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É tendência: millennials abandonam, e geração Z nem entra nas redes sociais

Marcus Leoni/Folhapress
Imagem: Marcus Leoni/Folhapress

Marília Marasciulo

Da agência Eder Content, em colaboração para o TAB

12/11/2019 04h01

Júlia, 13 anos, não tem e nem quer ter um perfil em uma rede social. Stephanie Steponovicius, 32, saiu do Facebook há exatamente um ano. Rodrigo Duarte, também com 32 anos, só tem conta no WhatsApp, e ainda assim chegou tarde, em 2017. Ele não dá bola para as pressões de amigos que pedem para criar um perfil: "Não tenho, não preciso e não gosto", responde.

Todos eles engrossam o movimento apelidado pelo jornal britânico The Guardian de "logged off", ou desconectados, que tem ganhado cada vez mais adeptos mundo afora. Encabeçado principalmente por millennials (os que nasceram entre os anos 1980 e o começo dos anos 2000, caso de Stephanie e Rodrigo) e adolescentes da geração Z (nascidos na era da internet, como Júlia), o fenômeno contraria a ideia de que é impossível escapar das redes sociais no mundo contemporâneo.

Cada vez mais, pesquisas recentes têm apontado a tendência. Uma delas, feita com estudantes de colégios britânicos, revelou que 63% deles ficariam felizes se as redes sociais nunca tivessem sido inventadas. Nos últimos anos, o número de jovens que consideram as redes sociais importantes caiu de 66%, em 2016, para 57%, em 2018.

Outro estudo divulgado em março deste ano, da Infobase Interativa, reuniu pesquisas de consultorias especializadas em hábitos de consumo digital para mostrar que a desintoxicação das redes está em alta: 64% dos jovens estão dando uma pausa nelas e 59% querem excluir o perfil no Facebook. Há ainda estimativas que apontam que 30% dos millennials vão abandonar as redes em algum momento da vida.

Embora o império de Mark Zuckerberg, composto por Instagram, Facebook e WhatsApp, registre 2,2 bilhões de usuários ativos todos os dias, o próprio Facebook tem sentido os efeitos dos desconectados. Nos últimos dois anos, a rede perdeu 26% do engajamento médio por usuário, que reduziu o uso de 14 horas ao dia para 9 horas ao dia. Ainda assim, o número é bem chocante. "Saí do Facebook porque me consumia muito tempo, entrava e ficava rolando o feed, lendo tudo", diz Stephanie. "Não sinto a menor falta e nem lembro que tinha Facebook, inclusive tenho visto cada vez mais amigos saírem de lá."

Um vício que pode ser tóxico

Motivos não faltam para dar um tempo. Uma pesquisa do Royal Society for Public Health, do Reino Unido, mostrou que as redes sociais viciam mais que álcool e cigarro. Outro estudo, esse publicado no periódico científico Lancet, mostrou que os sintomas de depressão aumentaram 50% (para meninas) e 35% (para meninos) entre adolescentes de 14 anos que passaram mais de cinco horas por dia nas redes sociais.

"As redes sociais abriram um campo sem controle, muitas viraram um lugar para destilar ressentimentos e desagrados", afirma a psicóloga Blenda de Oliveira, da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP).

"Se a pessoa ainda não tem o senso crítico bem formado, esse pode ser um ambiente tóxico", argumenta. No dia a dia do consultório, a psicóloga frequentemente ouve queixas sobre os efeitos das redes em questões como emagrecimento, beleza e padrões de renda.

Millennials dançam no parque - Stock Abode - Stock Abode
Imagem: Stock Abode

Ainda que no fundo tudo esteja meio interligado, essas não são as justificativas mais comuns dadas pelos jovens para abandonar as redes. Uma das mais recorrentes é a preocupação com a segurança das plataformas. No Reino Unido, uma pesquisa do YouGov divulgada em outubro revelou que 63% dos entrevistados perderam a confiança nelas, e 61% têm mais cuidado com a privacidade das postagens.

