NÃO É PARA VOCÊ

# 35
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ADMI
RÁVEL
BAIRRO
NOVO

Aquele café gourmet que abriu perto da sua casa pode ser um sinal. O prédio de alto padrão na rua ao lado, as novidades gastronômicas, as lojinhas descoladas, tudo indica que o seu bairro está sendo valorizado. Agora sim! Bem, mas nada disso é para você. A não ser que esteja disposto a arcar com novos e elevados custos dessa transformação, é bom começar a procurar outro lugar para viver.

Texto Mariana Tramontina
Design Hugo Luigi

Ninguém quer morar em lugar feio ou longe daquilo que lhe é mais prático. Melhorias são sempre bem-vindas, mas repare que, quando os benefícios chegam, até o preço do pãozinho fica diferenciado. E aí a supervalorização bate na porta de casa avisando que o aluguel será reajustado. Quem ali já estava muitas vezes não consegue mais sustentar esse padrão de vida que foi imposto. Ironicamente, acaba tendo que se mudar para outra região, possivelmente com mais carências. Quer dizer, as melhorias foram para quem?

Esse processo, chamado de gentrificação, ultrapassa a prática positiva da revitalização. Disfarçado de desenvolvimento e muitas vezes confundido com progresso, funciona como uma espécie de filtragem social por meio das leis de mercado. Pode afetar todo mundo: você, o vizinho, o dono do mercadinho e até o empresário bem-sucedido, mas, se há um alvo certeiro, são as classes de renda mais baixa. É o que faz com que os reparos realizados naquele bairro não sejam destinados aos que ali habitam e sim àqueles que ainda virão.

Apontar um culpado por esse processo não é tão simples. Pode ser a revitalização de uma praça, um novo comércio ou espaço artístico, um prédio recém-construído, um serviço público disponibilizado. A discussão persiste há décadas no mundo inteiro, mas ganhou novo fôlego por aqui depois que o país passou a sediar grandes festivais de música, uma Copa do Mundo e se prepara para as Olímpiadas de 2016. Segundo dados da rede de pesquisas Observatório das Metrópoles, coordenado pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), estima-se que mais de 200 mil pessoas tenham sido removidas ou estejam ameaçadas de remoção por causa dos projetos esportivos e da consequente supervalorização das áreas destinadas a esses megaeventos.

Foi por isso que, no início do ano passado, a revista "The New Yorker" chamou a Arena Corinthians, em São Paulo, de "monumento à gentrificação", argumentando que a imponência do estádio contrasta com "a arruinada Zona Leste" e poderia aumentar o abismo da desigualdade social, guiada pela especulação imobiliária. De fato, nos últimos seis anos o aluguel de três dormitórios na região subiu 139,8%, de acordo com a Fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados), vinculada à Secretaria de Planejamento e Gestão do Estado de São Paulo.

O CENTRO DA QUESTÃO

O problema não é exclusivo das periferias. Os centros urbanos também estão em constante disputa. Há boas razões: são o espaço mais democrático das grandes cidades, seja pelas ofertas de todos os meios de transporte público, seja pelas oportunidades de trabalho, serviços, hospitais, escolas e opções culturais. A deterioração do local não é interessante para ninguém: barra uma possível atração imobiliária e ainda impede a instalação de melhores serviços e comércios. Por isso o poder público, associado à iniciativa privada, está sempre correndo atrás de planos de revitalização. É o que se vê na renovação do centro de São Paulo, nas obras da zona portuária no Rio de Janeiro ou no histórico cais Estelita no Recife.

No caso do centro da capital paulista, onde segundo a Secretaria Municipal de Habitação vivem mais de 400 mil pessoas, a revitalização de determinadas áreas trouxe um repovoamento e tem atendido às necessidades habitacionais da população de classe média, mas os moradores de renda mais baixa acabam sem muita opção. Um dos principais símbolos da cidade, por exemplo, o edifício Copan entrou em decadência nos anos de 1970 junto com a degradação do centro - por muitos anos, o prédio foi considerado um cortiço vertical com seus 1.160 apartamentos. Na década de 1990, quando a região começou a melhorar, o Copan prosperou junto e passou a atrair a classe média em busca de moradia com aluguéis mais em conta e a boa localização. Até que... veio o efeito colateral, atingindo também os novos moradores. A história da jornalista Sabrina Duran exemplifica o processo.

