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No centro de SP, 7º melhor restaurante do mundo tem fila de espera de 4h

Fila em frente ao premiado restaurante A Casa do Porco Bar, no centro de São Paulo - Reinaldo Canato/UOL
Fila em frente ao premiado restaurante A Casa do Porco Bar, no centro de São Paulo
Imagem: Reinaldo Canato/UOL

Claudia Castelo Branco

Colaboração para o TAB, de São Paulo

24/07/2022 08h23

Eram quase 13h e estavam ocupadas todas as mesas d'A Casa do Porco Bar, sétimo melhor restaurante do mundo pelo ranking "The World's 50 Best Restaurants", conquista revelada nesta segunda (18). Foi assim na quinta, na sexta e no sábado.

Fila e fome formam uma combinação que desperta os sentimentos mais primitivos em nós, humanos, com consequências imprevisíveis, de irritação a discussões. Mas ali, naquela esquina no centro de São Paulo, entre muros cobertos por lambe-lambes políticos, a disputa por uma mesa é marcada por certo espírito de resignação que leva gente a aceitar o que noutras condições não aceitaria: 4 horas de espera.

Ali, a vida é outra coisa e cheira a bacon. Passam bandejas com pedaços de porco saídos da churrasqueira. Quem não chega antes das 11h corre risco de se sentar para comer apenas no fim da tarde, ou da noite. Entretanto, a maioria da clientela chega ciente, muitos inclusive com o estômago forrado para enfrentar a espera. Nada que assuste João, 57, um habitué. "Vale", garante.

Hosana Belchior, 48, e Welby Belchior, 48, um casal de empresários de Americana (SP), aguarda desde as 11h45. É a primeira vez deles no restaurante dos chefs Jefferson e Janaína Rueda, onde o menu degustação custa R$ 220. Estão tranquilos, sem pressa. Dizem que sempre quiseram ir, mas tomaram "coragem" após a notícia do "50 Best" e, por acaso, passariam o fim de semana em São Paulo. Não tinham reserva e decidiram arriscar a sorte na lista, esperando na fila do dia.

Reserva n'A Casa do Porco Bar, agora, só para outubro. "Não sei nem se estarei vivo até lá", brinca um senhor que também decidiu esperar por uma vaga. "Vou entrar só para conhecer mesmo porque será a última vez."

Entorno d'A Casa do Porco Bar, no centro de São Paulo - Reinaldo Canato/UOL - Reinaldo Canato/UOL
Imagem: Reinaldo Canato/UOL

As irmãs Angela Criscuolo e Cristina Moraes observam. "É meu cunhado. Eu avisei", anuncia Cristina, que vive em São Paulo; a irmã e o marido moram no Rio.

Os assistentes sociais Marco Toledo e Marta Neves dão risada. "Quatro horas de espera é para desistir mesmo", dizem. A alternativa é o quiosque do restaurante, logo ao lado, que vende sanduíches de porco. Marta vai para lá. Passa uma moto e a motorista grita: "Tem mesa, não?!". E vai embora.

Já as amigas Fabiana e Ana traçaram uma estratégia. Chegaram às 11h, deixaram o nome na lista e saíram para resolver pendências num cartório no Bom Retiro para depois voltar aos arredores da praça da República.

Entorno d'A Casa do Porco Bar, no centro de São Paulo - Reinaldo Canato/UOL - Reinaldo Canato/UOL
Imagem: Reinaldo Canato/UOL
Entorno d'A Casa do Porco Bar, no centro de São Paulo - Reinaldo Canato/UOL - Reinaldo Canato/UOL
Imagem: Reinaldo Canato/UOL

'Não vacila, não'

Há também quem trabalhe no entorno e nunca conseguiu uma das disputadas mesas. Francisco se rende ao sanduíche de porco no quiosque umas duas vezes por mês. "Com 1 hora de almoço, não tem como esperar 4 horas para entrar".

Alerta diante da quantidade de furtos na frente movimentada do restaurante, o segurança conta que a procura cresceu após o anúncio do ranking. "Não vacila, não. Eles passam de bicicleta e levam o celular destravado num pulo", dizia aos clientes. Eles, entretanto, não lhe davam ouvidos: continuavam fazendo selfies e de olho no número da fila piscando no smartphone.

