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'Era eu': como se recuperou o 1º caso de varíola dos macacos no Brasil

O administrador de empresa Anderson Ribeiro, primeira pessoa diagnosticada com varíola dos macacos no Brasil - Fernando Moraes/UOL
O administrador de empresa Anderson Ribeiro, primeira pessoa diagnosticada com varíola dos macacos no Brasil
Imagem: Fernando Moraes/UOL

Do TAB, em São Paulo

30/07/2022 04h01

No fim de maio, Anderson Ribeiro, 41, embarcou para uma semana de férias na Europa. Depois de dois anos de pandemia imerso no home office, num apartamento onde mora sozinho no Brás, região central de São Paulo, o administrador de empresas programou um passeio por Portugal e Espanha. Foi comemorar o aniversário da mãe — com quem viajou — e encontrar um dos seus melhores amigos.

Àquela altura, começavam a se espalhar pelo mundo os primeiros casos de varíola dos macacos — uma doença antiga, porém rara, causada pelo vírus monkeypox. O Reino Unido identificou a primeira infecção em 7 de maio; 11 dias depois, já havia nove registros britânicos. Rapidamente, foram aparecendo outros pacientes ali perto. Ainda em maio, o governo português notificou mais 14 doentes.

Anderson não sabia quase nada sobre a nova doença. Pouco se falava e se conhecia sobre contágio e sintomas desta que agora é considerada uma emergência de saúde pública internacional — como classificou a Organização Mundial da Saúde (OMS) em 23 de julho. "Fui a dois bares, um em Portugal e outro na Espanha. Beijei um rapaz em cada um deles. Nada demais. Nem cheguei a ir a baladas, porque já estava cansado", lembra o administrador, em conversa com o TAB. "Não dava pra notar qualquer ferida nessas pessoas."

No dia 6 de junho, de volta ao Brasil, ele deu entrada no Hospital Emílio Ribas, em São Paulo, depois de outras duas consultas em emergências particulares. Tinha febre alta, calafrio e dificuldade para urinar, sentia dor de cabeça e no corpo. A suspeita era covid-19 — doença pela qual passou incólume desde 2020 — ou uma infecção, mas os medicamentos que havia tomado não resolviam os sintomas. Aos poucos surgiram feridas na pele.

Em poucas horas, recebeu o diagnóstico da equipe do instituto de infectologia: estava com monkeypox.

Administrador de empresa Anderson Ribeiro, primeira pessoa diagnosticada com varíola dos macacos no Brasil - Fernando Moraes/UOL - Fernando Moraes/UOL
Em maio, Anderson passou uma semana na Europa com a mãe; sentiu os sintomas na volta ao Brasil
Imagem: Fernando Moraes/UOL

'Era eu'

Anderson passou 14 dias internado, em isolamento. "Do hospital, na internet, eu vi a notícia: 'primeiro caso confirmado [de varíola dos macacos no Brasil] é um homem de 41 anos'. Era eu", conta. Durante a internação, ele sentiu "dores insuportáveis", com o inchaço de gânglios na região da virilha e da garganta, amenizadas com medicação. "Depois as feridas começaram a coçar, algumas ardiam", acrescenta.

O acompanhamento que recebeu da equipe do Emílio Ribas, afirma, lhe deixou seguro de que nada grave aconteceria. "Perguntei logo se era letal. Mas não fiquei nervoso, porque fui munido de muitas informações", diz. "A todo momento entravam residentes e médicos [no quarto onde estava internado]. Eu era praticamente um objeto de estudo. Não estava num convênio, mas fui tratado como. Era preconceito meu, porque nunca imaginava que haveria aquela estrutura no SUS."

Fundado em 1880 para tratar casos de varíola, o antigo Lazareto dos Variolosos, hoje Emílio Ribas, é o hospital de referência no Brasil para atendimento e pesquisa de doenças infectocontagiosas. Em São Paulo, atualmente é a unidade pública do estado onde estão concentradas as UTI para covid-19.

Da cama do hospital, no entanto, Anderson se assustou com o que lia em redes sociais sobre a sua doença, "que era doença de africanos, que todo mundo que viesse da Angola ia trazer doença", lembra. "Diziam também que era doença de viados, homossexuais. Que as pessoas viajavam para trazer doença para o Brasil, que era a nova covid-19 e ia passar pra todo mundo. Achei tudo aquilo um absurdo."

São Paulo 27/07/2022 - Retratos do administrador de empresa Anderson Ribeiro, primeira pessoa diagnosticada com varíola dos macacos no Brasil. - Foto: ( Fernando Moraes/UOL) *** EMBARGADO PARA O USO EM INTERNET*** - Fernando Moraes/UOL - Fernando Moraes/UOL
Anderson Ribeiro passou 14 dias internado no Hospital Emílio Ribas
Imagem: Fernando Moraes/UOL

'É uma demanda diária'

Desde o diagnóstico de Anderson até o final de julho, o Brasil confirmou mais de 900 casos de varíola dos macacos. Na sexta-feira (29), foi confirmada a primeira morte, a de um homem de 41 anos, em Belo Horizonte. Segundo o Ministério da Saúde, ele estava com graves problemas de imunidade.

O surto tem crescido com rapidez, o que mobiliza médicos com urgência para se criar um fluxo ideal de atendimento e tentativas de contenção da disseminação do vírus. "Todo caso suspeito, a gente notifica para o serviço de vigilância epidemiológica. É um processo que você precisa mandar foto das lesões para alguém avaliar e, se autorizado, faz a coleta do exame", explica o infectologista Gabriel Cuba, que atende pacientes com sintomas de monkeypox desde junho.

