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'Proibidão' pela Anvisa, 'melzinho do amor' faz sucesso na 25 de Março

Richard* é um dos poucos a vender melzinho no meio da rua na 25 de Março - André Porto/UOL
Richard* é um dos poucos a vender melzinho no meio da rua na 25 de Março
Imagem: André Porto/UOL

Tiago Dias

Do TAB, em São Paulo

15/08/2021 04h00

"Bem trajado e com melzinho", é o que diz um dos funks do momento e o que garante um dos puxadores da rua 25 de Março, no centro de São Paulo, ao ser perguntado sobre o "melzinho do amor". Como muitos rapazes posicionados ali, ele segura uma espécie de menu com imagens de tênis, roupas e joias que podem ser encontrados no paraíso do comércio popular do Brasil. O item solicitado não aparece no folheto plastificado, mas ele garante a entrega ali mesmo, em alguns minutos. "É só estoque, patrão. A gente que trabalha aqui retira e entrega na rua pro cliente."

Melzinho do amor, melzinho árabe e melzinho da revoada são alguns dos nomes de um produto que viralizou entre os jovens em busca de uma noitada da boa — e, em tempos de pandemia, muitas vezes clandestina. Não se trata de bebida alcoólica, uma droga nova, mas do "puro mel da montanha", conforme diz a caixa com inscrições em árabe. Não demorou para que muitas músicas do funk (mas não só) citassem o famoso melzinho, fazendo propagar ainda mais a fama do tal néctar: a de um poderoso estimulante sexual que faz "milagres".

Não à toa, este é o público que mais procura pelo item ali. "O pessoal de mais idade conhece mais o azulinho", comenta o rapaz, se referindo ao Viagra, medicamento indicado para tratamento de disfunção erétil. Não que seja o caso dos mais novos, como ele. "É mais para manter o pique e aproveitar a revoada", diz, num sinônimo atual para festança regada a muita bebida e libido. O boom, ele diz, aconteceu em maio. "Foi quando saiu a música do MC Ryan SP e todo mundo veio atrás."

De pele albina e tatuagem escrita "blessed" (abençoado) na sobrancelha esquerda, o puxador lembra o personagem descrito em "Bololo Gordinho", de MC Ryan SP, apenas uma das dezenas de músicas que fazem referência ao aditivo: tem 20 e poucos anos, todo tatuado, gordinho, bem trajado e com melzinho. Ou quase. "Eu tomei, mas não achei muito bom não. Acho que eu tinha bebido demais", diz.

Proibido pela Anvisa, melzinho do amor faz a cabeça na 25 de Março - André Porto/UOL - André Porto/UOL
Imagem: André Porto/UOL
As caixas de mel podem ser encontradas facilmente nas ruas mais afastadas da via principal - André Porto/UOL - André Porto/UOL
As caixas de mel podem ser encontradas facilmente nas ruas mais afastadas da via principal
Imagem: André Porto/UOL

"Melzinho, patrão?"

Com a procura em alta, o melzinho do amor passou a ser vendido online, em sites conhecidos de comércio eletrônico, perfis de influenciadores, grupos de WhatsApp, sex shops, postos de gasolina e adegas, onde o sachê muitas vezes integra um kit com bebidas, oferecido até mesmo em aplicativos de delivery. Tudo isso apesar da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ter proibido a comercialização por não ter registro no órgão. "Nenhum lugar aqui vai estar exposto. Não pode. É igual (artigos de) tabacaria, não pode", explica o puxador.

No entanto, é só adentrar a massa de pessoas, especialmente nas ruas perpendiculares, para a caixa de melzinho começar dar as caras ao lado de outros itens ilegais, como desbloqueador de canais e aparelho de choque Taser.

"Olha o melzinho patrão", diz Richard*, 36, rivalizando com as caixas de som e outros vendedores aos gritos. Ele é um dos poucos que ostenta as embalagens num cavalete improvisado no meio fio. Com cores que variam entre preto, dourado e vermelho, as caixas têm nomes diversos, mas o que mais sai é o Vital Honey. "Todos têm o mesmo efeito, mas os MCs fizeram divulgação mais desse, tanto que a caixa desse com 12 sachês sai por R$ 210".

De óculos, cabeça calva e barbicha no queixo, ele garante, sorridente — e sem máscara: "São todos originais". De onde? "Ih, c******, como é que é?", e vira o verso da caixa para checar a informação. "É tudo da Malásia, é árabe."

Na caixa, a composição se resume a "mel da montanha", raiz de uma planta conhecida como "gingsen da Malásia", além de canela e caviar em pó. E só. "Tenho cliente que tomava Viagra e agora toma só melzinho. O Viagra é do momento, acelera o coração ali na hora e só. Isso aqui não, fica três dias no organismo. Encostou, subiu." Ele atesta: "Toda sexta-feira eu tomo, misturo com caipirinha. À noite parece uma marreta". Ele observa, porém, que se tivesse a idade do público-alvo, não tomaria. "Eu com 22 plantava bananeira, mas sabe como é, homem é meio ogro."

O item em ascensão não é exclusivo para homens. Vendedora de roupas no quiosque ao lado, Gislaine, 20, diz que compra um sachê com Richard todo sábado. "É quando vou ver o boy". Ela relata a sensação: "Me deu um calor, tirei até a blusa. É um fogo." Ao lado, a amiga Jéssica, 21, ri. "É bom para as festas, porque mulher, querendo ou não, é mais difícil de se soltar", diz, mostrando um "boomerang" em que aparece com a amiga chupando um sachê. "Se bem que tem os homens moles também. Encostou, gozou", reclama.