Ela morava numa quitinete de 28 m² e pagava R$ 700 de aluguel, além do condomínio de R$ 250. No início de 2012, precisou sair do Copan. "Quando fui renovar o meu contrato, o proprietário praticamente dobrou o valor e subiu para R$ 1.200. Tentei renegociar, mas a imobiliária disse apenas que era o valor de mercado e que o dono do imóvel iria perder dinheiro se não reajustasse", afirma Sabrina.

QUANTO CUSTA
O ALUGUEL
EM SÃO PAULO

Ninguém está mais vulnerável aos efeitos da gentrificação do que as pessoas que moram de aluguel. O gráfico mostra a variação no preço médio por metro quadrado de apartamentos de um, dois e três dormitórios nos últimos anos nos bairros com maior alta.

Ver infográfico

Quanto custa o aluguel em São Paulo

Passe o mouse nos círculos para ver os detalhes dos valores

Fonte: Secovi-SP

Selecione o ano para ver o valor do metro quadrado por bairro

201120132015

Clique no "play" para ver a evolução ano a ano

*ND: Valor não disponível

Moema

Média de preço por metro quadrado: R$ 28,83

Valor máximo por dormitórios

R$ 31,6

R$ 29,39

R$ 31,66

*ND: Valor não disponível

Jardins

Média de preço por metro quadrado: R$ 27,61

Valor máximo por dormitórios

R$ 29,49

R$ 32,19

R$ 26,21

*ND: Valor não disponível

Pinheiros

Média de preço por metro quadrado: R$ 22,29

Valor máximo por dormitórios

R$ 22,08

R$ 24

R$ 24,33

*ND: Valor não disponível

Saúde

Média de preço por metro quadrado: R$ 22,17

Valor máximo por dormitórios

ND

R$ 23,05

ND

*ND: Valor não disponível

Perdizes

Média de preço por metro quadrado: R$ 21,89

Valor máximo por dormitórios

R$ 23,62

R$ 22,52

R$ 22,76

*ND: Valor não disponível

Vila Leopoldina

Média de preço por metro quadrado: R$ 21,41

Valor máximo por dormitórios

ND

R$ 23,04

R$ 21,72

*ND: Valor não disponível

Vila Mariana

Média de preço por metro quadrado: R$ 20,47

Valor máximo por dormitórios

R$ 25,68

R$ 21,06

R$ 21,97

*ND: Valor não disponível

Bela Vista

Média de preço por metro quadrado: R$ 20,35

Valor máximo por dormitórios

R$ 21,64

R$ 21,88

R$ 19,32

*ND: Valor não disponível

Pompeia

Média de preço por metro quadrado: R$ 19,13

Valor máximo por dormitórios

R$ 18,63

R$ 19,24

R$ 20,71

*ND: Valor não disponível

Centro

Média de preço por metro quadrado: R$ 18,99

Valor máximo por dormitórios

R$ 23,41

R$ 18,98

R$ 17,21

*ND: Valor não disponível

Santana

Média de preço por metro quadrado: R$ 16,27

Valor máximo por dormitórios

R$ 16,72

R$ 17,72

R$ 17,19

*ND: Valor não disponível

Jabaquara

Média de preço por metro quadrado: R$ 16,03

Valor máximo por dormitórios

ND

R$ 17,49

R$ 16,64

*ND: Valor não disponível

Tatuapé

Média de preço por metro quadrado: R$ 15,61

Valor máximo por dormitórios

R$ 17,92

R$ 15,42

R$ 16,08

*ND: Valor não disponível

Tucuruvi

Média de preço por metro quadrado: R$ 15,17

Valor máximo por dormitórios

R$ 15,59

R$ 16,23

R$ 16,69

*ND: Valor não disponível

Jardim da Saúde

Média de preço por metro quadrado: R$ 14,99

Valor máximo por dormitórios

ND

ND

R$ 15,98

*ND: Valor não disponível

Butantã

Média de preço por metro quadrado: R$ 14,84

Valor máximo por dormitórios

R$ 16,11

R$ 14,46

R$ 16,04

*ND: Valor não disponível

Mooca

Média de preço por metro quadrado: R$ 14,80

Valor máximo por dormitórios

R$ 15,58