Segundo Cuba, os protocolos de consulta foram se adaptando aceleradamente de acordo com as demandas. "A princípio, muitas pessoas acabavam passando por diversos médicos antes que alguém suspeitasse de monkeypox, porque é uma doença nova e que tem um padrão que só fica atípico depois de um certo tempo de evolução", pondera.

"Há poucos dias, a gente começou a ter um nível de suspeição maior. Os núcleos [de atendimento] estão mais estruturados, inclusive há serviços privados que já estão fazendo exames. É uma demanda diária, mas não é explosiva igual à da covid", diz Cuba, que trabalha no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) e no Nove de Julho, ambos em São Paulo, estado com maior número de casos no Brasil: mais de 740.

São Paulo 27/07/2022 - Retratos do administrador de empresa Anderson Ribeiro, primeira pessoa diagnosticada com varíola dos macacos no Brasil. - Foto: ( Fernando Moraes/UOL) *** EMBARGADO PARA O USO EM INTERNET*** - Fernando Moraes - Fernando Moraes
Sintomas da monkeypox, feridas na pele de Anderson já estão cicatrizadas e clareando
Imagem: Fernando Moraes

Desavisados

A falta de informação tem sido um dos maiores problemas para combater a infecção da varíola dos macacos nesses primeiros meses de surto.

"Um paciente que atendi tinha uma história de peregrinação. Foi em outros hospitais e diziam que era sífilis, mas não melhorava. Diziam que era herpes, e também não melhorava", relata outro infectologista, Dyemison Pinheiro, que atende em um serviço de assistência especializada em infecções sexualmente transmissíveis, em Santa Cecília, região central de São Paulo.

Entre os pacientes regulares de Pinheiro estão pessoas que vivem com HIV e adolescentes com idades entre 15 e 19 anos que usam PrEP — uma combinação dos antirretrovirais tenofovir e entricitabina para prevenir a infecção pelo vírus causador da aids.

Em apenas uma semana, entretanto, o médico chegou a atender três suspeitas de monkeypox. Em todos eles, há feridas no corpo, principalmente na região genital e anal. "As histórias são semelhantes. Depois de cinco a sete dias da exposição sexual, eles começaram a sentir ferimentos, que começavam com vermelhidão, depois ficavam elevados e, quando rompem, sai um conteúdo líquido e rompia", diz.

A demora no diagnóstico, porém, ainda "mostra na realidade que até profissionais de saúde estão desavisados e despreparados com o surgimento de monkeypox".

Enquanto atendem os pacientes, os infectologistas também têm tentado criar uma maneira de informar a população sobre a doença sem criar estigmas. "A gente está evitando a nomenclatura 'varíola dos macacos', porque dá margem para se dizer que é o animal o responsável por isso", pondera o médico Guilherme Anjos.

"Essa varíola foi um erro. Ela surgiu num processo de laboratório dos anos 50, 60, e houve uma contaminação desse vírus em alguns macacos." Ele prefere se referir à doença como "monkeypox", termo que vem sendo usado também pelo Ministério da Saúde.

Outra preocupação dos profissionais de saúde são discursos preconceituosos e de ordem moral contra a população LGBTQIA+, uma vez que estudos mostram que a maioria das pessoas infectadas com o vírus até agora são homens que transam com homens. "A gente tem que evitar erros do passado, como a de ter chamado a aids de 'câncer gay'. Não pode deixar que isso aconteça neste grupo. Monkeypox não é exclusiva deles", ressalta Anjos.

Na quinta-feira (28), o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom, alertou homens que fazem sexo com homens sobre os riscos de contaminação: pediu que se diminui o número de parceiros, por exemplo. Para o médico Rico Vasconcelos, a orientação é adequada, pois o vírus é transmitido por secreções respiratórias e lesões de pele e mucosa.

"Apenas pedir para pessoas doentes não irem a festas e encontros não é suficiente, porque a transmissão é feita também por quem está sem sintomas. Enquanto a gente não tiver vacinas, e camisinha não impede a contaminação, é bom que todo mundo dê uma 'seguradinha'."

São Paulo 27/07/2022 - Retratos do administrador de empresa Anderson Ribeiro, primeira pessoa diagnosticada com varíola dos macacos no Brasil. - Foto: ( Fernando Moraes/UOL) *** EMBARGADO PARA O USO EM INTERNET*** - Fernando Moraes/UOL - Fernando Moraes/UOL
'Mais caseiro', a companhia de Anderson no dia a dia são seus gatos
Imagem: Fernando Moraes/UOL
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Anderson Ribeiro de volta à rotina de trabalho depois da internação
Imagem: Fernando Moraes/UOL

De volta

Faz pouco mais de mês que Anderson retomou suas atividades sociais normalmente. "Cumpri o protocolo de isolamento, estou bem, e as manchas já começaram a desaparecer'', conta o paulistano. "Sou muito caseiro, não fico na rua, prefiro meus gatos. Meu maior trabalho hoje é explicar às pessoas sobre minha vida", brinca.

Ele diz que não se incomoda em falar sobre a varíola dos macacos nem de mostrar o rosto. "Ao contrário do primeiro caso de covid, que a gente não sabe quem é", destaca.

"Não cometi nenhum crime. Tenho certeza que não passei isso para ninguém, me isolei assim que tive os primeiros sintomas. Nem a minha mãe, que estava comigo, pegou."

Para Anderson, essa é a forma de conscientizar mais pessoas sobre os cuidados com o novo vírus. "Ao primeiro sinal estranho deve-se procurar um médico. Quanto mais rápido se isolar, melhor para você e para os outros."