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A internet das coisas é vendida como uma fada do conforto ao mesmo tempo em que é temida como um meio para a soberania das máquinas. O que sabemos até agora é que, graças a essa tecnologia, tudo em nossos lares e cidades pode ser inteligente. Resta saber se o homem será esperto o suficiente para usar esse recurso em benefício da sua verdadeira casa, o planeta.
Texto Marco Britto Design René Cardillo Fotografia Reinaldo Canato
Um grupo de exploradores navega sob o calor de Angola. Acabaram de recolocar as canoas na água após um desvio inesperado - uma cachoeira de 10 m que não estava no mapa oficial. Superada a realidade, um clique no celular e surgem dados online. Ao mesmo tempo, a cada remada rumo a Botsuana a embarcação envia por satélite a leitura da água. Na margem, uma ave de rapina nota a caravana. Sua cara de poucos amigos vai para o Instagram. Pode ser uma espécie desconhecida que acabou de ser descoberta.
"Nós temos mais de 9.000 imagens registradas em nosso site. Resultados preliminares indicam que teremos algumas surpresas", conta Shah Selbe, engenheiro da expedição no delta do Okavango. A meta dos pesquisadores é preservar e monitorar todo esse ecossistema, uma espécie de Pantanal africano. É a região com a maior população de elefantes do continente. Enquanto mapeia os rios com seus sensores, a equipe registra tudo que vê e escuta ao seu redor.
A diferença para outros trabalhos do gênero é que essa é uma expedição 100% online. A proposta inverte a concepção da pesquisa tradicional, quando os dados são colhidos, analisados e publicados. A trupe do Okavango não pensa duas vezes antes de postar suas descobertas do dia. Desde o café da manhã com aveia, passando por observar elefantes e acabando o dia na companhia de um milhão de estrelas, tudo sobe às nuvens - da internet.
Isso é possível graças à IOT (internet of things, ou internet das coisas, na tradução do inglês). Os smartphones são os dispositivos que nos apresentaram a essa tecnologia de maneira mais palpável, mas ela promete ir muito além. Quando falamos do futuro via IOT, temos um mundo hipersensível. Sensores em toda a parte, conectados e transmitindo dados a todo instante. A sensibilidade pode estar no motor do seu carro, no poste de luz na rua ou em um pássaro, por exemplo.
Para Selbe, que usou a IOT para falar com o TAB entre uma remada e outra, a grande revolução está nas possibilidades de interação com a natureza, algo limitado em metodologias tradicionais de acordo com a descrição feita por ele. "Veja como nós observamos o meio ambiente até hoje. Mandamos cientistas para medições periódicas, que podem acontecer frequentemente ou raramente, dependendo do apoio financeiro. Ameaças são identificadas ao observarmos o declínio anual de uma espécie, seja vegetal ou animal. Isso se notarmos os elementos corretos. Muitos locais são ignorados e provavelmente nós só saberemos do declínio quando for tarde demais", afirma engenheiro.
A equipe está monitorando o Okavango e deixando sensores por onde passa. O objetivo é manter conexão permanente em toda a extensão dos rios que são essenciais para a sobrevivência do delta. Tudo baseado em uma tecnologia acessível financeiramente e de um modo de trabalho que não depende da presença humana no campo o tempo todo. "Se houver mineração ou exploração de petróleo na nascente do rio, em Angola, esperamos saber no instante em que acontecer", afirma Selbe, que após a expedição de 2015 pretende colocar online as instruções para qualquer um construir o sensor que ele projetou e monitorar rios, lagos e mares em perigo.
Faça o papel de pesquisador que usa a internet das coisas. Escute as gravações transmitidas pelos dispositivos e marque a alternativa com o animal correto
C) Leões e babuínos
C) Águia-pescadora
A) Elefantes
B) Hipopótamo
A) Macacos
A) Grilos e sapos
Into the Okavango 2015/Divulgação
Simon é oceanógrafo honorário. Participa de um time que monitora a qualidade da água no oceano Antártico. A equipe cataloga dados inéditos e alcança locais antes inacessíveis ao homem. Seja verão ou inverno, informações são enviadas automaticamente a um banco de dados.
Além de cientista, Simon também é um elefante-marinho. Ele faz parte de uma força-tarefa multinacional no polo Sul. Os pesquisadores selecionam animais, que usam sensores colados ao corpo, algo que lembra uma antena de Wi-Fi. Toda vez que surge na superfície do mar, o dispositivo transmite dados ao servidor em Toulouse, na França. Os ambientalistas afirmam que os aparelhinhos não ameaçam a saúde dos bichos. Ao trocar de pele, o que ocorre todo ano, as focas e os elefantes-marinhos descartam as antenas postiças.
Em vez de barcos, gasto de combustível e tempo, o que pega é a carona com mamíferos marinhos. Cresce a precisão, e um pontinho no mapa pode se tornar a chave do equilíbrio ambiental. "Os animais vão a áreas específicas para obter alimento, o que dá alta importância ecológica [a esses locais]", afirma Monica Muelbert, pesquisadora brasileira que contribui com o projeto Meop (sigla em inglês para Mamíferos Marinhos Explorando Oceanos de um Polo a Outro). A partir do monitoramento, as rotas traçadas pelas focas e elefantes-marinhos foram reveladas em detalhes.
