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Gozo compartilhado: uma escritora, a namorada, dois caras e um fusca

Cauê Xopô/UOL
Imagem: Cauê Xopô/UOL

Lua Menezes*

Colaboração para o TAB, de Auckland (Nova Zelândia)

10/01/2023 22h00

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Alguma coisa sempre me fascinou na ideia de gozo compartilhado entre mais de duas pessoas. Quem disse que sexo é coisa exclusiva de casal? Eu, que gosto tanto de transbordamentos, por que não transbordar no sexo também?

Com o primeiro namorado que me sugeriu trazer uma terceira pessoa pra cama (um ménage à trois, em francês, ou "threesome", em inglês), não topei — não me sentia segura com ele. Com o namorado seguinte, fui eu quem sugeriu e ele quem não topou — não se sentia seguro comigo.

Mas eu queria viver mais, afetiva e sexualmente, com mais gente, de mais jeitos. Tentei esse negócio de monogamia, mas não aguentei. Depois de um tempo terminei com esse namorado, que todos me diziam ser um príncipe. Foi um término banhado em lágrimas e declarações de amor. Uma noite inteira se despedindo de um relacionamento que na superfície parecia perfeito.

Tive medo da minha escolha. Doutrinada a crer ser a maior dádiva na vida de uma mulher, estava abrindo mão do amor de um homem. Pelo quê? Por sexo? Por sorte, rebeldia ou vocação, nunca acreditei nisso. Pelo contrário, desde cedo pressenti que havia algo de potente e imenso e sagrado no sexo.

Meu medo não durou muito tempo: depois que comecei a viver tudo o que queria, entendi que, se nesse relacionamento "perfeito" eu me sentia reprimida, sufocada, inadequada e culpada pelos meus desejos, não era tão perfeito assim. Não pra mim.

Conheci Riana quando ainda namorava com o príncipe-não-tão-príncipe. Finalmente solteira e liberta, comecei a ficar com ela. Eu já sabia que era bissexual e já tinha ficado com outras, mas ela foi a primeira mulher com quem transei, a primeira mulher por quem me apaixonei, a primeira mulher que chamei de "namorada" — e essa palavra, no feminino, tinha um gosto mais doce na minha boca.

Também foi com ela que fiz meu primeiro "threesome". Uma noite em que estávamos juntas conversando sobre quem já havíamos ficado, descobrimos um alguém em comum, um alguém lindo, querido, inteligente, amante de livros e samba, alguém por quem fui apaixonada por um bom tempo, inclusive, mas com quem mais me desencontrava do que encontrava.

Num impulso mandamos pra ele uma foto nossa de lingerie e o convidamos pro apartamento de Riana — nunca vi um homem chegar em algum lugar mais rápido e mais desconcertado.

E eis que foi tudo que pressentia e esperava que podia ser, foi safado, foi doce, foi sagrado, foi profano, foi uma dança que aprendemos na hora, improvisando, provando, nos lambuzando, senti amor, tesão, tudo junto e misturado.

Eu me apaixonei por Riana e pela sua liberdade, seu jeito tranquilo de existir no mundo, sua facilidade de gozar, comer, amar. Depois desse primeiro "threesome", entendemos que podia ser fácil, que gozo compartilhado não precisa ser um bicho de sete cabeças e aí fomos aperfeiçoando e dominando essa arte: quando sentíamos vontade de pau, seduzíamos um. Devo dizer que eram conquistas sempre muito fáceis.

Uma noite saímos com Davi, que tinha acabado de chegar pro calor do Nordeste depois de anos morando fora e que conhecemos porque ele apareceu de penetra na festa que dei pra comemorar a defesa da minha dissertação de mestrado. Não me interessei imediatamente por ele, só quando, num outro rolê, perguntei o que fazia e ele respondeu "sou escritor". Meus olhos de escritora o viram como que pela primeira vez.

