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Bateu a 'carentena'? Como a neurobiologia explica a atração sexual

Para a antropóloga norte-americana Helen Fisher, as dinâmicas de atração podem se sofisticar na quarentena - Getty Images
Para a antropóloga norte-americana Helen Fisher, as dinâmicas de atração podem se sofisticar na quarentena Imagem: Getty Images

Luiza Pollo

Colaboração para o TAB

22/05/2020 04h00

Você tem um "tipo"? Na hora de se apaixonar, racionalidade dificilmente é uma palavra que vem à cabeça, mas os cientistas vêm tentando encontrar, há séculos, os motivos pelos quais nos sentimos atraídos por determinadas pessoas, e não por outras.

A antropóloga norte-americana Helen Fisher é uma das estudiosas de maior destaque nessa busca. Conselheira-chefe de ciência para o site de encontros Match.com e autora de seis livros sobre o tema — sendo o mais recente o relançamento de "Anatomia do Amor" —, ela decidiu recorrer à neurobiologia para entender a atração romântica e sexual dos seres humanos.

Fisher desenvolveu um teste de personalidade (que você pode fazer aqui, em inglês) e o colocou à prova na sala de tomografia, para conferir como cada sistema neurológico se manifesta de diferentes maneiras quando as pessoas estão apaixonadas. Será que você é do tipo explorador, regido pela dopamina? Construtor, com alta dose de serotonina? Diretor, com a testosterona no comando? Ou negociador, levado pelo estrogênio?

A antropóloga conversou com TAB sobre as origens biológicas da atração e como ela se manifesta em meio à pandemia do novo coronavírus.

Helen Fisher - UOL - UOL
Helen Fisher conversa com o TAB por Zoom
Imagem: UOL

A resposta está no cérebro

"Passei boa parte da minha vida tentando entender o que era o amor romântico, e fomos os primeiros no mundo a colocar pessoas em máquinas de neuroimagem para estudar esse fenômeno. O circuito básico para o amor romântico é um mecanismo de sobrevivência, e fica logo ao lado dos mecanismos de fome e sede. Fome e sede te mantêm vivo no presente; já o amor, formar uma parceria, faz com que o seu DNA te mantenha vivo no futuro. Achei que entender esse circuito cerebral seria a coisa mais difícil que faria na minha vida, mas descobri que seria ainda mais difícil entender por que nos apaixonamos por uma pessoa e não por outra. Em 2005, o [site de relacionamentos] Match.com me fez essa pergunta. Na época, eu disse: 'não sei, ninguém sabe'. Psicólogos sabem que tendemos a nos apaixonar por pessoas com a mesma situação socioeconômica, mesmo nível de inteligência, de beleza e de educação. Seus valores espirituais e sociais têm um papel, seus interesses econômicos e reprodutivos têm um papel, com certeza sua infância tem um papel. Mas você pode entrar em uma sala, todo mundo ter essas mesmas características, e você não se apaixona por todos eles. Comecei a me perguntar: será que podemos nos atrair naturalmente por uma pessoa em vez de outra? Será que a genética têm um papel nisso?"

Fisher Temperament Inventory (FTI)

"Comecei a pensar: 'ok, vamos procurar no cérebro qualquer traço ligado a qualquer sistema biológico que explique nossas reações'. Há muitos sistemas no cérebro, mas a maioria deles mantêm o coração batendo, ou os olhos piscando. Não estão ligados à personalidade. Procurando muito, descobri que há quatro sistemas cerebrais ligados, cada um deles, a um grupo de traços de personalidade. São eles os sistemas de dopamina, serotonina, testosterona e estrogênio. Então, decidi criar um questionário [Fisher Temperament Inventory] para entender o grau de expressão de cada um dos traços desses quatro sistemas cerebrais. O Match.com colocou o questionário online e mais de 14 milhões de pessoas já responderam. É importante lembrar que todos nós expressamos traços em cada um desses sistemas, o cérebro não é separado em caixinhas — você é ou isso ou aquilo —, não é assim."

Os quatro tipos de personalidade

"O primeiro tipo é dopamina. Digo que essas pessoas de exploradoras, e eu mesma sou uma delas. Essas pessoas costumam procurar novidades, arriscar, costumam ser curiosas, criativas, espontâneas, cheias de energia, mentalmente flexíveis. Elas são atraídas por pessoas como elas. Pessoas que expressam muito o sistema de serotonina — eu as chamo de construtoras — tendem a ser conformativas às normas sociais. Elas seguem regras, respeitam autoridade, gostam de planos, cronogramas, rotina. São pensadores concretos, e não teóricos. Tendem a ser mais religiosos, e também se atraem por pessoas parecidas. Nesses dois casos, a similaridade atrai. Nos dois outros, são os opostos. Se você pontua alto no sistema de testosterona — eu chamo essas pessoas de diretoras —, elas tendem a ser analíticas, lógicas, diretas, decisivas, cabeça-dura, céticas, e são atraídas pelo oposto, com estrogênio alto, que chamo de negociadoras. Essas últimas olham para o cenário como um todo, o que eu chamo de pensamento em teia. São pensadores imaginativos, que pensam no longo prazo, são muito bons em ler a postura, os gestos, o tom de voz dos outros. Tendem a ser confiáveis e com bom trato social, e mais expressivas emocionalmente. Estudei com cuidado 100 mil pessoas, das 14 milhões, e nunca vi duas pessoas iguais. Mas há padrões na natureza, há padrões culturais e há padrões de personalidade."

