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Na disputa por dados, gigantes de tecnologia trocam o toque pela sua voz

Amazon Echo Alexa - Grant Hindsley/AFP
Amazon Echo Alexa Imagem: Grant Hindsley/AFP

Kaluan Bernardo

Do TAB, em São Paulo

16/01/2019 04h00

Você acorda com um relógio inteligente, que logo começa a te informar as últimas notícias. Com um comando de voz, manda o chuveiro esquentar a água e as janelas se abrirem. Após o banho, pergunta ao relógio como está o trânsito, enquanto desce para tomar o café da manhã. Aproveita e pede para a sua geladeira dar as principais notícias do dia até aquele momento. Com mais um comando de voz, manda a torradeira preparar seu sanduíche, enquanto chama o Uber. Você fez tudo isso sem precisar usar as mãos para confirmar qualquer ordem. Na realidade, nem precisou encostar no smartphone.

Não, você não é o Tony Stark, mas tem acesso a uma a realidade que empresas como o Google e a Amazon querem nos vender hoje. A última rodada dessa disputa foi a CES, a Consumer Eletronic Show, maior feira de tecnologia do mundo e que ocorre anualmente em Las Vegas. Foi lá que essas empresas apresentaram diversos produtos conectados à Google Assistant e à Amazon Alexa, suas assistentes de voz, também conhecidas como assistentes virtuais.

Assistentes de voz nada mais são do que inteligências artificiais que respondem a comandos de voz do usuário para executar pequenas tarefas, como mudar de música, regular a temperatura, informar sua agenda ou acender a luz, por exemplo. Mas, em breve, podem se tornar nossos terapeutas, professores ou até mesmo companheiros - tal como acontece no filme "Ela", em que um homem se apaixona por uma assistente de voz.

Saem os dedos e os olhos, entram os ouvidos e a boca na interação com máquinas. Em um mundo tão intermediado por telas, a voz dá sinais que é a próxima fronteira da interação com as máquinas. Mas, para que isso aconteça, ainda há chão, uma vez que essa tecnologia está em fase inicial.

As assistentes de voz ainda são usadas para atividades muito básicas. Segundo o site Recode, 70% das pessoas usam para música, 64% para saber a previsão do tempo e 53% para fazer perguntas divertidas. Outra pesquisa, da PwC, feita com 1.000 norte-americanos, aponta três motivos para o uso muito básico das assistentes de voz: 1 - as pessoas não conhecem todos os recursos disponíveis; 2 - não confiam muito nas respostas; 3 - têm medo de gastar dinheiro com algo que não funcione.

Ei, Alexa, onde estão meus dados?

Na CES, Google e Amazon tiveram mais um capítulo da disputa que travam para ver quem se apodera desse mercado. Embora segundo a PwC 93% dos usuários estejam satisfeitos com assistentes de voz, há uma grande oportunidade (para as empresas) e uma grande preocupação (para os usuários) pairando: a privacidade.

Entre os que não compram o produto, a principal preocupação é, justamente, a privacidade. Destes, 38% dizem que não gostariam que os assistentes de voz ficassem ouvindo tudo o que fazem, enquanto 28% se preocupam com a segurança de seus dados.

E, de fato, alto-falantes inteligentes passam o tempo todo ouvindo o que dizemos até serem ativados pelas palavras-chave como "Hey Google" ou "Alexa". As fabricantes afirmam que não guardam esses áudios na nuvem, mas há casos bizarros, como quando a Alexa mandou gravações privadas de uma família para um conhecido na lista de contatos.

Segundo reportagem da revista The Atlantic, os esforços do Google e da Amazon nesse setor não visam ao lucro com os aparelhos (possivelmente elas até levam prejuízo nas vendas). A ideia é ocupar espaço na vida das pessoas e, assim, oferecer seus outros serviços e produtos.

Quando tudo na sua casa, carro e escritório estiver com assistentes de voz, a empresa que estiver lá conversando com você terá muito mais poder. "A companhia que tiver sucesso em dominar o mercado de alto-falantes inteligentes irá prender fabricantes de aparelhos, designers de aplicativos e consumidores em seu ecossistema de dispositivos e serviços - assim como a Microsoft fez com os computadores pessoais, usando seu sistema operacional nos anos 1990", diz o texto.

Como ressalta a publicação, em 2018 já sabemos que nossos dados em redes sociais são usados por políticos, que nossos rostos são reconhecidos por câmeras inteligentes, que nossos hábitos de navegação são produtos para empresas oferecerem publicidade e que hackers podem invadir nossa vida digital. Agora, com o mundo dominado pelas assistentes virtuais em diversos dispositivos, as fronteiras da privacidade podem ser revistas.

Joaquin Phoenix em cena de "Her", no qual vive um divorciado que se apaixona por um sistema operacional de computador - Warner Bros. Pictures/AP - Warner Bros. Pictures/AP
Joaquin Phoenix em cena de "Her", no qual vive um divorciado que se apaixona por um sistema operacional de computador
Imagem: Warner Bros. Pictures/AP

Ei, Google, para onde vamos?

E as empresas de tecnologia não poupam esforços para surfar nessa onda. Até privada inteligente, com caixas de som e iluminação personalizadas, você encontrava na CES.

Na verdade, graças aos esforços da Google e da Amazon, é relativamente simples permitir que um dispositivo seja integrado aos assistentes virtuais: basta inserir e programar um pequeno e barato chip, como o Google Assistant Connect ou a Alexa Connect Kit e, voilá, até o assento pode responder a comandos de voz. Com isso, a tendência é realmente mais e mais dispositivos sejam integrados às assistentes.

As principais gigantes de tecnologia investem nessa tendência. A Google tem o Assistant; a Amazon, a Alexa; a Apple, a Siri; a Microsoft, Cortana; e a Samsung, Bixby. Mas, quem domina o mercado e disputou os holofotes na CES foram a Google e a Amazon. Inclusive, já reparou que essas assistentes todas têm nome de mulher?

A disputa das empresas pode ser entendida com os números do mercado norte-americano. De acordo com a Adobe e a Pew Research, 32% da população tem alto-falantes inteligentes, dispositivos conectados aos assistentes virtuais, capazes de controlar outros eletrônicos por comandos de voz. Em setembro de 2018, a Amazon detinha 64,6% do mercado norte-americano, enquanto o Google, 19,6%.

No mundo, a diferença é menor, mas a tendência se mantém. A consultoria Strategy Analytics aponta que, no segundo trimestre de 2018, a Amazon dominava 41% do mercado de alto-falantes inteligentes, seguida pelo Google, com 28%.

A PwC mostra que 90% dos norte-americanos conhecem a tecnologia das assistentes virtuais e, dessas, 72% já usaram pelo menos uma vez.

O Google afirma que já tem o Assistant rodando em mais de 1 bilhão de dispositivos, mas a maioria deles são smartphones equipados com o sistema operacional Android. Eles contam com 1.600 parceiros e venderam 10 mil dispositivos para as casas. Já a Amazon, que não conta com a Alexa nos smartphones, está em 100 milhões de aparelhos, vendeu 28 mil unidades para as casas e conta com 4.500 parceiros. Os números são da CNBC.

Se as fronteiras para os assistentes de voz são distantes, eles podem chegar rápido. Como observa a Atlantic: "Demorou quase 30 anos para os celulares ultrapassarem os humanos em número. Alexa e sua turma podem chegar lá em menos de metade do tempo".