A noite do date com Davi foi numa época em que eu morava na praia e a ideia era ir tomar um vinho na minha casa, ouvindo o barulho do mar ao longe, mas antes decidimos passar numa festa de rua. Numa rodinha entre amigos e conhecidos, fui apresentada a Nicolas, que achei bonito demais, com seus cabelos longos presos num coque e maxilar quadrado.

Riana e eu nos comunicamos telepaticamente, apontei Nicolas com o olhar, ela entendeu e concordou. Agora que já dominávamos a arte, queríamos expandir. Já havíamos tentado um "foursome" antes e não foi bem-sucedido. Foi na época da Copa do Mundo, conhecemos dois americanos num bar, mas quando os levamos pro apartamento, acabou que viramos dois casais, eles não adivinharam o que queríamos e não soubemos explicar.

Dessa vez, diante de Davi e Nicolas, tínhamos a nosso favor o aprendizado da experiência. Enquanto estávamos os quatro conversando, começou a chover e corremos pra nos abrigar no fusca de Nicolas, que estava estacionado ali perto. Um bêbado passou gritando "é o fusca do amor!" E ele estava certo.

Abrigado no quentinho do fusca, convidei Nicolas pra ir pra minha casa também. Ele topou.

Na minha sala não tinha sofá, só um tapete, almofadas e um colchão no chão, abri uma garrafa de vinho e nos aconchegamos ali, Davi deitou com a cabeça no meu colo, fiz carinho no seu cabelo, Riana e Nicolas se juntaram num cafuné de muitas mãos. Ficamos conversando sobre muita coisa, coisa demais, até eu não aguentar mais tanta expectativa.

Silenciando, coloquei a mão na coxa de Nicolas e ele, ligeiro, se aproximou pra um cheirinho na minha nuca, o suficiente pra que nossos rostos se vissem de perto e dessa proximidade um beijo louco, cheio de saudade, brotasse, como se nossos corpos já se quisessem há muito tempo e não como se tivessem acabado de se conhecer.

Num impulso de tesão, ele me levantou e me agarrou contra a parede numa paixão selvagem que amei, mas também me deixou receosa de que ele quisesse aproveitar o embalo de estar de pé e rumar pra um dos quartos, então num passo de dança contemporânea deslizei de volta pro chão e beijei Riana e depois Davi, pra deixar claro o tom e as intenções da noite.

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Imagem: Cauê Xopô/UOL

O que se seguiu daí por diante foi um sonho, um delírio, um deleite, uma coreografia promíscua de corpos sendo despidos, uma confusão de muitas bocas e paus e bucetas e pernas enlaçadas, em algum momento abri os olhos e me vi do lado de Riana, de mãos dadas com ela, enquanto Davi e Nicolas, cada um entre nossas pernas abertas, nos chupavam — que visão, que miragem, que paraíso profano e que delícia quando eles vieram nos beijar de novo, sentir o gosto de uma na boca do outro.

Depois do gozo e de tudo, tomamos banho os quatro apertados no box do chuveiro, nus e rindo, e eu, que sou uma rapariga emocionada, como diríamos na minha terra, tive que me segurar pra não gritar que estava já apaixonada pelos três. Riana e Davi saíram primeiro. Fiquei com Nicolas ali, ele ainda não tinha gozado e quando gozou, derramando-se em mim, disse "guardei pra você" e achei romântico.

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Imagem: Cauê Xopô/UOL

Com a toalha amarrada na cintura e a pele fresca, também me disse que fazia tempo que não se conectava assim com alguém. E nessa noite eu soube, com mais certeza do que nunca, que compartilhar gozo pode ser também compartilhar conexão.

Quando fomos pra varanda, vimos Riana e Davi no jardim, onde de um cajueiro frondoso pendiam cajus suculentos e um balanço no qual Riana, ainda nua, se balançava, seu corpo de musa renascentista ainda cheio do viço dos orgasmos. Davi, nu também, a empurrava com uma mão enquanto com outro fumava um tabaco.

Transbordamos.

*Lua Menezes é escritora e especialista em Sexualidade e Psicologia Positiva. É autora do romance erótico 'Rio Profano'.