Enquanto ela explica, um homem para na banca e pergunta: "Acelera o coração?". "Não dá nem dor de cabeça. Só tomar meia horinha antes", garante Richard. O cliente analisa e compra um sachê por R$ 30. Faz menção de atravessar a rua, mas volta: quer 2 por R$ 50. "Eu vim de Santos e lá todo mundo tá tomando bastante. Vou experimentar", diz. Tem 29 anos.

Richard se mostra bem inteirado da investigação da Anvisa em torno do novo produto, mas garante que nunca teve problemas por vender o "melzinho" ali. Ele aponta para uma base policial no fim da rua: "Eles até compram aqui comigo".

Jessica mostra "boomerang" em que aparece chupando sachês com o famoso "melzinho" - André Porto/UOL - André Porto/UOL
Jessica mostra "boomerang" em que aparece chupando sachês com o famoso "melzinho"
Imagem: André Porto/UOL

Dourado como ouro

Antes de trabalhar na 25, o vendedor tinha uma agência de segurança, que o fez atender alguns artistas do samba e do pop. Ele mostra fotos com os famosos no celular. Na pandemia, o serviço mingou. "Meus irmãos que trabalham aqui me chamaram, era uma forma de não ficar parado. Aqui nunca parou", conta.

Começou na venda de brinquedos, mas logo migrou para um artigo que chegava em peso na mão de comerciantes árabes da região. Ele ainda mantém uma banca para venda de pendrives, mas o dourado do melzinho reluz mais forte. "Tiro R$ 400 por dia, só de lucro", diz. Ele indica onde encontrar as lojas dos imigrantes.

Longe da via pública, esses comerciantes preferem os boxes mais afastados dentro de galerias. Artigos de tabacaria, como vapers e narguillés, são os mais vendidos ali, e não é diferente na loja de Aisha*, vinda do Iraque há 14 anos. Desde o fim do ano passado, porém, o mel ganha destaque na vitrine e nas vendas.

Sozinha, ela atende a quatro jovens ao mesmo tempo. Dois rapazes, que trajam boné e blusa de tricô, tentam negociar um desconto. "Aceita Pix?", pergunta um deles, carregando uma pequena malinha com estampa da Gucci. A sacola está cheia de caixas de mel, vapers e essências. Ninguém quer conversa, mas Aisha, depois, revela: "Só naquela sacola tem R$ 4 mil. Eles são da Bahia, vêm de três em três meses para comprar e revender."

Com lenço azul na cabeça, ela diz não sabe a origem do "melzinho". "Eu só trabalho aqui uma vez por semana, é do meu marido. Eu nunca usei nada disso", diz. "Mas é tudo natural."

No box de Aisha*, compras no valor de R$ 4 mil - André Porto/UOL - André Porto/UOL
No box de Aisha*, compras no valor de R$ 4 mil
Imagem: André Porto/UOL

Mel probidão

Não é o que diz a Anvisa. O órgão afirma que o produto não possui registro e autorização para a comercialização e o uso no Brasil, por isso não há conhecimento sobre a real composição. Existe ainda a suspeita de que os sachês tragam doses não confiáveis de sildenafila, substância vasodilatadora encontrada no Viagra e genéricos, medicamentos devidamente autorizados e dedicados apenas ao público masculino. "Esses produtos podem, inclusive, conter substâncias tóxicas", diz a nota.

Em maio, enquanto a procura por "melzinho do amor" crescia vertiginosamente no Google, o órgão abriu um dossiê de investigação sanitária, que corre em sigilo, e proibiu a comercialização, a propaganda e o uso das seguintes unidades: Power Honey; Rala Rala Energy Drink. No dia da visita na 25, apenas Vital Honey foi encontrado entre dezenas de caixas com nomes diversos, entre eles, "Lady in Red", para o público feminino.

Por enquanto, Richard diz se preocupar mesmo com o "rapa", como são chamados os fiscais com colete laranja que, algumas vezes por dia, passam para apreender produtos sem nota fiscal, como é o caso do melzinho.

A reportagem estava no momento em que alguém gritou: "Olha a laranjada aí". Ágil, mas sem perder o sorriso, Richard desmontou o cavalete e dobrou o tecido da mesa com as caixas dentro. "Não acontece nada, já volto", avisou.

Em menos de um minuto, seu ponto estava montado novamente. Ele aponta para as mesas ao redor, com itens da moda, como o polvo de pelúcia, viral do TikTok, e os fidget toys, brinquedos de plástico molenga para desestressar. "Na 25 tudo é momento, tudo é onda, menos o melzinho", aposta. "É algo natural que... como eu posso dizer? Ajuda o ser humano. Por isso ele vai permanecer."

Proibido pela Anvisa, melzinho do amor faz a cabeça na 25 de Março - André Porto/UOL - André Porto/UOL
Imagem: André Porto/UOL
Proibido pela Anvisa, melzinho do amor faz a cabeça na 25 de Março - André Porto/UOL - André Porto/UOL
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A rotina dos "rapa" na região é o único problema enfrentado por Richard* na comercialização dos melzinhos - André Porto/UOL - André Porto/UOL
A rotina dos "rapa" na região é o único problema enfrentado por Richard na comercialização dos melzinhos
Imagem: André Porto/UOL

* Os nomes foram trocados a pedido dos entrevistados