"Passei a não acreditar mais na regra de ouro 'aja com os outros como você gostaria que eles agissem com você'. Eu acredito na regra de platina: 'aja com os outros como eles gostariam que agissem com eles'. Entenda quem é aquela pessoa e como tratá-la. Você não precisa mudar seus ideais, só a forma como os expressa."

Real x virtual

"Nós somos outdoors ambulantes de quem somos. Online, por mensagens, em emails, ao telefone, pessoalmente, nós estamos constantemente mostrando quem somos. A conquista é uma trajetória que depende de mensagens constantes. Estamos constantemente aprendendo sobre a outra pessoa, e o cérebro é preparado para constantemente avaliar: vale a pena? Mas dá sim para ficar atraído imediatamente por alguém online. Há duas áreas do cérebro que instantaneamente são ativadas quando você está flertando — uma é a que avalia a personalidade da outra pessoa, e a outra o quanto você a considera atraente. E certamente elas são ativadas também online."

'Só' nove contatinhos

"É o paradoxo da escolha, também chamado de sobrecarga cognitiva. O cérebro simplesmente não foi feito para lidar com muitas opções. Durante milhões de anos, vivemos em pequenos grupos de caça, e as pessoas não tinham 100, 200, 500 pessoas para conhecer. Dados de diferentes fontes indicam que de cinco a nove opções é mais ou menos o que o cérebro consegue lidar. Se você vai usar a internet [para conhecer alguém] — e não há nada de errado com a internet, o problema é que não sabemos usá-la — o que você precisa fazer é: depois de conhecer nove pessoas e encontrar com elas, pare. Saia do site, do aplicativo, e conheça melhor pelo menos uma dessas nove. A segunda coisa que você precisa fazer é encontrar motivos para dizer sim. Há uma grande área do cérebro ligada ao que os cientistas chamam de viés negativo. Nós lembramos pontos negativos por boas razões darwinistas, de evolução. Mas foque no positivo."

Dicas para o seu perfil nos apps

"Estamos tentando entender quem é aquela pessoa. E, no online, o que você precisa fazer antes de mais nada é dar detalhes. Quando você descreve quem você é, descreva os detalhes. Não diga 'eu gosto de viajar'. Diga: 'no verão passado, eu fui para Laos só com uma mochila e meu livro de poesias do Shakespeare. Peguei uma moto, fui até as montanhas, depois andei de canoa no rio Mekong.' Detalhes. Mostre às pessoas quem você é com detalhes, e gabe-se um pouquinho."

Sem preocupação com sexo ou dinheiro

"Muita gente quer sair, ir a festas, ao cinema, e eu entendo isso. Então não vou ser idiota aqui e dizer que é só bom, mas a verdade é que há coisas positivas na situação que a pandemia impôs. Os solteiros estão presos em casa, eles têm tempo. Mesmo que você esteja trabalhando em casa, você não está se arrumando para ir ao trabalho, não está pegando transporte para se deslocar, você não está encontrando amigos depois do trabalho, você tem tempo. E não apenas tem tempo, como tem algo importante para conversar. Este vírus, suas esperanças, seus sonhos, suas decepções. Abrir-se dessa forma amplifica o processo de flerte. Traz sentimentos de intimidade, conexão, afeto e romance. E tem dois aspectos importantes: sexo e dinheiro saíram da jogada. Normalmente, quando você vai a um primeiro encontro, na vida real, sempre fica na cabeça: será que ele ou ela vai me beijar? Será que eu deveria? Será que eu o/a convido para a minha casa? Como lidar com o sexo? E vocês têm que decidir se vão a um café mais baratinho, a um restaurante ou bar mais caro, quem deve pagar. Isso saiu da jogada. E, por último, tem a internet para ajudar, graças a Deus! Temos conversas por vídeo, a tecnologia está nos ajudando. O Match.com fez uma pesquisa há algumas semanas, e, em um fim de semana, perguntaram a muitas pessoas o que elas têm feito para lidar com os encontros nesta época; 6% disseram que já haviam usado chamadas de vídeo para conhecer alguém antes do isolamento. Agora, 69% disseram que estariam perfeitamente felizes em conversar por vídeo ou que já tinham conhecido um match com quem gostariam de conversar por vídeo."

Novo passo

"O que vejo agora é um novo estágio surgindo no processo de conquista. Se antes você se apresentava pelo site e encontrava na vida real, agora, você conhece a pessoa na internet e conversa por ali até poder encontrá-la, depois do isolamento. É um novo estágio, e eu acho que é muito saudável. Acredito que vai ajudar a descartar potenciais encontros, e aí, quando vocês se conhecerem pessoalmente, você já vai saber que gostaria de beijar essa pessoa ou que vale a pena gastar dinheiro nesse encontro. Acho que, quando tudo isso acabar, veremos mais e mais pessoas que vão continuar a usar conversas em vídeo, e veremos menos encontros, mas esses encontros serão mais significativos, mais descontraídos."