R$ 15,89

R$ 15,17

*ND: Valor não disponível

Vila Maria

Média de preço por metro quadrado: R$ 14,56

Valor máximo por dormitórios

R$ 15,32

R$ 15,54

R$ 14,72

*ND: Valor não disponível

Cidade Ademar

Média de preço por metro quadrado: R$ 14,19

Valor máximo por dormitórios

ND

R$ 14,38

R$ 14,95

*ND: Valor não disponível

Aclimação

Média de preço por metro quadrado: R$ 14,09

Valor máximo por dormitórios

ND

ND

R$ 17,76

*ND: Valor não disponível

Moema

Média de preço por metro quadrado: R$ 31,00

Valor máximo por dormitórios

R$ 34,04

R$ 30,58

R$ 33,94

*ND: Valor não disponível

Jardins

Média de preço por metro quadrado: R$ 34,67

Valor máximo por dormitórios

R$ 39,93

R$ 37,79

R$ 31,96

*ND: Valor não disponível

Pinheiros

Média de preço por metro quadrado: R$ 33,33

Valor máximo por dormitórios

R$ 38,53

R$ 36,28

R$ 29,48

*ND: Valor não disponível

Saúde

Média de preço por metro quadrado: R$ 23,04

Valor máximo por dormitórios

R$ 26,52

R$ 22,86

R$ 24,44

*ND: Valor não disponível

Perdizes

Média de preço por metro quadrado: R$ 28,77

Valor máximo por dormitórios

R$ 36,32

R$ 31,96

R$ 27,85

*ND: Valor não disponível

Vila Leopoldina

Média de preço por metro quadrado: R$ 27,87

Valor máximo por dormitórios

ND

R$ 30,57

R$ 27,72

*ND: Valor não disponível

Vila Mariana

Média de preço por metro quadrado: R$ 25,73

Valor máximo por dormitórios

R$ 33,34

R$ 25,58

R$ 22,83

*ND: Valor não disponível

Bela Vista

Média de preço por metro quadrado: R$ 23,90

Valor máximo por dormitórios

R$ 26,47

R$ 25,65

ND

*ND: Valor não disponível

Pompeia

Média de preço por metro quadrado: R$ 28,77

Valor máximo por dormitórios

R$ 32,76

R$ 30,37

R$ 28,07

*ND: Valor não disponível

Centro

Média de preço por metro quadrado: R$ 22,93

Valor máximo por dormitórios

R$ 28,66

R$ 23,84

R$ 21,48

*ND: Valor não disponível

Santana

Média de preço por metro quadrado: R$ 16,72

Valor máximo por dormitórios

R$ 15,71

R$ 17,16

R$ 19,73

*ND: Valor não disponível

Jabaquara

Média de preço por metro quadrado: R$ 18,13

Valor máximo por dormitórios

ND

R$ 19,58

ND

*ND: Valor não disponível

Tatuapé

Média de preço por metro quadrado: R$ 17,95

Valor máximo por dormitórios

R$ 21,9

R$ 18,38

R$ 17,17

*ND: Valor não disponível

Tucuruvi

Média de preço por metro quadrado: R$ 20,91

Valor máximo por dormitórios

R$ 22,14

R$ 22,56

R$ 22,67

*ND: Valor não disponível

Jardim da Saúde

Média de preço por metro quadrado: R$ 18,89

Valor máximo por dormitórios

ND

ND

R$ 19,89

*ND: Valor não disponível

Butantã

Média de preço por metro quadrado: R$ 17,26

Valor máximo por dormitórios

R$ 16,95

R$ 18,75

R$ 19,17

*ND: Valor não disponível

Mooca

Média de preço por metro quadrado: R$ 17,38

Valor máximo por dormitórios

R$ 19,16

R$ 19,63

R$ 16,5

*ND: Valor não disponível

Vila Maria

Média de preço por metro quadrado: R$ 17,75

Valor máximo por dormitórios

R$ 19,3

R$ 19,9

R$ 18,52

*ND: Valor não disponível

Cidade Ademar

Média de preço por metro quadrado: R$ 15,10

Valor máximo por dormitórios

ND

R$ 17,8

R$ 14,66

*ND: Valor não disponível

Aclimação

Média de preço por metro quadrado: R$ 23,94

Valor máximo por dormitórios

ND

ND

R$ 24,92

*ND: Valor não disponível

Moema

Média de preço por metro quadrado: R$ 27,08

