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Nada cresceu tanto quanto o TikTok, e é por isso que Trump está de olho

Solen Feyissa/Unsplash
Imagem: Solen Feyissa/Unsplash

Juliana Sayuri

Colaboração para o TAB, de Toyohashi (Japão)

13/08/2020 04h00

TikTok, o app pop da pandemia, é o primeiro aplicativo chinês a registrar recordes de downloads no mundo. Lançada em 2017, a partir de uma fusão entre o Douyin e o Musical.ly, a plataforma pertence à chinesa ByteDance, uma das startups mais valorizadas do mercado. Até agosto, o número estimado de usuários estava na casa dos 2 bilhões.

Fenômeno global entre jovens e adolescentes, o aplicativo abriga microvídeos de até 60 segundos, de musicais e memes a mensagens políticas, inclusive indiretas. Em julho, tiktokers e fãs de kpop disseram ter registrado milhares de participantes no comício de Donald Trump, sem intenção de realmente ir até lá e, assim, esvaziar o primeiro ato da campanha de reeleição do republicano nos Estados Unidos.

Em agosto, Trump sinalizou a intenção de proibir o TikTok no país, lançando dúvidas sobre a segurança das informações compartilhadas no app, preocupado com algo do qual foi acusado: usar dados pessoais de usuários do Facebook via Cambridge Analytica, mirando as eleições de que saiu vencedor. No último dia 6, anunciou que o aplicativo deverá interromper operações no território norte-americano no prazo de 45 dias, caso não sejam vendidos para companhias de capital estadunidense; na última sexta-feira (7), o porta-voz Wang Wengbin, do Ministério das Relações Exteriores da China, caracterizou a ação norte-americana como "repressão política". O Japão também considera restringir a ferramenta, a partir de um projeto parlamentar proposto pelo Partido Liberal Democrático. A Índia já proibiu aplicativos, incluindo TikTok e WeChat.

Estados Unidos e Índia, contudo, são os maiores celeiros de influenciadores do TikTok, diagnosticou a agência HypeAuditor, que analisa tendências internacionais das redes sociais. Os norte-americanos lideram com 12,71% dos influencers globais; os indianos, na sequência, respondem por 7,77%.

Se, no início, o aplicativo era famoso por hits de humor, dublagens de filmes e desafios, agora gravações relacionadas a política marcam as timelines. Recentemente, a plataforma também passou a abrigar vídeos com foco educativo, resultado da hashtag #LearnOnTikTok, que teve mais de 7 bilhões de visualizações.

"Ninguém quer ser inimigo de um exército de tiktokers zangados", diz o analista russo Nick Baklanov, de 34 anos, autor dos levantamentos da HypeAuditor, sobre os atritos do app chinês com diversos governos. "Mas, para sermos justos, precisamos lembrar que YouTube, Twitter, Facebook e Instagram [todos norte-americanos] são bloqueados na China", pondera.

De São Petersburgo, Baklanov conversou com TAB sobre os últimos estudos da agência russo-americana, que busca identificar perfis de influencers, padrões de engajamento e dados demográficos de audiência nas redes sociais. "Para entender uma rede social, você precisa usá-la. Tenho diversas contas no Instagram, TikTok e YouTube", exemplifica ele, que é o especialista de marketing digital e informática aplicada à economia -- e, nas horas vagas, boxeador amador. "Nos últimos tempos, nenhuma plataforma cresceu tanto quanto o TikTok -- nem as americanas Dubsmash ou Triller", destaca Baklanov.

Top do TikTok

Publicada ao longo de julho e agosto, a série de estudos sobre o app analisou 3,1 milhões de influenciadores, os usuários com mais de mil seguidores no mundo todo. Estados Unidos, Índia, Turquia, Rússia e Arábia Saudita lideram o ranking. Em termos de downloads, a ordem é diferente: Índia, China, Estados Unidos, Indonésia e Brasil, segundo a consultoria SensorTower.

Nos Estados Unidos, onde o engajamento é 13% maior que a média global, a audiência é majoritariamente jovem (na casa dos 13 aos 24 anos) e feminina (49,16%). Na Índia, por sua vez, a audiência não é tão teen (a maioria tem entre 18 e 34 anos) e mais masculina (58,9%).

"É nos EUA que está o dinheiro, por isso foi importante para o TikTok conquistar esse mercado. Lá, o TikTok apostou alto: comprou muitos anúncios, pagou influenciadores do Instagram para divulgar o aplicativo etc. A popularidade da rede social é muito resultado dessa campanha de publicidade", diz Baklanov.

