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Padres brasileiros relatam momentos de tristeza e apreensão em Roma

Padre Márcio França e o Papa Francisco. Número de sacerdotes mortos na Itália vítimas da Covid-19 chega a 119 - Arquivo pessoal
Padre Márcio França e o Papa Francisco. Número de sacerdotes mortos na Itália vítimas da Covid-19 chega a 119 Imagem: Arquivo pessoal

André Bernardo

Colaboração para o TAB

05/05/2020 04h00

Foi um aniversário atípico. Em 31 de março, o padre Márcio França, da Arquidiocese de Londrina, no Paraná, completou 35 anos. Ao contrário das vezes anteriores, não ganhou bolo, nem teve festa. "Não é uma sensação das mais agradáveis, admito. Mas agradeci a Deus, mais do que nunca, pelo dom da vida", relata o padre que, há três anos, estuda na Pontifícia Universidade Gregoriana e mora no Colégio Pio Brasileiro, ambos em Roma.

Não havia mesmo o que comemorar. Naquele dia, a Conferência Episcopal Italiana (CEI) contabilizava 66 presbíteros diocesanos mortos com Covid-19. Em 4 de maio, esse número havia subido para 119. Um aumento de mais de 80%.

Com o avanço do novo coronavírus, 14 dos 67 padres que residem no Pio Brasileiro — residência oficial dos sacerdotes brasileiros que estudam na capital italiana — optaram por regressar ao Brasil. É o caso do padre Arnaldo Rodrigues, de 43 anos. Depois de passar seis anos e meio em Roma, ele concluiu seu doutorado em Comunicação pela Universidade de Roma La Sapienza. "Já tinha agendado minha volta para o início de junho. Apenas antecipei meu retorno", comenta o padre da Arquidiocese do Rio de Janeiro (RJ), que saiu de Roma em 14 de março, às 21h50.

Padre Arnaldo Rodrigues, da Arquidiocese do Rio de Janeiro - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Padre Arnaldo Rodrigues, da Arquidiocese do Rio de Janeiro
Imagem: Arquivo pessoal

Pouco antes de tomar o caminho de casa, padre Rodrigues precisou ir até a Embaixada do Brasil, em frente à Basílica de São Padro, buscar um documento. "A cidade de Roma, sempre alegre e solar, estava triste e nublada. Tive vontade de chorar", confessa. Ao desembarcar no Rio, ele e outros cinco sacerdotes cariocas seguiram para o Centro de Estudos do Sumaré, no Rio Comprido, Zona Norte, onde cumpriram quarentena. Durante os 15 dias de isolamento, rezaram, estudaram e, para a felicidade de todos, testaram negativo para Covid-19. "Senti um misto de alívio e apreensão. Alívio por estar de novo em casa e apreensão por não saber 'quando' e 'como' tudo isso vai terminar", avalia o padre.

Quem fica

Outros sacerdotes, porém, preferiram continuar em Roma. Padre Márcio França é um deles. "É claro que fiquei temeroso de contrair a doença, mas, veja bem: estou na reta final do doutorado. Em comum acordo com meu bispo, optei por só voltar ao Brasil depois de terminar os estudos", justifica o sacerdote que, com o fim das aulas presenciais na Pontifícia Universidade Gregoriana, passa a maior parte do tempo na biblioteca do colégio, escrevendo sua tese de Doutorado em Direito Canônico.

A rotina no Pio Brasileiro, colégio onde o padre Márcio França mora em Roma, mudou bastante. Em 86 anos de existência, o colégio abrigou mais de 2,2 mil alunos. Desses, 170 foram nomeados bispos e sete deles chegaram a cardeal. Desde o dia 10 de março, vive em isolamento. Ninguém entra, ninguém sai. Alguns funcionários foram dispensados. As tarefas que cabiam a eles — como a limpeza de banheiros, corredores e capelas — passaram a ser realizadas pelos próprios "padres-estudantes". Por medida de segurança, trocaram uma capela de médio porte por outra, bem maior. No refeitório, as mesas que têm capacidade para acolher seis pessoas passaram a comportar apenas três.

Passamos por três fases: indiferença, medo e aceitação. Não acreditávamos que a pandemia pudesse chegar a Roma. Mas, quando a Itália passou a ser atacada, sentimos medo.
Padre Geraldo Maia, reitor do colégio Pio Brasileiro

Geraldo Maia explica que os sacerdotes que moram no Pio Brasileiro estão lá para estudar e, por essa razão, não desenvolvem atividades pastorais. As raras exceções — como ajudar em algumas paróquias aos fins de semana ou celebrar missas em capelas próximas ao colégio — tiveram que ser suspensas. "Nosso ministério se resume a rezar pelas inúmeras vítimas da pandemia, por seus familiares e, também, pelos profissionais de saúde que têm feito um belíssimo trabalho humanitário", resume o reitor.

Padre Geraldo Maia, reitor do colégio Pio Brasileiro, em Roma - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Padre Geraldo Maia, reitor do colégio Pio Brasileiro, em Roma
Imagem: Arquivo pessoal

"Ninguém se salva sozinho"

Ao todo, a Itália já ultrapassou a marca dos 28 mil mortos por Covid-19. Uma das vítimas frequentava a Paróquia Maria Mãe da Igreja, em Roma. Era médico, trabalhava na Lombardia — uma das regiões mais atingidas do país — e morreu em 5 de abril, Domingo de Ramos. "Infelizmente, a família não pôde sequer se despedir dele. As autoridades proibiram a celebração das exéquias, a missa de corpo presente", explica o padre alagoano Marcos André Menezes dos Santos, de 38 anos, que mora na Itália há três anos.

Seguindo as recomendações da Conferência Episcopal Italiana (CEI), as missas estão sendo celebradas a portas fechadas. Para consolo dos fiéis que estão confinados em casa, algumas delas são transmitidas pela TV ou internet. Outras atividades, como aulas de catequese, grupos de oração e círculos bíblicos, foram canceladas. "A pedido de alguns paroquianos, tenho dado bênçãos e feito orações por telefone ou computador. Já o sacramento da penitência ou confissão terá que esperar pelo fim da quarentena", explica o padre catarinense Sérgio Durigon, de 55 anos.

Vice-pároco da Igreja São João Batista, na Província de Viterbo, a 100 km de Roma, padre Durigon explica que, por recomendação das autoridades sanitárias e eclesiásticas, parou de ministrar o sacramento da unção dos enfermos, levar a eucaristia aos doentes e celebrar os funerais na Igreja. "O caixão é lacrado e levado ao cemitério. Lá, tanto o padre quanto a família são proibidos de entrar. Dou a bênção ali mesmo, na entrada. É triste, numa hora dessas, não poder consolar a família com um abraço ou um aperto de mão", reconhece.

Há mais de 30 anos residindo fora do Brasil, o padre afirma que o fato de ser sacerdote não o impede de sentir medo diante de um inimigo invisível. Perdi vários amigos padres. Um dia, eles estavam bem. No outro, caíram doentes. O sacerdote é um ser humano como outro qualquer.
Padre Sérgio Durigon, vice-pároco em Roma

Nas horas mais difíceis, o religioso procura se lembrar da benção "Urbi et Orbi" concedida pelo Papa Francisco na tarde do dia 27 de março. Numa Praça de São Pedro vazia e chuvosa, comparou a pandemia a uma "tempestade inesperada e furibunda". "Ninguém se salva sozinho", declarou o Papa. "Estamos no mesmo barco e, por isso, somos chamados a remar juntos", reitera padre Durigon.