Valor máximo por dormitórios

R$ 33,81

ND

R$ 29,39

*ND: Valor não disponível

Jardins

Média de preço por metro quadrado: R$ 34,41

Valor máximo por dormitórios

R$ 39,77

R$ 37,1

R$ 33,72

*ND: Valor não disponível

Pinheiros

Média de preço por metro quadrado: R$ 30,17

Valor máximo por dormitórios

ND

ND

R$ 31

*ND: Valor não disponível

Saúde

Média de preço por metro quadrado: R$ 28,33

Valor máximo por dormitórios

R$ 34,76

R$ 25,94

R$ 27,41

*ND: Valor não disponível

Perdizes

Média de preço por metro quadrado: R$ 35,78

Valor máximo por dormitórios

R$ 40,51

R$ 34,96

R$ 28,59

*ND: Valor não disponível

Vila Leopoldina

Média de preço por metro quadrado: R$ 27,79

Valor máximo por dormitórios

R$ 27,33

R$ 31,08

R$ 30,01

*ND: Valor não disponível

Vila Mariana

Média de preço por metro quadrado: R$ 28,19

Valor máximo por dormitórios

R$ 36,34

R$ 28,1

R$ 27

*ND: Valor não disponível

Bela Vista

Média de preço por metro quadrado: R$ 22,21

Valor máximo por dormitórios

R$ 27,93

R$ 25,02

R$ 18,31

*ND: Valor não disponível

Pompeia

Média de preço por metro quadrado: R$ 32,39

Valor máximo por dormitórios

R$ 35,52

R$ 33,12

R$ 28,04

*ND: Valor não disponível

Centro

Média de preço por metro quadrado: R$ 25,05

Valor máximo por dormitórios

R$ 31,42

R$ 26,37

R$ 22,46

*ND: Valor não disponível

Santana

Média de preço por metro quadrado: R$ 17,15

Valor máximo por dormitórios

R$ 17,4

R$ 17,55

R$ 19,06

*ND: Valor não disponível

Jabaquara

Média de preço por metro quadrado: R$ 28,01

Valor máximo por dormitórios

ND

R$ 28,01

ND

*ND: Valor não disponível

Tatuapé

Média de preço por metro quadrado: R$ 21,81

Valor máximo por dormitórios

R$ 23,86

R$ 22,3

R$ 21,32

*ND: Valor não disponível

Tucuruvi

Média de preço por metro quadrado: R$ 19,92

Valor máximo por dormitórios

R$ 23,59

R$ 20,51

R$ 18,94

*ND: Valor não disponível

Jardim da Saúde

Média de preço por metro quadrado: R$ 16,20

Valor máximo por dormitórios

ND

ND

R$ 17,11

*ND: Valor não disponível

Butantã

Média de preço por metro quadrado: R$ 18,93

Valor máximo por dormitórios

R$ 19,77

R$ 20,37

R$ 19,46

*ND: Valor não disponível

Mooca

Média de preço por metro quadrado: R$ 21,01

Valor máximo por dormitórios

R$ 24,55

R$ 20,48

R$ 18,39

*ND: Valor não disponível

Vila Maria

Média de preço por metro quadrado: R$ 18,39

Valor máximo por dormitórios

R$ 21,42

R$ 20,85

R$ 16,67

*ND: Valor não disponível

Cidade Ademar

Média de preço por metro quadrado: R$ 17,52

Valor máximo por dormitórios

ND

R$ 19,32

R$ 18,27

*ND: Valor não disponível

Aclimação

Média de preço por metro quadrado: R$ 26,20

Valor máximo por dormitórios

ND

ND

R$ 27,93

DAQUI NINGUÉM ME TIRA

Quem consegue resistir em áreas que ainda não foram prejudicadas pelo enobrecimento excludente faz questão de alardear sua opção. "Esta casa não está à venda nem estará! Abaixo a verticalização da Pompeia", diz a faixa que a publicitária Jennifer Monteiro colocou em frente à sua propriedade, na zona oeste de São Paulo. "Pode me dar o valor que for. Não vou vender. Nem que eu fique igual ao velhinho do filme 'Up - Altas Aventuras'", diz ela, referindo-se à animação da Pixar sobre um homem que se recusa a vender sua residência para uma empreiteira e fica ilhado em meio às obras.