Sobre o argumento de Trump em relação ao uso indevido de dados, Baklanov firma que sim, o TikTok coleta muitos dados, assim como todas as plataformas de mídias sociais. "Você pode criticar qualquer app por identificar geolocalização ou ID de smartphones", pondera o autor. "O TikTok diz armazenar dados de usuários norte-americanos em servidores norte-americanos que não estão sujeitos à lei chinesa, e que devemos lembrar que as companhias chinesas não são sinônimos de Partido Comunista Chinês. Assim, a real ameaça do TikTok é o potencial de disseminar desinformação ou promover uma narrativa 'China-friendly'", acrescenta.

Em países como Índia e Brasil, diz o autor, o formato de microentretenimento (musical, leve, breve) foi crucial para o sucesso da ferramenta: o número de vídeos na linha do tempo dos influenciadores indianos é quase o dobro da média mundial (423, ante 260); o engajamento entre brasileiros, por sua vez, é 20% mais alto que a média mundial. "TikTok é uma ferramenta de autoexpressão e isso pode indicar porque o nível de envolvimento é mais alto [no Brasil] do que em outros países", propõe.

Mais da metade da audiência brasileira é feminina e jovem, de 13 a 24 anos (56,8%). No Brasil também há um ponto fora da curva global: a marca de garotas adolescentes de 13 a 17 anos ativas na plataforma (31,07%), uma porcentagem alta e que não ocorre em outros países. Yasmin, Maisa Silva, Whindersson Nunes, Anitta e Felipe Neto estão entre os maiores influenciadores do país.

Marketing, mídia e política

Desde maio, quando convocou influenciadores a se posicionarem politicamente e passou a manifestar duras críticas ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido), inclusive no jornal The New York Times, Felipe Neto vem levantando discussões sobre influenciadores e política no Brasil. E a tendência também está presente no resto do mundo, assinala Baklanov.

"Influencers têm atenção; atenção é poder", define. "Influenciadores, eles mesmos ou as pessoas por trás de suas produções, podem orientar essa atenção na direção certa [ou não]. A administração da atenção pode ser usada para vender produtos, construir marcas ou contribuir para propósitos políticos. Marketing, mídia e política estão inextricavelmente relacionados."

Para Baklanov, a audiência mais jovem tem hábitos de consumo de informação diferentes das gerações anteriores -- velocidade e mobilidade são fatores essenciais para cativar atenções. "Ainda é incerto onde isso nos levará. Mas uma coisa posso dizer com certeza: os políticos perceberam a importância das redes sociais e os bloqueios globais recentes indicam isso."

Já na Rússia, o analista considera que a tendência não é tão forte, justamente pelo perfil das novas gerações diante do governo de Vladimir Putin, que está no poder desde 2000. Em julho, os russos aprovaram, via referendo, uma emenda que permite que o presidente se candidate por mais dois mandatos, podendo governar até 2036. "Jovens russos estão muito apolíticos, nunca viram e não viveram outro sistema político além de Putin. Quase toda a TV, rádio e imprensa são estatais e não permitem dissenso. Foi construído um poder vertical", critica. "Contanto que não haja fome ou outros conflitos, o sistema segue estável. A internet é relativamente livre, você pode expressar diferentes opiniões, mas o sentimento anti-Estado não é forte. Na combinação entre marketing, mídia e política na Rússia, um quarto elemento prevalece: o dinheiro."

Trump, Putin e Bolsonaro vêm sendo criticados pela imprensa internacional por suas administrações na pandemia. No dia 1, os três líderes também foram retratados na sátira "The Coronavirus Kings" (os reis do coronavírus), produzida pela Gzero Media e publicada no YouTube.



Se na pandemia as redes sociais têm servido para amenizar a solidão e preservar conexões durante as quarentenas, também têm sido escoadouro de fake news sobre a Covid-19. Recentemente, redes como Facebook, Instagram e Twitter têm tentando enfrentar o fenômeno mais ativamente: no dia 6, o Facebook, por exemplo, removeu um post de Trump por divulgar informações falsas sobre o vírus Sars-Cov-2 e, em 7 de agosto, derrubou perfis e páginas ligadas ao clã Bolsonaro por usar contas falsas e disparar spam. O YouTube também excluiu a conta do teórico da conspiração britânico David Icke e removeu vídeo do brasileiro Olavo de Carvalho.

Baklanov considera que é justamente responsabilidade das plataformas monitorar, filtrar fake news e alertar os usuários. "O maior risco das informações falsas é desvalorizar e deslegitimar vozes de experts e instituições, além da ideia de dados objetivos, isto é, minar a habilidade de uma sociedade para se engajar em um discurso racional baseado em fatos", diz. Entretanto, o autor não é otimista sobre como controlar as redes sociais, extremamente dinâmicas e sempre sujeitas a golpes e fraudes. "Não dá para vencer essa batalha."