Topo

'Já vi de tudo': a rotina de um 'fiscal' de clube de sexo, no centro de SP

Na recepção do clube de sexo, Oliver Freire, 31, é responsável por "fiscalizar" se clientes cumprem regras da promoção - Simon Plestenjak/UOL
Na recepção do clube de sexo, Oliver Freire, 31, é responsável por 'fiscalizar' se clientes cumprem regras da promoção
Imagem: Simon Plestenjak/UOL

Mateus Araújo

Do TAB, em São Paulo

19/09/2021 04h00

Por trás de uma divisória de vidro, Oliver Freire, 31, checava o documento de quem queria atravessar a porta preta e entrar onde quase tudo é permitido. "Tem que ficar de máscara, tá? Só tira se for consumir alguma coisa", avisava aos clientes. Freire é recepcionista de um clube de sexo no Largo do Arouche, região central de São Paulo. Durante seis horas de expediente, é Freire quem dá as boas-vindas, cobra o ingresso e diz "divirta-se" a quem chega.

Por uma fresta à altura da boca, ele se comunica com as pessoas. Por outra, mais embaixo, recebe os documentos dos visitantes. Ali só entram homens maiores de 18 anos. "Tem vários perfis. Vêm jovens, mais velhos, gordinhos, sarados. Depende do dia e da hora", conta.

A fachada alta e preta com um triângulo neon rosa confere ao prédio do Dédalos Bar um ar misterioso. Já nas redes sociais do estabelecimento, o tom jocoso é a marca registrada. Com deboche, aliás, o espaço criou um incentivo, um "empurrãozinho" para atrair clientela: diariamente elegem "homenageados" no clube de sexo. A depender do dia, motorista de aplicativo, torcedor com camiseta de time de futebol, gente com cicatriz e até com "pezão" ganha desconto de 20% a 50% no valor da entrada.

Nesses dias temáticos, além dos documentos, Freire checa outros atributos dos clientes. Na tarde daquela quarta-feira (15), ele conferia quem estava apto para a promoção de R$ 15 (valor mínimo da entrada): "dotado", com anel peniano ou vacinado para covid-19. Desde a flexibilização das medidas de distanciamento social na cidade, o movimento vem aumentando. Durante a semana, a lotação é de 80 pessoas; às sextas, sábados e domingos, chega a 140.

Uma escada vermelha leva aos andares superiores do Dédalos, onde há cabines para sexo - Simon Plestenjak/UOL - Simon Plestenjak/UOL
Uma escada vermelha leva aos andares superiores do Dédalos, onde há cabines para sexo
Imagem: Simon Plestenjak/UOL

'Ajeitei rapidinho'

Às 14h30, o ritmo ainda estava devagar no bar. Diogo Oliveira, 27, tinha acabado de sair da casa de um amigo, no Centro, e decidiu desviar o caminho para passar no clube. Horas antes, havia comprado uma passagem para Manaus, onde mora sua família, para rever os pais depois de um ano sem visitá-los. Na antevéspera da viagem, no entanto, foi aproveitar a tarde no lugar que visita pelo menos duas vezes por semana.

O rapaz quis pagar mais barato para entrar na casa. Oliveira disse que se encaixava em todas as opções de ingresso promocional do dia, mas duas delas eram difíceis de provar. Apesar de ter tomado as duas doses da vacina, ele não estava com o comprovante e nem sabia da possibilidade de baixar o documento no celular. Também não conseguiria ficar excitado para deixar medirem os 20 centímetros de membro que ele garante ter. Resolveu, então, colocar o anel peniano ali mesmo. Baixou a calça e encaixou o acessório rapidamente, em frente a Freire. "Era mais prático. Tava com ele no bolso, ajeitei rapidinho", explicou o rapaz.

Oliveira é consultor tecnológico e também produz e vende conteúdo pornô em um site de assinatura. Usa o anel para retardar a ejaculação e deixar o pênis "mais bonito", explicava enquanto guardava a mochila em um armário. Alto, magro, com corpo malhado e um par de asas tatuado na nuca, o rapaz conta que frequenta o clube a fim de sexo, claro, mas também de "contatos". "Eu gosto de trocar ideias, conversar. Fico com uma média de três caras, e, de alguns, pego o número de telefone para falar depois."

"Ainda tá meio vazio, né?", comentou, sorrindo. "Mas daqui a pouco chega o pessoal", emendou, pouco antes de subir a escada que dá acesso aos dois andares da casa e sumir, rumo à meia-luz.

'Sou casado, não posso aparecer'

O Dédalos tem três pisos. No térreo há um bar, bancos, uma espécie de arquibancada e duas máquinas de fliperama. Mais atrás, um corredor com armários e um grande espelho. Ao lado, único ambiente ao ar livre, fica o fumódromo.