FAVELA GOURMET

Quando a ideia é valorizar, três condições ajudam a subir o preço do imóvel: localização, segurança e vista. Imagine, então, abrir a janela de casa e ter a melhor paisagem do Rio de Janeiro a sua frente. Pois é assim que vivem os moradores do morro do Vidigal, na zona sul da cidade, ao lado do luxuoso Leblon. A pacificação da favela em 2012 e a localização privilegiada caíram nas graças de turistas estrangeiros, o que chamou a atenção do mercado imobiliário.

Hoje, o metro quadrado na comunidade custa entre R$ 5.000 e R$ 7.000 (para comparação, o tradicional bairro de Copacabana tem o metro quadrado vendido a R$ 12 mil, segundo o índice FipeZap). Em sites como Airbnb, que permite a comunicação entre proprietário e locatário, há opções como uma casa de um quarto com internet sem fio e ar-condicionado por R$ 312 a diária, no topo do morro, onde se chega após um trajeto de cinco minutos de van ou mototáxi. "A favela é um modo de vida (com escadas, não é para todo mundo), mas se você jogar conforme as regras, é só felicidade", declarou ao site o turista francês Fabien sobre sua hospedagem no local.

É uma área ainda carente de infraestrutura, tem ruas estreitas e constante falta de água e de luz, mas há um charme impresso na estética que atrai celebridades do mundo inteiro. Ali proliferam festas promovidas por hotéis e albergues, que geralmente são inacessíveis para a população local por causa do preço dos ingressos. Essa glamourização da favela tem promovido uma mudança no perfil dos moradores: alguns se mudam para regiões ainda mais carentes porque o custo de vida subiu; outros saem porque enxergam na venda de seu imóvel uma oportunidade de viver melhor, ainda que em lugares mais afastados ou precários do Rio de Janeiro. É uma expulsão que interrompe um círculo social e econômico que gira em torno da moradia, do trabalho, da educação e dos vínculos afetivos daquela população.

"O lugar onde você mora é decisivo para o seu desenvolvimento"

Kazuo Nakano, arquiteto urbanista

Movimento semelhante também é visto em Paraisópolis, favela da zona sul de São Paulo fixada no coração do bairro nobre do Morumbi. Apesar de não ter a vista e o fetiche do Vidigal, a área, que já vinha passando por urbanização, ganhou mais evidência recentemente ao estampar seu nome no título de uma novela da TV Globo. "Ali é um microcosmos do Brasil", disse Mário Teixeira, um dos autores do folhetim, durante o evento de lançamento da atração. "Os dois mundos não se separaram, daqui a pouco não vai haver mais divisão. A grande luta da associação de moradores de Paraisópolis é transformá-la em bairro, com esgoto e luz elétrica."

A favela pode não ser um problema se for urbanizada e reorganizada, mas para a urbanista Ermínia Maricato, professora titular aposentada da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (Universidade de São Paulo), as relações sociais também ditam o destino dos negócios. "A questão econômica é a base para o preconceito. Já assisti a muita retirada de favela em que o morador vai para um conjunto habitacional numa condição um pouco melhor e depois se opõe a uma outra favela que está crescendo perto de sua propriedade. Porque pobre nas proximidades desvaloriza o imóvel."

LUGAR DE ARTISTAS SEM ARTISTAS

Há uma teoria entre os acadêmicos de que os artistas e profissionais criativos em geral são os incentivadores indiretos do fenômeno de revalorização das comunidades. A ideia é de que esse público é capaz de tornar locais medíocres em áreas mais desejáveis e atrativas, principalmente para jovens, que se mudam para bairros mais simples querendo morar melhor por menos.

Esse tipo de perfil, habilitado para transformar o local em que vive, também atrai bares descolados, cafés, teatros e galerias de arte, renovando a movimentação e, consequentemente, ativando um novo comércio naquele lugar. Foi o que aconteceu em regiões centrais de São Paulo, como a Praça Roosevelt e a rua Augusta, em bairros como Vila Madalena e Barra Funda, e na Lapa do Rio de Janeiro. É o que acontece em áreas culturais de Londres, Paris, Berlim ou Nova York.

A área onde todos os músicos costumavam viver agora é o bairro mais caro de toda Nova York. Eu não conseguia encontrar em Williamsburg um apartamento do estilo studio por menos de US$ 2.000. É ultrajante. Estão chutando para fora todos os artistas.

