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Ativistas discutem no Path como repensar a morte pode ajudar a viver melhor

Luiza Pollo
iStock

Tem quem fuja do assunto, até da palavra. Mas é inevitável: a morte vai chegar para todos nós. Antes de bater na madeira e parar de ler este texto o mais rápido possível, conheça duas pessoas que lutam diariamente para mostrar que falar sobre a morte é uma das coisas mais benéficas que você pode fazer na sua vida.

Ana Michelle Soares é jornalista, tem 36 anos e há oito vive com câncer de mama. Ela optou por fazer tratamento com cuidados paliativos, ressignificar a vida que tem e inspirar outras pessoas com a doença pelo Instagram @paliativas.

Tom Almeida se considera um ativista pela ressignificação da morte. Ele é criador do movimento inFINITO, uma plataforma de eventos e conteúdo sobre morte e cuidados paliativos, e tem projetos como o Cineclube da Morte e o Death Over Drinks. Os nomes por si só já fariam muita gente atravessar a rua para passar longe, mas na verdade têm propósitos bem mais "good vibes" do que você imagina.

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"YOLO" não é só hashtag

"Acho que as pessoas não falam de morte e não querem pensar que a vida acaba porque elas gostam da ilusão de que daqui a pouco elas resolvem os sofrimentos. Do tipo 'quando eu me aposentar, vou ser feliz'", opina Ana Mi, como é conhecida.

A ideia é perceber e refletir sobre a vida - a única que você tem. YOLO (You Only Live Once, ou Você Só Vive Uma Vez, em tradução livre) ganha sentido além da hashtag que já acumula quase 30 milhões de posts no Instagram. É preciso ter consciência de verdade de que nosso tempo é limitado.

Hoje, as pessoas mais saudáveis que eu conheço são as mais doentes. A gente quer ser tão inovador em tecnologia, ganhar mais dinheiro, e ninguém está disposto a olhar para dentro e falar: o que eu estou fazendo do meu tempo?
Ana Mi, jornalista e responsável pelo projeto @paliativas

Ana Mi e Tom Almeida vão participar da palestra "Re-thinking Death" ao lado de Ivo Machado e Luciana Branco durante o Festival Path deste ano. Em 2019, o evento é apresentado pelo TAB e ocorre nos dias 1 e 2 de junho em vários pontos da Avenida Paulista, em São Paulo.

A morte hoje é um dos temas de mais vanguarda no mundo. É algo a ser falado, tanto do aspecto do autoconhecimento - quando tenho consciência da finitude, começo a olhar mais para as minhas escolhas, meus desejos - e também como algo que abre espaço para conexões, porque você começa a entender que o que vale são as relações com os outros
Tom Almeida, criador do movimento inFINITO

Foi o que aconteceu com Ana Mi quando ela descobriu que o tumor estava em estágio metastático - ou seja, as células haviam se espalhado para outras partes do corpo. Ela conta que não se sentia representada nem amparada, já que as histórias sobre câncer costumam ser apenas as dos pacientes curados. Foi quando decidiu começar o @paliativas om uma amiga e ressignificar o tempo de vida.

A jornalista relata que o contato mais próximo com a morte mudou positivamente a atitude dela no dia a dia. "Eu vivia sob muito julgamento e vontade de entregar tudo com perfeição. Quando fiquei doente, falei: espera aí. O que eu quero fazer nesse tempo? Quem sou eu de verdade?", lembra.

Qualidade de morte

E como se fala em inovação para a morte? Almeida lembra que estamos mais acostumados a pensar em técnicas novas para postergá-la. "Todo esse movimento da medicina é maravilhoso, mas foi afastando a morte da nossa vida. Antes, era muito normal ter uma pessoa em casa que faleceu de repente", observa. As pessoas morriam de uma hora para outra e todo o ritual acontecia dentro de casa. "Era tudo muito vivido, e com a evolução da medicina delegamos isso ao hospital", completa.

Porém, quando se trata de transformar a morte num momento menos doloroso, o Brasil ainda tem muito a melhorar. No último Quality of Death Index (índice de qualidade de morte, em tradução livre), divulgado pela revista "The Economist" em 2015, ficamos em 42° lugar. Quando o assunto são cuidados paliativos, então, caímos para 64° lugar. E ainda por cima estamos abaixo da média na correlação entre gastos com saúde e qualidade de morte. O índice leva em conta os recursos e o engajamento público para que as pessoas tenham mortes confortáveis, ou seja, vivam bem até seu último momento.

Ana Mi leva como missão desenvolver ações nesse sentido. "Levantar a autoestima dos pacientes, mostrar para os familiares que eles não precisam aceitar submeter seus entes queridos a procedimentos desnecessários. As equipes [dos hospitais] precisam acolher bem os pacientes curados, os que vão se curar, os doentes, os metastáticos e também os que estão morrendo", defende.

É nesse 'repensar a morte' que Almeida vê boas oportunidades de negócios. "No Festival Path, vou falar sobre como o design thinking pode ajudar a ressignificar a experiência da morte, quais são os serviços e produtos que podem ser oferecidos."

Ele cita, por exemplo, a oferta de novos tipos de celebração de funerais e a preparação de atendentes de serviços funerários para atender ao público. O objetivo é claro, nas palavras de Ana Mi. "Quando eu fechar esse livro, quero que contem a minha história assim: Nossa, foi uma p*#@ vida da hora."