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'Todo mundo já é maduro': o retorno triunfal dos funkeiros Os Hawaianos

"Desenrola, bate, joga de ladin": hit do grupo carioca Os Hawaianos com o rapper L7nnon e os DJs Biel do Furduncinho e Bel da CDD - JP Maia/Divulgação
'Desenrola, bate, joga de ladin': hit do grupo carioca Os Hawaianos com o rapper L7nnon e os DJs Biel do Furduncinho e Bel da CDD
Imagem: JP Maia/Divulgação

Amanda Pinheiro

Colaboração para o TAB, do Rio

20/05/2022 04h01

Quem vê a dancinha sob o som de "desenrola, bate, joga de ladin'", fenômeno no TikTok, pode não imaginar à primeira vista que o sucesso tenha um toque de Deus. Hit do grupo carioca Os Hawaianos em parceria com o rapper L7nnon e os DJs Biel do Furduncinho e Bel da CDD, a canção ocupa o 12º lugar entre as mais ouvidas do país no Spotify e já conta mais de 37 milhões de visualizações no YouTube — conquistas que, para o autor da faixa, o funkeiro Tonzão, estão intimamente associadas à fé.

Os Hawaianos nasceram na Cidade de Deus, na zona oeste do Rio de Janeiro, há quase 20 anos. Formado por Tonzão, Yuri, Gugu e Dioguinho, o quarteto era uma das principais apostas da gravadora e produtora Furacão 2000, que catapultou diversos artistas do funk no país — "Eu vou ficar", primeiro single de Anitta, é dessa safra. Na época, eles emplacaram "Encosta" e "Kikando e mexendo o ombrinho", entre outras canções voltadas ao público adulto e com trocadilhos sexuais nas entrelinhas.

Ainda no auge, a banda se desfez em 2011. Ewerton Chagas, o Tonzão, 35, entrou em uma igreja evangélica e passou a se dedicar ao funk gospel.

Uma década se passou, o grupo voltou e agora vive um segundo apogeu, um tanto diferente do primeiro: o hit atual, "Desenrola, bate, joga de ladin'", foi feito para o público infantil e caiu nas graças da internet e da TV — a coreografia foi adotada inclusive por jogadores de futebol na hora de comemorar gols.

"[É] um momento incrível. Diariamente a gente recebe vídeos das pessoas dançando, não só no Brasil, mas de brasileiros que vivem fora do país. É uma música fácil de cantar, gostosa para dançar", diz Washington Luis Gomes, o Yuri, 35. "A gente não seria o que é hoje se não fosse Deus", acrescenta Tonzão.

'Fazendo o bem ou o mal'

Tonzão, Yuri, Gugu e Dioguinho cresceram juntos na Cidade de Deus. Amigos desde a infância, eram jovens na casa dos 18 quando se lançaram no funk. "Ninguém pensava que seria esse estouro. A gente queria curtir, zoar, era uma brincadeira", lembra Yuri.

"Ganhamos dinheiro, fama, muitas pessoas tentaram nos conduzir, mas faltou maturidade. Filho de rico já nasce com uma educação financeira, sabe o que faz com dinheiro. A gente, que vem de favela, não sabe lidar. Então isso acabou desandando."

Foi assim que, em 2011, após uma sequência de desentendimentos com empresários e uns tropeços na gestão de carreira, o grupo se desfez. Tonzão se converteu, foi para o funk gospel e lançou "Passinho do abençoado", que viralizou e teve mais de 1 milhão de visualizações no YouTube. Diogo Silva (Gugu) e Júlio César Minilesk (Dioguinho) também saíram e só Yuri permaneceu, por razões contratuais.

O pai de Yuri, pastor, foi quem evangelizou Tonzão por muito tempo. Na época, o artista dizia que era "possível louvar ao Senhor em todos os ritmos" e compartilhava o dia a dia na internet, inclusive o momento em que foi consagrado evangelista. Na virada para 2018, porém, ele se afastou da igreja.