Cinquentões de sapatênis ou tênis esportivo eram a maioria ali nesses dias de julho. Conversavam com uma long neck ou uma caipirinha na mão, entre aperitivos de pipoca de torresmo. A vida nessa esquina parece boa. Passa um Bloody Mary com um bacon pendurado. "Um bloody é um bloddy", uma cliente publica nos stories do Instagram.

Entorno d'A Casa do Porco Bar, no centro de São Paulo - Reinaldo Canato/UOL - Reinaldo Canato/UOL
Imagem: Reinaldo Canato/UOL
Entorno d'A Casa do Porco Bar, no centro de São Paulo - Reinaldo Canato/UOL - Reinaldo Canato/UOL
Imagem: Reinaldo Canato/UOL

A vida não parece tão boa do outro lado da rua, onde há gente passando fome ou comendo mal. Pessoas em situação de rua tiram um cochilo entre bitucas de cigarro e restos de quentinhas. Um deles faz a barba, outro lê um livro. Um carroceiro passa levando caixas. Nos muros, um lambe-lambe diz "nós já nascemos morrendo"; outro destaca o QR code do "Diário de um matadouro", que trata da história de um frigorífico.

Cresceu a movimentação na esquina do quarteirão — cercado nas laterais pelas ruas Bento Freitas e Major Sertório —, mas não para todos. Na quadra d'A Casa, entre a General Jardim e a Bento Freitas, sobram mesas num restaurante mais simples.

"O movimento ainda não voltou ao que era na pré-pandemia, mas estamos aí", conta Francimar, do Restaurante da Cidade, onde os PFs mais pedidos variam de R$ 19 a R$ 40, bife e frango. O mais caro é o filé à cubana, para dois (R$ 101).

Também estava vazia a Z Deli Sandwich Shop, considerada uma das melhores hamburguerias da cidade. A 50 m d'A Casa do Porco Bar, muitos que desistem da fila vão parar ali, informa uma atendente. "Porque também somos premiados", acrescenta.

'Tá chegando'

A três minutos d'A Casa, um dos restaurantes mais antigos de São Paulo segue funcionando: o Carlino Ristorante. Fundado em 1881, originalmente no largo do Paissandú, ressurgiu na década de 2000 na rua Epitácio Pessoa.

Entorno d'A Casa do Porco Bar, no centro de São Paulo - Reinaldo Canato/UOL - Reinaldo Canato/UOL
Imagem: Reinaldo Canato/UOL

Um resistente do centro, o Carlino viu de camarote o início e o fim de bares e restaurantes no pedaço. Adriana, Carlos e Cristian, que estão na espera por uma mesa n'A Casa, passaram lá para "cumprimentar a família" — desde 1979 à frente da casa italiana, o proprietário Antonio Carlos Marino, 76, morreu no ano passado.

Para o trio, a espera por uma mesa é o de menos. Eles pretendem circular no centro e, caso demore muito a vez, já estão com reserva para o Bar da Dona Onça, outro hit gastronômico, também da chef Janaína Rueda, que fica no Copan, a 190 m dali. Ela também atua no projeto social Pão do Povo da Rua.

A estratégia, segundo clientes determinados, é entrar na lista de espera do dia, logo cedo, se possível às 10h30. De olho no celular, dá para acompanhar o número das mesas, o que facilita a vida de quem aproveita para circular, resolver pendências ou tomar um drinque em outro restaurante. Reservas são quase impossíveis. A reportagem conseguiu uma para segunda (25) às 12h, única data disponível dos próximos 90 dias.

Entorno d'A Casa do Porco Bar, no centro de São Paulo - Reinaldo Canato/UOL - Reinaldo Canato/UOL
Imagem: Reinaldo Canato/UOL

Duas horas e duas caipirinhas depois, o casal Belchior segue firme e forte do lado de fora. Ainda há 22 mesas na frente deles. "Tá chegando", brincam, curtindo o momento.

Fabiana volta comemorando do cartório do Bom Retiro. "Resolvi o voto em trânsito porque não posso deixar de votar nessa eleição", diz. Deu certo e agora faltam 8 mesas para chegar a vez dela e da amiga Ana. Minutos depois, elas são chamadas.

Bem longe dali, o advogado José Roberto Bernardez, 45, almoça no Itaim Bibi, na zona sul. Esteve na espera, mas desistiu d'A Casa do Porco Bar. "Virou uma lenda."