O trabalho do grupo já era uma internet das coisas antes de o conceito de IOT vir à tona como a nova onda tecnológica. O Meop começou em 2008 e funciona como um grande crowdfunding científico. Os oceanógrafos participantes abastecem o banco de dados ambientais com suas pesquisas, como uma associação. Este ano, o projeto lançou seu portal, que reúne os dados recolhidos para quem quiser visualizar. O próximo passo será fornecer as informações ao público em tempo real, assim que forem colhidas no oceano.
Além da preservação das espécies, a pesquisa poderia também reforçar a tese do aquecimento global, mas o grupo é cauteloso. "É difícil determinar tendências climáticas desses dados ainda, pois não há referências para compararmos. De qualquer forma, estamos fixando marcas que vão permitir determinar tendências nas próximas décadas", afirma Fabien Roquet, coordenador do projeto.
Ao usar os olhos, ouvidos e principalmente a energia das focas, o Meop quer estabelecer uma nova base para pesquisas. "Há áreas da península antártica que estão esquentando, outras esfriando. Isso beneficia algumas espécies, prejudica outras. Para ser comprovada, mudança climática requer observação por vários anos", afirma Monica. Independentemente da questão de comprovar o aquecimento global, os estudos de curta duração mostram as mudanças de hoje na natureza. Enquanto prosseguem suas investigações no polo Sul, os bichos dão pistas sobre os grandes poluidores que estão distante dali, nas cidades.
As selvas de pedra também podem se tornar lugares melhores para se viver com ajuda da IOT. Segundo a ONU (Organização das Nações Unidas), metade da população mundial vive em áreas urbanas - um terço está em favelas e assentamentos informais. Estimativas apontam que, até 2050, mais de 70% da população mundial estará vivendo em cidades.
Ar e água são dois recursos vitais ameaçados. Na China, uma pesquisa do grupo independente Berkley Earth aponta que a poluição mata 4.000 pessoas por dia. O país fará um investimento de US$ 315 bilhões em redes elétricas para diminuir até 2020 o uso e a consequente fumaça do carvão. Para quem duvida, dados atuais comprovam a intenção dos asiáticos. Em julho, os chineses registraram seu 12º mês seguido de queda no consumo dessa fonte de energia poluidora.
São Paulo vive também um quadro crítico em relação à qualidade do ar e da água. O sistema Cantareira, que abastece parte da capital paulista, está desde maio de 2014 no volume morto - água do fundo da reserva, que acumula sedimentos. A cidade também sofre com o ar, e um estudo com participação da USP (Universidade de São Paulo) já apontou 17 mil mortes por ano no Estado por causa da poluição. Apenas esses dados bastam para dar a dimensão da crise do ecossistema urbano e a necessidade que esses ambientes têm em melhorar para acomodar seus cidadãos hoje e no futuro próximo.
Duas vertentes exploram soluções da internet das coisas para o bem das regiões metropolitanas. As corporações, de olho no novo mercado, e a guerrilha - grupos que usam a tecnologia em projetos de desenvolvimento a partir de comunidades. Ambos os setores veem a IOT como saída para problemas globais, como poluição, escassez de água e mobilidade. A diferença está em como se organizar e agir.
TEMPO REAL 02/09/2015
Veja agora o que os sensores estão captando no ar da cidade de São Paulo
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Classificações de acordo com padrões de: Ministério do Meio Ambiente (CO), Agência de Proteção ambiental / EUA (partículas no ar), Organização Mundial de Saúde (UV), Centro de Gerenciamento de Emergências - SP (temperatura e umidade), Associação Brasileira de Normas Técnicas (luminosidade)
O instituto InfoAmazonia é conhecido pelo seu mapeamento da grande floresta sul-americana. A paixão do grupo por dados está sendo agora aplicada à conectividade da IOT. O dispositivo Mãe d'Água nasceu de uma parceria com o projeto Saúde e Alegria, que auxilia comunidades ribeirinhas do Pará com ações de agroecologia e educação, entre outras frentes. O aparelho medirá a qualidade da água nesses povoados, mostrando na hora se há contaminação. Os moradores poderão receber a informação em seus telefones celulares. No aplicativo, onde há internet, ou via mensagens de texto.
"Conhecimento é liberdade em alguma medida. Se os dados provam que a água é poluída, a busca pelas causas pode gerar um movimento por melhorias, por novas políticas", diz Gustavo Faleiros, coordenador do InfoAmazonia. Apesar de ter sido criada para ações comunitárias no Pará, nada impede que a solução seja também aplicada em regiões metropolitanas com quadros de pobreza e crise no abastecimento, como São Paulo e Rio de Janeiro.
A Dell ajuda a desenvolver um projeto semelhante de monitoramento da água em comunidades. Pretende levá-lo à escala industrial dentro de um ano. A companhia fornece soluções para viabilizar um dispositivo criado a partir de esforços na USP em parceria com um estúdio de software. "A IOT será o sistema nervoso do mundo", afirma Fernando Cesar, gerente de soluções da empresa.