"Fim de 2017 para 2018 me afastei de Deus, deixando também a carreira gospel no melhor momento de agendas, porém pior momento com Deus e família. A culpa não foi de ninguém a não ser minha, pois eu sou total responsável pela vida que levo e o único que pode mudá-la", ele escreveu, no Instagram. "Acabei me jogando no mundão e um abismo levou ao outro. Foi terrível, dói lembrar", acrescentou, no post.

O funkeiro cancelou a agenda de shows e foi passar um tempo em um retiro espiritual em Minas Gerais. "Quando eu me converti, fui criticado. Quando eu me afastei da igreja também fui criticado. As pessoas criticam tudo, a gente fazendo o bem ou o mal", relata ao TAB. "Mas a fé é o que nos mantém de pé. Não ligo para o que falam, porque sei do meu coração, sei da minha fé e do meu compromisso com Deus."

Tonzão, Yuri, Gugu e Dioguinho, os integrantes do grupo carioca Os Hawaianos - Facebook/Reprodução - Facebook/Reprodução
Dioguinho, Yuri, Tonzão, Gugu (da esq. à dir.) cresceram na Cidade de Deus e estão de mudança para SP
Imagem: Facebook/Reprodução

De 'Búfalo Gay' a 'Desenrola'

Tonzão voltou à igreja em 2019. Junto a Gugu e Dioguinho, formou o Bonde dos Hawaianos, em 2021. Faltava Yuri, o vocalista que, depois de resolver burocracias, conseguiu retornar ao grupo em 2022. Com a formação original, mas uma pegada diferente.

Além de coreografias sugestivas, Os Hawaianos tinham letras cômicas e de duplo sentido. Na gravação de um DVD no palco da Furacão 2000, em 2010, por exemplo, o grupo encenou a canção "Búfalo Gay", em que Tonzão simula um homossexual afeminado e Dioguinho dança como um grávido. Hoje, eles enxergam a encenação de uma outra forma e buscam informação sobre pautas raciais, feministas e LGBTQIA+ junto a coletivos nas favelas.

"Não queremos que nossa música ofenda ninguém. Sabemos que o Brasil é o país que mais mata pessoas LGBT, precisamos acabar com o machismo e com o racismo", assinala Tonzão. "Nós somos um grupo de homens negros e favelados, então queremos levar esses debates para as comunidades. Nenhuma forma de preconceito pode ser aceita e também estamos nessa luta."

"Todo mundo já é maduro. Não sei se é o nosso melhor momento, mas é bem diferente do que passamos há dez anos", diz Yuri.

Com 25 shows agendados por mês, o grupo, que ainda reside na Cidade de Deus, vive na correria e está de mudança para São Paulo. Os contratempos são tantos que a reportagem não conseguiu uma brecha na agenda deles para fazer as fotos.

"Antigamente", lembra Yuri, "nossa música ficava meses ou até um ano tocando nas rádios, nas festas". Hoje, o ritmo é outro: é esperado que eles lancem novas faixas o quanto antes, além de firmar parcerias e consolidar coreografias para as plataformas, a fórmula de sucesso de "Desenrola, bate, joga de ladin'". "Antes as pessoas esperavam o DVD sair para aprender a dança. Hoje, não, todo mundo aprende ali na hora com uma publicação."

O público, interrompe Tonzão, também mudou. "Quem acompanhava Os Hawaianos antes, tipo você [a repórter de TAB], envelheceu com a gente. Então, voltamos, temos o público antigo e o novo que são os filhos, os sobrinhos dessas pessoas. E isso é muito legal de ver."

"Estamos mais velhos, mas ainda dançamos como antes, temos energia", brinca Yuri, aos risos. "Nossos shows continuam os mesmos, às vezes, mais rápidos porque fazemos mais de um por noite, mas ainda damos conta."