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Do doo-wop ao K-pop: sucesso garantido, boy bands vestem todas as cores

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Thiago Varella

Colaboração para o TAB

26/08/2020 04h00

O grupo BTS acaba de quebrar um recorde: o vídeo de seu novo single, "Dynamite", o primeiro cantado todo em inglês, alcançou 100 milhões de visualizações em 24 horas no YouTube, a maior audiência da plataforma até hoje. As boybands seguem infalíveis na música pop — e a Coreia do Sul permanece invicta no pódio da maior produtora de boybands do século 21.

Se você se liga em música, deve ter presenciado ondas de boybands atingindo o Brasil de tempos em tempos. Aliás, admita: seja homem ou mulher, você provavelmente dançou em algum momento ao som de "Não Se Reprima", dos Menudos, "Step by Step", do New Kids on the Block, "I Want It That Way", do Backstreet Boys, ou "Manequim", do brasileiríssimo Dominó.

Quem está entrando agora na vida adulta ouviu muito One Direction nos últimos anos — e muitas adolescentes de hoje são fãs dos sul-coreanos do BTS. O fenômeno das boy bands aparece regularmente, e as bandas já surgiram em diversos cantos do planeta.

Os anos 1980 foram das bandas latinas como os Menudos, de Porto Rico ou o Dominó e o Polegar, do Brasil. Depois, as boy bands estouraram nos países anglo-saxões, em especial nos Estados Unidos e no Reino Unido. Agora, quem brilha são os grupos sul-coreanos, refletindo a febre mundial do k-pop.

Em 1986, o grupo Menudo fez um show para o Morumbi lotado - Divulgação - Divulgação
Em 1986, o grupo Menudo fez um show para o Morumbi lotado. A febre era tão grande que uma multidão invadiu o gramado e tudo quase terminou em uma tragédia. O piloto do helicóptero que levaria o grupo para o hotel teve que fazer uma manobra arriscada
Imagem: Divulgação

"As boy bands são um fenômeno cíclico que a gente vê acontecendo de geração em geração. Como fenômeno cultural, não vai acabar. Sempre volta para o gosto do público muito rápido", afirmou Babi Dewet, escritora e especialista em cultura pop sul-coreana.

O que é uma boy band?

Afinal, quais são as características que definem uma boy band? A jornalista americana Maria Sherman, especializada em cultura pop e autora de "Larger than life: a history of boy bands from NKOTB to BTS" (Maior que a vida: uma história sobre as boybands, de New Kids On The Block to BTS), lançado em julho, tem uma definição que cabe a todos os grupos já citados pela reportagem até agora.

"É um grupo composto por rapazes adolescentes ou no começo da idade adulta, bonitos, que cantam bem, sabem dançar, usam roupas que combinam, são focados em agradar uma plateia predominantemente feminina, cantam canções de amor — mas não falam em sexo — e são capitaneados nos bastidores por um empresário que define absolutamente tudo na banda", disse Sherman, em entrevista ao TAB.

Em geral, cada integrante da banda cumpre uma função pré-definida: tem o galã, o fofinho, o responsável, o da voz mais potente, o tímido... O produtor musical Afonso Nigro, 49, conhece bem esses papéis. Nos anos 1980, ele era o "da voz potente" no Dominó, a primeira grande boy band brasileira.

Nigro tinha apenas 14 anos quando participou de uma audição para participar da banda. Eram centenas de garotos tentando um lugar no grupo a ser formado; a senha de Afonso Nigro para se apresentar era o número 331. "Quando entrei no estúdio, cantei 'Superfantástico', do Balão Mágico. O produtor deixou o microfone ligado e, assim que me ouviu, disse: 'Já temos o cantor.' Nunca vou esquecer", contou.

Depois da escolha de Nigro, os produtores foram atrás dos outros três rapazes que iriam compor a banda. "O Marcelo [Rodrigues] era o cara lindo, um Brad Pitt. O Nill tinha um sex appeal, uma coisa mais de homem, já que era o mais velho. E o Marcos [Quintela], era o moleque o grupo", explicou. Esta foi a primeira formação do Dominó — um grupo brasileiro pensado nos moldes dos Menudos pelo então apresentador e empresário Gugu Liberato (1959-2019).

Hoje em dia, Nill virou pastor, Marcos Quintela é CEO do Grupo Newcomm, Marcelo Rodrigues é empresário e mora nos EUA e Afonso Nigro, além de produtor musical, tem uma empresa que agencia shows. Gugu também criou uma outra boy band brasileira, o Polegar. Alex Gil foi um dos membros do grupo. O cantor, hoje com 45 anos, quase foi parar no Dominó. "Acabei não indo pro Dominó porque eu não dançava. Daí o Gugu teve a ideia de montar outro grupo. Ele selecionou os meninos e pagou professores de música pra eles", contou.

O Dominó também teve aulas de coreografia e de música, mudou o visual e ganhou guarda-roupas novos. "Se preocuparam até o com o tom das roupas. Contrataram um figurinista espanhol que desenhou todos os nossos figurinos. Nosso produtor, Oscar Gomes, tinha experiência com grupos latinos. Ele me tirava o sangue para conseguir a perfeição", lembrou Nigro.