Sharon Van Etten, cantora

Mas essa efervescência passou a colaborar também com alguns gols contra. Em Manhattan, um dos lugares mais badalados e de custo elevado de Nova York, por exemplo, é possível hoje em dia morar gastando menos que em bairros periféricos, como o distrito do Brooklyn, uma área ampla em diversidade cultural. Sharon Van Etten, uma cantora de Nova Jersey em ascensão, contou a um jornal de Berlim que se mudou em 2013 de Williamsburg, famoso reduto nova-iorquino de músicos e artistas, para o centro da cidade por causa de melhores ofertas de aluguel.

VÍTIMAS DO PRÓPRIO SUCESSO

Se a dinâmica de valorização e desvalorização urbana faz parte do desenvolvimento natural das cidades, no Brasil essa troca de população de determinada área é acentuada pelo funcionamento desregulado do mercado imobiliário. "As prefeituras das grandes cidades não conseguem estabelecer um regramento adequado, porque a nossa legislação é capturada pelos interesses de mercado e de grupos empresariais. As leis sempre foram feitas para atender ao investimento privado da indústria imobiliária", afirma o urbanista Kazuo Nakano, um dos responsáveis pelo novo PDE (Plano Diretor Estratégico) de São Paulo. Em vigor desde julho passado, esse plano vai nortear as ações para o planejamento urbano da capital nos próximos dez anos.

Sem uma coordenação, no entanto, o que acontece muitas vezes é que uma região se torna vítima de seu próprio sucesso, corroendo aquelas características que atraíram quem veio de fora. Um exemplo é a qualidade de vida embutida em discursos de corretoras de imóveis que trabalham com prédios de alto padrão. "Eles vendem o que a região tem hoje, mas a chegada deles muda todo o cenário e tudo se perde. A mudança mais visível é no trânsito, que aumenta com a quantidade de novos carros", diz a urbanista Ermínia Maricato, que mora há mais de 30 anos na Vila Madalena, em São Paulo, e acompanhou a evasão de pequenos comerciantes da região conforme o bairro se transformava. A desvalorização ambiental entra nessa conta, já que as áreas verdes que são desmatadas para a construção de empreendimentos geralmente não são "devolvidas" à cidade.

O poder público tem papel fundamental na criação de regras para o desenvolvimento e progresso urbano, que deveriam barrar esse processo de gentrificação. No novo PDE de São Paulo, por exemplo, há metas para estimular o adensamento populacional próximo aos corredores de transporte coletivo, a limitação da altura de prédios nos bairros e a ampliação do número de Zeis (Zonas Especiais de Interesse Social) destinadas à moradia de famílias de baixa renda.

Em Paris, a atual prefeita, Anne Hidalgo, listou mais de 8.000 apartamentos dos quais terá o direito de impedir a venda a fim de convertê-los em moradias subsidiadas. Quando algum dos apartamentos for colocado à venda, o dono deverá por lei oferecer primeiro à prefeitura pelo preço de mercado. Em Berlim, também há uma legislação que impede os proprietários de aumentar o valor do aluguel em mais de 10% acima da média local.

A equação a se resolver é: como trazer benefícios para uma região, atrair novos moradores e ainda assim evitar a expulsão da população que já habita o local? Especialistas dizem que a mistura de classes sociais através de políticas públicas pode diminuir a violência e tornar a cidade mais barata, mas não é uma conta tão simples, porque esbarra nos conflitos sociais. "Existe uma intolerância com relação à convivência entre diferentes grupos em territórios próximos. Você tem uma tendência de 'evitação' social muito forte no Brasil, de grupos que se negam a conviver com outros que têm outro padrão cultural e socioeconômico, e isso se transforma em processo de fragmentação da cidade", diz Nakano.

O que todos concordam é que a exclusão é a ponta do iceberg em uma lista de problemas que desafiam a sociedade brasileira. As mudanças de comportamento em um cenário que passou a incluir milhões de pessoas que saíram da pobreza e ganharam acesso à informação e ao mercado acontecerão em longo prazo. Para isso, defendem especialistas, a participação da população para fiscalizar direitos e deveres é fundamental e faz parte da democracia. Sem que ninguém precise pagar (mais) para ver.

Mariana Tramontina

Editora de Entretenimento do UOL. É adepta do discurso de Dorothy em "O Mágico de Oz": Não há lugar melhor que o nosso lar.

tabuol@uol.com.br

Esta reportagem também contou com apoio de:

Felipe Santos e Rapahel Villar, câmera; Maryah Kay, edição de vídeo; Bruno Santos e Junior Lago, fotografia.

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