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'Fiscal de fidelidade' cobra pouco, já testou 4 mil e serviço tem fila

A blogueira Lídia Luiza Bertoncello, 23 - Arquivo pessoal
A blogueira Lídia Luiza Bertoncello, 23 Imagem: Arquivo pessoal

Elisa Soupin

Colaboração para o TAB, do Rio

22/02/2022 04h00

Segue aquela pessoa no Instagram, curte algumas fotos, puxa papo nos Stories, troca telefone e combina um encontro pelo WhatsApp. A estratégia de flerte mais do que conhecida das redes sociais virou um ofício para Lídia Luiza Bertoncello, 23. Ela faz tudo isso todos os dias, muitas vezes por dia, com várias pessoas diferentes, que têm algumas coisas em comum: são comprometidas e têm uma parceira ou parceiro que anda meio desconfiado.

É aí que entra o trabalho da jovem: por um valor combinado por inbox, que Lídia garante ser baixo, ela oferece o serviço de teste de fidelidade via redes sociais, a pedido da parte que carrega alguma suspeita. Sua abordagem acaba quando o infiel incauto topa o encontro com ela.

E as notícias não são boas para os românticos monogâmicos: dos mais de 4 mil testes realizados pela estudante em 11 meses no ofício, menos de 500 tiveram como resultado uma fidelidade à prova de boas investidas online. São tempos difíceis para os sonhadores. (Para as lésbicas e para os homens hétero que desejam testar a fidelidade de suas amadas, o panorama é melhor: até há as mulheres que caem, mas elas são uma clara minoria).

Da infidelidade ao ofício

A estudante viralizou no TikTok com um vídeo em que uma menina contratava seus serviços para checar a fidelidade do noivo, com quem se casaria em fevereiro. A noiva tinha certeza de que seu futuro marido era muito fiel e apostou 500 reais com uma amiga de que ele não ia cair no papinho. Lá foi Lídia verificar.

Ele caiu feio -- e rápido. O vídeo viralizou e bateu mais de 8 milhões de visualizações. Já o casamento? Não se sabe se continuou de pé.

Lídia começou a atuar na checagem da fidelidade alheia depois que o método a ajudou a sair de uma relação ruim.

"Passei por um relacionamento abusivo há um tempo, sofri muito, fui agredida. E eu tive vontade de fazer um teste de fidelidade com esse ex-namorado, porque eu via que ele escondia coisas. Sabia que algo estava acontecendo, mas eu não tinha provas concretas. Pedi para uma amiga que ele não conhecia puxar assunto no Instagram", conta ela. Dito e feito.

O hoje ex-companheiro marcou de encontrar a amiga de Lídia e, com os prints em mãos, ela finalmente conseguiu forças para sair do relacionamento.

Lídia Luiza Bortoncello, 23 - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Plantão e 40 testes por dia

Em março de 2021, triste com o término, Lídia quis ajudar pessoas que passavam por situações similares à sua e se ofereceu para o serviço. De graça. A demanda foi enlouquecedora logo de cara -- e só aumenta.

"No começo, eu fazia para conhecidas, amigas, e aí um dia contei no meu Instagram. Olha, foram tantos pedidos! Cheguei a fazer 40 testes em um único dia, fiquei acordada de 5h às 2h da manhã para dar conta de tanta gente falando comigo, só para ajudar as pessoas, sem ganhar nada", conta ao TAB.

O trabalho informal e não remunerado, no entanto, a deixou exausta para os jobs que fazia como provadora -- experimentando roupas e postando na internet -- e blogueira. Foi aí que veio a ideia de cobrar pela assessoria de verificação.

Lídia agora está fazendo um curso de piloto. Com as demandas de estudo, ela está com o tempo mais curto e tem feito menos testes, mas mantém uma média de 130 por mês. A maior parte das interações começa no Instagram, mas pode acontecer em outras plataformas: pode ser até pela OLX.

