidar com a frustração de falhar ao colocar a mão na massa. Mas, no universo empreendedor, um erro é visto como um passo importante para seguir em frente. "Ainda temos um problema muito sério no Brasil sobre a cultura do fracasso. A pessoa foi mal [no negócio], faliu e vira um pária da sociedade", diz Juliano Seabra, diretor do Instituto Empreender da Endeavor Brasil. Para ele é preciso mostrar que os empreendedores bem sucedidos, tanto aqui quanto lá fora, também já tropeçaram.

"Em um mundo que está mudando realmente rápido, a única estratégia que é garantia de falha é não assumir riscos"

Mark Zuckerberg, fundador do Facebook

Foi por causa de ideias como essa que surgiu a FailCon, uma convenção para discutir, compartilhar e aprender com as falhas alheias. Criada em 2009 por Cassandra Phillips, em San Francisco, o evento ganhou uma edição brasileira, que já acontece há três anos em Porto Alegre. "Temos que aceitar que o erro faz parte do processo e, com isso, aprender a falhar cedo. Falhar cedo significa gastar menos tempo, menos dinheiro, menos esforço e ter mais fôlego para tentar novamente", diz Rafael Chanin, sócio organizador da realização gaúcha.

Segundo Flávio Steffens, sócio de Chanin, a dificuldade de se conseguir um investimento para startup no Brasil requer muitos relatórios, números e provas concretas de que o negócio tem futuro e não vai fechar no meio do processo. Chanin lembra que os Estados Unidos e Israel são os países que melhor lidam com o fracasso.

"Lá o investidor só investe em quem já quebrou, pois indica que o empreendedor está mais maduro e preparado. Não é à toa que esses são os países que mais geram inovação no mundo", diz ele sobre as nações donas do Facebook e do Waze, respectivamente.

"Se você se acha muito pequeno para ter qualquer impacto no mundo, tente dormir com um pernilongo no quarto"

Anita Roddick, fundadora da rede Body Shop

Onde vamos parar?

Mesmo com boas iniciativas e a efervescência de um movimento criativo no mercado, os empreendedores brasileiros ainda têm muitos desafios pela frente, que circulam principalmente entre as questões tributárias, jurídicas e trabalhistas.

Há uma corrente que hoje defende o crescimento de qualidade dos negócios, e não mais de quantidade. Para se ter uma ideia, em 2013 foram criadas quase 2 milhões de novas empresas no Brasil, um aumento de 8,8% em relação ao ano anterior, de acordo com a Serasa Experian.

Juliano Seabra Endeavor

Luiz Barretto Sebrae

Marcos Hashimoto Consultor

Romeo Busarello Professor

A população local também já se mostrou aberta a novidades. "Uma das grandes coisas que ocorreu nos últimos dez anos foi a postura do consumidor brasileiro. Ele viaja mais, compara mais, já nasceu no mundo da internet e estabeleceu uma nova relação com as compras. Considero que o consumidor está ávido por inovações, é muito mais aberto às mudanças e muito mais exigente também", avalia Luiz Barretto.

Não dá para discordar; ainda existe uma longa estrada para ser percorrida, mas também nunca houve ambiente tão fértil para novas realizações. A ideia, em geral, é que o Brasil deixe de ser eternamente o país do futuro.

Mariana Tramontina

Editora de Entretenimento do UOL. É jornalista por vocação, mas já pensa em ter seu próprio negócio

tabuol@uol.com.br

Você está pronto para empreender?

*Fonte: Sebrae

Esta reportagem também contou com apoio de:

André Lobo, Junior Lago e Reinaldo Canato, fotografia; Bicicleta Sem Freio, ilustração.

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