Foto demonstrativa do Mãe d'Água, dispositivo medidor de qualidade de água proposto pelo instituto InfoAmazonia
Miguel Peixe/InfoAmazonia
O Dustduino é outro exemplo de projeto coletivo. O foco é em monitorar a qualidade do ar. Basta ligar na tomada, configurar e usar. O grupo Código Urbano, braço do InfoAmazonia, integra um projeto internacional de ONGs e passou a importar o aparelho, um cubo em acrílico azul. Paulistanos dispostos a montar o Dustduino podem entrar em contato e levar uma unidade para casa gratuitamente, desde que compartilhem os dados com o sistema do grupo na internet.
"Se tivermos medições superlocais sobre a poluição que respiramos, podemos mostrar um cenário diferente daquele que conhecemos pelos reloginhos de rua. A ideia é engajar, mobilizar pessoas para debater o modelo que causa essa poluição. Será que com dados coletados no ambiente em que vivem, as pessoas vão contestar a qualidade da mobilidade urbana?", questiona Faleiros.
As grandes empresas veem a distribuição de energia como a primeira fronteira urbana a ser revolucionada pela IOT. Os postes espalhados pelas cidades são totens em potencial. Além de iluminar as vias, uma vez conectado, o mobiliário urbano passa a propagar sinal Wi-Fi, dar suporte para uma rede integrada de segurança e vira amigo número 1 dos motoristas em busca de uma vaga para estacionar. Segundo argumentam companhias como General Electric e Cisco, o poste inteligente diminui impacto ambiental tanto ao aperfeiçoar o uso da energia elétrica quanto ao diminuir o tempo que os carros ficam rodando.
A General Electric calcula que, trocando a iluminação urbana para lâmpadas LED, é possível ter uma queda imediata de 50% no consumo sem alterar a qualidade do serviço. Segundo a empresa, o Brasil economizaria 7 terawatts/hora por ano. Uma poupança de R$ 1,75 bilhão sem IOT envolvida. Jogada esperta, porém ainda modesta em relação ao que pode oferecer o chamado "smart grid", ou rede elétrica inteligente. Sergio Binda, diretor de marketing da GE Lighting, acompanha instalações na Argentina, em Honduras e nos EUA. Ele diz que as possibilidades são maiores em relação a otimizar a rede, e ainda fornecer novos serviços.
Cidades hiperconectadas poderão orientar pessoas de acordo com a situação, tudo monitorado por painéis, numa evolução do que já temos hoje. A diferença é sempre a resposta em tempo real. "Conhecer o impacto das ações faz as pessoas mudarem de atitude. Podemos prever bairros gerando eletricidade própria. Os carros poderão produzir energia, além de consumir. Ao carregar as baterias durante o deslocamento, o veículo poderá fornecer energia ao prédio quando estacionar", diz Wikings Machado, diretor de marketing da Siemens.
A segurança desses dados é uma questão por hora resolvida, segundo as companhias. Os novos sistemas são apresentados como impenetráveis, mas outros foram rotulados da mesma maneira e falharam. Recentemente, uma reportagem da revista "Wired" mostrou um carro sendo hackeado enquanto estava em movimento. A fabricante foi obrigada a convocar um recall de 1,4 milhão de unidades. É uma corrida para estar sempre à frente dos hackers.
Nesse horizonte de mil maravilhas conectadas a nosso dispor, há muitos caminhos, mas não há piloto automático seguro. As empresas apontam as cidades inteligentes como um salto, mas ressaltam que para isso acontecer é necessário construir a estrutura e habilitar sensores em toda parte, uma realidade ainda um pouco distante. Teremos a possibilidade de ver os problemas com lente de aumento, mas antes disso ambientalistas já alertaram sobre os danos causados ao planeta e o perigo para o futuro, que virou presente. Mesmo com mais tecnologia, tudo ainda depende dos humanos - felizmente, diga-se de passagem. Mas será que conseguiremos evoluir à categoria de smart sapiens?
Editor-assistente do UOL. Espera o dia em que a energia investida no trabalho sirva para reverter em tempo real o desgaste do meio ambiente
tabuol@uol.com.brEsta reportagem também contou com apoio de:
Lucas Britto, modelo; Beto França, maquiagem; José Paulo Molin, LEB/ESALQ/USP; Ricardo B. Machado, UnB; Embrapa; DEV Tecnologia; John Deere, Máquinas Agrícolas; Department for Environment, Food & Rural Affairs – Reino Unido; National Institute of Food and Agriculture - EUA; Massachusetts Institute of Technology; WWF Brasil; Denis Pose, desenvolvimento.
é um conteúdo produzido semanalmente pela equipe do UOL. Nossa missão é entregar uma experiência única e interativa com conteúdo de alta qualidade, em formatos inovadores e com total independência editorial. TAB só é possível por causa do patrocínio de algumas marcas, que também acreditam em conteúdo de qualidade. We them big time.