"Minha caixa vive lotada. Infelizmente, não consigo atender todo mundo, a busca é imensa. Varia muito de mês a mês e do quanto eu consigo pegar, porque tenho que estudar também. Mas estou recrutando agora algumas meninas para trabalharem comigo", diz ela, visando à expansão dos negócios.

Ao longo desse tempo, Lídia conta que também precisou amadurecer para conseguir lidar com a situação com um distanciamento profissional.

"Eu adoro o trabalho! No início eu sofria muito, porque quando os caras traíam, as meninas choravam, ficavam tristes demais e eu acabava pegando as dores. Tinha noites que eu não dormia pensando nas histórias, até porque boa parte está em um relacionamento abusivo, onde eu já estive. Hoje, eu já lido melhor, comecei a fazer terapia", conta ela, que não usa seu nome verdadeiro nas investigações.

Lídia Luiza Bortoncello, 23 - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Roteirista, atriz, locutora

Diferente do programa do João Kleber que, nos idos dos anos 10, consagrou o quadro "Teste de Fidelidade", Lídia não tem produção -- e o único membro de sua equipe é a parte solicitante. A namorada ou namorado desconfiado é o responsável por ajudá-la a entender qual é a melhor forma de abordar o infiel em potencial.

A maior parte das pessoas que pedem o teste de fidelidade já foram vítimas de alguma traição e querem saber se o amado mudou ou estão desconfiadas de puladas de cerca. Então, para o teste dar certo, é preciso conhecer bem a personalidade da pessoa.

Por exemplo, há mulheres que sabem que foram traídas com garotas de programa e contam que os maridos gostam de profissionais do sexo. Se esse é o caso, Lídia aborda o cara com voz sedutora e papo quente.

"Eu crio um personagem, um roteiro, assumo uma profissão, um jeito, tudo de acordo com o que eu combino com a parte que está me contratando. Falo que viajo para a cidade da pessoa. Peço detalhes da vida do cara, horários, trabalho, hábitos", conta Lídia. "Você precisa criar um enredo para o cara não desconfiar de nada." Ela explica que, inclusive, prefere manter sua real localização em segredo, já que um ou outro nervosinho que foi pego volta e meia a ameaça, inclusive, de processo. Ela conta que já tem uma assessoria jurídica por conta disso.

O trabalho exige um investimento de tempo. Ela pode conseguir marcar o encontro em 15 minutos ou levar até dois meses de paquera. Habituada com os papos -- quase sempre iguais --, ela garante que consegue manter várias conversas paralelas e é muito organizada para não se perder nas histórias. Os contatos, por exemplo, são salvos em seu celular assim: fulano.fulana.teste, para ficar fácil de entender.

Lídia Luiza Bortoncello, 23 - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Lídia Luiza Bertoncello, 23
Imagem: Arquivo pessoal

Prints e mais prints

Durante uma investigação, ela repassa todos os prints trocados com o investigado para o contratante. Um trabalho cansativo. A prova cabal das más intenções acontece quando o cara marca de sair com Lídia, com local e horário, na cara do gol da traição iminente.

"Muitas vezes, quando eu marco um encontro, a mulher vai no meu lugar para confrontar o cara. E aí, nesses casos, ele quase sempre diz que já sabia e que só foi para ver até onde a mulher iria chegar com aquilo tudo. Olha, é sempre o mesmo papinho, sério. Eu tenho a sensação de que estou falando todo dia com o mesmo cara, porque é sempre igual", diz.

Mas Lídia deixa um aviso para quem pensar em contratar os seus serviços: pense de novo.

"Eu recomendo só fazer o teste se você se sentir capaz de lidar com o resultado. Se você descobrir que ele te trairia e não terminar, você vai acabar sofrendo muito com o que vai ver e só desgastar ainda mais a sua relação. Acho que faz sentido fazer se for para ter força e sair do relacionamento", avalia.

Hoje, Lídia namora um cara bacana, que entende e não tem ciúme de seu ofício.

"Depois de tudo que eu já vi de quatro mil caras, eu realmente achei um em quem posso confiar", diz.