Os dois andares superiores, como sugere o nome da casa, são labirintos estreitos e escuros, com cabines para sexo. Tudo aberto, caso alguém queira assistir. Há, ainda, divãs e os dois ambientes famosos entre os frequentadores: os "glory holes" e "glory ass", nos quais se pratica, respectivamente, sexo oral e a anal, sem a necessidade de contato próximo entre os envolvidos.

Thiago Marques, 28, funcionário da Dédalos desde 2019 - Simon Plestenjak/UOL - Simon Plestenjak/UOL
Thiago Marques, 28, funcionário da Dédalos desde 2019
Imagem: Simon Plestenjak/UOL

"Muita gente manda mensagem perguntando se aqui tem sauna, piscina, essas coisas. Mas não. Aqui é um ambiente para a pessoa vir, gozar e ir embora", contava Thiago Marques, 28, responsável pelo marketing do clube, enquanto apresentava os espaços do local — àquela hora, ainda vazios. "E faz sucesso. Quando abrimos, em 2019, a gente tinha uma meta de público que ultrapassamos já nos três primeiros meses."

Parte do público cativo do Dédalos, conta Marques, são motoristas de aplicativo — que às quintas-feiras, até o meio-dia, pagam metade do ingresso. "Eles fazem corridas aqui por perto e vêm. Muitos marcam de se encontrar aqui. Aconteceu caso de um cara conhecer o motorista aqui dentro e sair pra transar com ele no carro", lembra. "É fetiche."

"Ei, ei, essa foto aí, eu tô aparecendo?", interrompia um cliente, enquanto o funcionário posava para as imagens da reportagem próximo aos armários — e cenário para fotos que frequentadores postam nas redes sociais. "Eu vazei ali no espelho?", insistia o homem, sem camisa, aparentando uns 40 anos. "Eu sou casado, não posso aparecer", continuou. Só depois de se certificar que não foi fotografado, voltou a circular.

Há quem prefira ir ao clube acompanhado. É o caso de um grupo de quatro rapazes com pouco mais de 20 anos que se juntavam em um dos cantos do térreo e trocavam beijos. Ou quem se isole por um longo tempo até encontrar companhia para o labirinto, como fez um homem de mochila nas costas e skate na mão, na área externa.

Clientes usam armários alugados para guardar mochilas e objetos - Simon Plestenjak/UOL - Simon Plestenjak/UOL
Na área interna do clube, clientes usam armários alugados para guardar mochilas e objetos
Imagem: Simon Plestenjak/UOL

Na área do bar, é obrigatório o uso de máscara para quem não estiver consumindo - Simon Plestenjak/UOL - Simon Plestenjak/UOL
Na área do bar, é obrigatório o uso de máscara para quem não estiver consumindo
Imagem: Simon Plestenjak/UOL

'Já vi de tudo'

Era dia de promoção para homens dotados, e um cliente bateu o recorde da medição. Oliver Freire conta a história rindo, de tão inusitada. "Era tão grande que, mole, já batia quase no joelho. E ele ainda me perguntou se queria que deixasse duro." Há clientes que nem precisam mostrar. "Já dá pra ver pelo volume na calça. Mas tem uns que ficam chateados, porque dizem que têm mais de 20 centímetros e, quando a gente mede, é mentira."

Embora esteja no Dédalos há quase três anos, a experiência dele no setor vem de antes: foi funcionário de uma sauna gay na vizinhança, de onde vieram grande parte dos outros colegas e o atual patrão.

Freire trabalhava na 25 de Março, em área administrativa, mas conhecia Nando, o dono do Dédados, de grupos de pegação do Orkut. "Um dia nos encontramos e falei que estava querendo um novo emprego. Ele me levou para trabalhar na sauna. Depois, quando abriu aqui, mudei para cá", lembra.

Com o tempo, o recepcionista sabe exatamente os perfis de público que vai encontrar ao longo dos dias. Início da semana, explica ele, há homens mais velhos (alguns comprometidos) e rapazes negros (por causa do valor promocional da "terça black"); no meio da semana, jovens, muitos deles estudantes; aos finais de semana, pessoas que decidem esticar a noite.

"As coisas de baixaria", como ele diz, se referindo a erotismo, também atiçam seu lado criativo. O rapaz também gosta de escrever crônicas e contos. "Mas não escrevo nada sobre o que vejo aqui. Só o que passo. A gente tem que manter sigilo, não posso misturar as coisas, pega mal", pondera Freire, que é casado. "O único preconceito que já vivi por causa do meu trabalho foi de cliente que me deu cantada. Disse que era comprometido, e ele respondeu: 'Se eu fosse seu marido, não deixava você trabalhar aqui'."

Eram mais de 17h quando o clube de sexo começou a encher. Era o horário limite para quem quisesse entrar com ingresso promocional. Das 30 pessoas lá dentro, sete conseguiram desconto por estarem vacinadas, uma (o manauara Diogo) pagou menos porque usava anel peniano. Ninguém, porém, decidiu reivindicar o "benefício" pelo dote. "Agora é a hora de chegar o pessoal que saiu do trabalho. Vai bombar", avisava o recepcionista.