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'O baile charme não vai morrer nunca': festa no Rio completa 9 anos

Marcus de Azevedo, 43, produtor de um dos bailes mais conhecidos da cena black carioca, o "Eu amo baile charme" - Fabiana Batista/UOL
Marcus de Azevedo, 43, produtor de um dos bailes mais conhecidos da cena black carioca, o 'Eu amo baile charme' Imagem: Fabiana Batista/UOL

Fabiana Batista

Colaboração para o TAB, do Rio

04/05/2022 04h00

São 18h e a pista de dança, na Arena Carioca Fernando Torres, em Madureira, está lotada. Charmeiros de todas as idades e regiões do Rio de Janeiro dançam coreografias sincronizadas. Nem todos se conhecem, mas a história em torno do passinho e da cultura do baile charme os une.

Para celebrar os nove anos de um dos bailes mais conhecidos da cena black carioca, o "Eu amo baile charme" realizou, no domingo (1), o primeiro evento após dois anos de pandemia.

Joel Filho foi homenageado do dia. Idealizador da festa, charmeiro desde a década de 1980, Joel morreu após contrair covid-19, em 2021. Sempre desejou que existisse um evento para celebrar a cultura como um todo: artistas, dançarinos, músicos e público.

Para abraçar diferentes gerações, as edições têm um caráter de matinê e, assim, são frequentadas por famílias inteiras. Desta vez não foi diferente. Às 16h, a festa começou tímida e, apesar de ultrapassar meia hora do combinado, a música parou próximo às 21h30. Segundo os organizadores, ao menos mil charmeiros compareceram ao evento.

Baile charme no Rio de Janeiro - Fabiana Batista/UOL - Fabiana Batista/UOL
Para abraçar diferentes gerações, as festas têm um caráter de matinê e são frequentadas por famílias inteiras
Imagem: Fabiana Batista/UOL

Reencontros

A decoração da arena era simples. Dentro do salão, mesas de plástico coladas no palco; outras na parede direita com cadeiras para acompanhar. O resto da pista ficou livre e foi iluminada com luzes coloridas que tomavam o salão.

Timidamente, ao entrar, pessoas se escoravam nas paredes do salão. Conforme o som contagiava os presentes, os quadrados do piso eram ocupados por pés que deslizavam de um lado ao outro.

A festa também foi palco para reencontros. Depois de dois anos, as pessoas estavam ansiosas para dançar e encontrar parceiros de coreografia. Duas mulheres se entreolharam e sorriram. "Menina, óbvio que você estaria aqui", gritou uma delas; a outra lhe tascou um beijo no rosto.

Eliane Felício, 52, chegou antes das 16h30 com o filho e a nora. De Campo Grande, saiu de casa antes das 16h. Ao colocar os pés no salão, dançou as coreografias que aprendeu em aulas - embora dance desde nova, há 35 anos, quando já frequentava bailes de charme, garante ela.

Baile charme no Rio de Janeiro - Fabiana Batista/UOL - Fabiana Batista/UOL
Depois de dois anos, as pessoas estavam ansiosas para dançar e encontrar parceiros de coreografia
Imagem: Fabiana Batista/UOL

Joel visionário

O céu alaranjado do anoitecer deu lugar às estrelas. Animado e sempre rodeado de pessoas, Marcus de Azevedo, 43, entrou na pista após as 18h. Antes disso, ficou entre organizar os ajustes finais e receber os convidados. Envolvente, seus pés deslizavam no chão, as mãos seguiam o ritmo do som e a cabeça batia como se guiasse o resto do corpo.

O dançarino foi parceiro de Joel Filho desde o primeiro evento, no Sesc Madureira. Joel parou o baile, apontou para Marcus, contou sua trajetória e ali mesmo o convocou para construir a história do "Eu amo baile charme". Ele aceitou na hora.

Nas pistas há mais de 30 anos, Marcus encarou uma pela primeira vez na matinê do Vera Cruz, aos 12. "Curtia dançar com meu primo e a namoradinha dele na varanda de casa. Quando cheguei ali, me emocionei, pois tocou músicas que ouvia nas rádios."

Precursor de coreografias de passinhos de charme, criou a escola "Dança charme e CIA", em 2009. "Joel foi um visionário. Ao me convidar, sabia que eu não deixaria o projeto para trás", diz.

Evelyn Esteves - Baile charme no Rio de Janeiro - Fabiana Batista/UOL - Fabiana Batista/UOL
Evelyn Esteves era uma das dançarinas na primeira fila do baile no último fim de semana
Imagem: Fabiana Batista/UOL

Charmeiros da primeira fila

No bar, cerveja gelada e pizza brotinho — e picolé para as crianças. Na pista, sandálias, tênis, tamancos: ninguém ousa vestir chinelo ou chegar mal arrumado. O penteado também é prioridade. Black, tranças, carecas, cabelo batido na régua. No microfone, a apresentadora da noite, Bea Lopes, lembra: "O charmeiro tem que ter, antes de tudo, charme".

Nesses bailes, é comum que um grupo fique na frente "dando ritmo". Eles, os estilosos charmeiros da primeira fila, ensaiam antes e a ideia é que todo mundo siga os passinhos deles. Naquela noite, mais de dez jovens contagiavam a pista. Juntos, deslizavam os pés, rodavam e batiam palmas no ritmo.

Evelyn Esteves, 29, era uma das dançarinas. Com um sorriso no rosto, dança, dubla e conduz coreografias. Frequenta bailes charmes desde 2012, quando foi pela primeira vez em uma comemoração de aniversário. "Vi as pessoas dançando juntas e me identifiquei."

Na época, ela tinha cabelo alisado. Ao voltar para a casa depois do primeiro baile, cortou o cabelo curto para eliminar de vez a química e, desde então, cultiva um penteado black. Com uma mini toalha para secar o suor, peça fundamental do "kit charmeiro", ela sai poucas vezes do salão - entre elas, para beber água e para conversar com a reportagem.

Baile charme no Rio de Janeiro - Fabiana Batista/UOL - Fabiana Batista/UOL
A cena charme conta com dança coreografada e som, incluindo R&B e hip hop melódico
Imagem: Fabiana Batista/UOL

Ninguém quer ir embora

A cena charme tem quatro principais elementos: a dança coreografada; o som, incluindo R&B e hip hop melódico; o comportamento de paz (os bailes têm fama de serem pacíficos); e a vestimenta, que se modificou conforme o tempo.

"Aqui tem gente preta, periférica e suburbana que ama charme. O baile não só voltou, ele não vai morrer nunca", destacou Marcus.

No palco, foram anunciados os músicos João Loroza, Chelle, Phil Zaq e Cee Jay, que cantaram, à capela, músicas consagradas da cena. Na última, a plateia jovem acompanhava em coro a música "Radar", de Gloria Groove. "Que música linda, quem é?", questionou uma senhora, surpresa. "A maior da nossa geração", respondeu uma garota de uns 20 anos, rindo.

O relógio bateu às 21h, hora de acabar o baile. A pista esvaziou pouco, pois o público não parecia querer se despedir. A segunda-feira batia na porta, mas os mais jovens, cheios de energia, já questionavam uns aos outros: "Qual é a próxima festa?"