Escândalos como o da Cambridge Analytica, que violou a segurança de dados de 50 milhões de usuários do Facebook para influenciar o resultado de eleições, contribuíram para diminuir a confiança nas redes. Divulgado no ano passado, o vazamento foi confirmado pela plataforma de Zuckerberg, que anunciou que as contas de pelo menos 87 milhões de pessoas foram atingidas — quase 500 mil eram brasileiras.

Os desconectados também estão cansados da constante exposição e de terem que compartilhar tudo o tempo todo. "Uma vez nas redes, existe uma ideia de que você precisa fazer da sua vida um conteúdo, e isso gera vício e frustrações", diz a socióloga Luiza Futuro. Rodrigo Duarte, que só tem WhatsApp, observa isso de longe. "Já vi muita gente estressada por não ter resposta, porque ninguém está curtindo a foto ou por alguma discussão em que quer que a própria opinião prevaleça", relata. "É uma ansiedade para responder, por comentários, por likes, e (as pessoas) ficam frustradas quando eles não vêm." Esses, resume, são só alguns dos muitos motivos pelos quais ele prefere ficar bem longe das redes.

Todo mundo quem?

Junto com Filipe Techera, pesquisador de estudos culturais e comportamentais, Luiza conduz a investigação "Todo Mundo Quem?". Desde 2017, eles estudam o comportamento dos brasileiros que não estão nas redes sociais. Mesmo que o Brasil seja considerado uma potência nas redes, com quase 100 milhões de usuários, os outros 110 milhões da população do país não participam delas. Embora o principal problema seja a falta de acesso à internet, um perfil chamou a atenção dos pesquisadores, que eles chamaram de nativos sociais.

Os nativos sociais nada mais são do que os "desconectados": não têm nenhuma barreira para acessar as redes, mas optam pelo "melhor não". Mais do que por preocupação com segurança e excesso de exposição, fazem isso por sentirem falta do olho no olho. Eles valorizam a presença completa, no mais puro estado de atenção, durante as interações. "Hoje as pessoas estão só perto umas das outras, não realmente juntas", diz a adolescente Júlia.

Leandro quer casamento desconectado - Leandro Amaral - Leandro Amaral
Imagem: Leandro Amaral

Os pesquisadores brasileiros observaram que os nativos sociais não deixam de usar as tecnologias, nem são excluídos do tecido social. Muito pelo contrário. "Alguns nos disseram 'parece contraditório, porque estou fora das redes, mas eu gosto de conversar'", relata Techera. "São pessoas que gostam da internet, mas estão cansadas deste tipo de rede."

É exatamente o caso de Júlia: ela conta que adora navegar na internet, mas usa esse tempo para ler histórias, assistir a vídeos no YouTube e ouvir música.

Ficar fora dá trabalho

O curioso, porém, é que nos últimos anos a internet tem virado sinônimo de redes sociais. "Tanto que, quando perguntamos às pessoas quais as maiores qualidades das redes sociais, elas mencionaram qualidades da internet. Nos defeitos, voltavam para as redes sociais", diz Techera.

Os "desconectados" estão em uma vanguarda de buscar relações não mediadas pelo ambiente online e de ressignificar esse ambiente. "Os problemas são menos das ferramentas do que do uso que fazemos delas", explica a socióloga Luiza. "Resta ver qual lógica irá fazer sentido para esse novo contexto."

Mas isso ainda pode demorar. Primeiro, porque muita gente ainda vai entrar nas redes — só no Brasil há um potencial inexplorado de metade da população, com camadas que não têm acesso mas têm desejo de acessá-las. Segundo, porque por mais forte que esse movimento esteja se tornando, a decisão de sair das redes dá trabalho.

Além da dificuldade de abandonar o hábito, de fato pode ser difícil criar e manter relações sociais sem estar nelas. Uma estudante que participou da pesquisa "Todo Mundo Quem?", por exemplo, disse que a vida prática das aulas ficou prejudicada por ela não ter WhatsApp. Ela não ficava sabendo de mudanças em datas de entregas ou provas importantes, ou de encontros da sala, entre outros.

Nada impede, no entanto, que cada vez mais Júlias, Stephanies e Rodrigos equilibrem a "dieta da conectividade" de hoje, como explica Luiza. Afinal, como bem lembra Rodrigo, até pouco tempo atrás, isso tudo nem existia.