Preocupação com a música

Parece óbvio, mas a música também era uma preocupação. Sim, um grupo de rapazes bonitos, que dançam bem e que já tinham um monte de fãs meses após seu surgimento nem precisaria se preocupar com a música; de fato, o primeiro disco do Dominó é recheado de canções bobinhas sobre amor.

Já no segundo disco, a banda veio com uma música que dizia o seguinte: "Tô pê da vida / Tão pondo fogo no planeta / E quem não tá vira careta / A fina flor do preconceito / De cor, de raça, de sujeito". "P da Vida" não tinha cara de boy band — mas foi um grande sucesso. "A música parece que fala de hoje. Foi uma versão do Edgard Poças para uma música do Lucio Dalla, que falava de outra coisa. 'P da Vida' foi a música que nos fez tocar em rádios FM", explica Nigro.

Mesmo os grupos com as letras mais melosas de amor precisam se preocupar com a qualidade de suas canções. Para o professor norueguês Kai Arne Hansen, especialista em cultura pop na Universidade de Ciências Aplicadas da Noruega, as boy bands nunca teriam alcançado o sucesso sem qualidade musical.

"É uma crítica comum feita a boy bands e ao pop em geral, que a música deles é secundária ou ruim. Eu vejo essa acusação como um indicativo de policiamento da masculinidade dos integrantes das boy bands e uma desvalorização de seus fãs, geralmente formado por mulheres jovens", afirma.

Bank of Harmony, em 2019: quarteto homenageia as 'boybands de barbearia' - Wikimedia Commons - Wikimedia Commons
Bank of Harmony, em 2019: quarteto homenageia as 'boybands de barbearia'
Imagem: Wikimedia Commons

O surgimento das boy bands

De acordo com Hansen, se o pop já é visto como um gênero musicalmente inferior, as boy bands são o símbolo negativo dessa música dita comercial. Puro preconceito elitista. Não há total certeza de como ou quando esses grupos começaram, mas é consenso de que a origem está nos grupos de harmonia vocal formados por homens no fim do século 19. "A genealogia das boy bands começa com os chamados grupos de barbearia norte-americanos. A proeminência das harmonias vocais é uma característica musical compartilhada por eles, além da tendência de se vestir com roupas que combinam e acessórios parecidos", explicou Hansen.

The Jackson 5, em especial da TV norte-americana em 1971 - Wikimedia Commons - Wikimedia Commons
The Jackson 5, em especial da TV norte-americana em 1971
Imagem: Wikimedia Commons

Outros precursores das boy bands incluem grupos de doo-wop e os grupos vocais formados por negros nos anos 1960, como os Tempations e o Jacksons 5. "Existe muitos debates sobre essa origem. Acho que elas iniciam quando homens começam a cantar música secular [não-religiosa] juntos, em uniforme. Nos EUA, nos grupos de barbearia e, especialmente, no doo-wop dos anos 1940, criado pela juventude negra depois da Segunda Guerra Mundial", diz Maria Sherman.

Também não é nenhuma heresia dizer que os Beatles — sobretudo no início da carreira — eram sim um tipo de boy band. Mas, para Sherman, a primeira boy band moderna foi os Menudos, em Porto Rico, e o New Edition, em Boston. "Sim, os negros inventaram a estrutura das boy bands modernas. Mas as boy bands estão em todos os lugares o tempo todo. Hoje, as mais populares internacionalmente estão no K-pop", afirma.

K-pop

Se você não é fã de K-pop, provavelmente, não sabe nem ao menos dizer bom dia em coreano — mas adolescentes brasileiras estão se matriculando em aulas do idioma para entender tudo o que seus ídolos cantam.

As boy bands coreanas são criadas em processos meticulosos que podem demorar anos. Tudo começa com uma empresa de entretenimento que coloca anúncios para escolher adolescentes para as bandas. Uma vez selecionados, eles passam a trabalhar nessas empresas.

"Os candidatos a ícones do K-pop treinam em diversas áreas artísticas, muitas vezes durante anos. Essa é a chamada cultura do idol coreano: são modelos de astros perfeitos, que não falam da vida pessoal — e que todo mundo quer ser igual, quer ter como amigo, fazer parte daquilo. Eles têm uma relevância imensa dentro da sociedade. Muitas discussões que estão ajudando a modificar as pautas de comportamento vem desses idols", conta Babi Dewet.

Para Maria Sherman, não há tanta diferença entre uma boy band de K-pop e, por exemplo, e os Backstreet Boys. Na Coreia do Sul, as bandas têm mais membros e eles são mais definidos por suas habilidades. "Lá tem o líder do grupo, o vocalista principal, o dançarino, o rapper. Mas também tem o novinho, o bonitão. Não é tão diferente quanto a mídia gosta de mostrar", diz.

A boy band Backstreet Boys - Reprodução - Reprodução
A boy band Backstreet Boys
Imagem: Reprodução

Importante é agradar

"As boy bands existem por causa do interesse e da experiência de criação de identidade para os fãs — não só identidade sexual, mas também seus interesses artísticos e culturais", explica Sherman.

Talvez por isso, as boy bands são um fenômeno que deve perdurar por muito tempo. Seja em Porto Rico, no Brasil, nos EUA, na Coreia do Sul ou em qualquer outra parte do planeta.