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Sexy faz 30 anos com fã-clube, cola no clitóris e história de siri na bunda

Arte/UOL
Imagem: Arte/UOL

Do TAB, em São Paulo

16/08/2022 21h01

Atrás da geladeira de refrigerantes, dos bonés da NBA e das fileiras de mangás se escondem corpos de uma nitidez crocante. No meio de algumas gringas encalhadas resiste, com mil estratégias, a última revista de mulher pelada de circulação nacional.

A Sexy está completando 30 anos, mas é difícil encontrar um exemplar para homenageá-la. De dez bancas na avenida Paulista, por exemplo, só metade tinha a revista — em nenhuma era a última edição.

As subcelebridades e os cachês desapareceram há mais de cinco anos: hoje em dia as garotas são mais atraídas pela qualificação de "capa da Sexy" junto a seus nomes, o que aumenta o valor de presenças VIP, posts publicitários ou shows de strip-tease.

Os bastidores dos ensaios de foto por vezes são mais saborosos que os físicos retratados.

A beleza feminina em suas páginas mudou ao longo das décadas, indo das mulheres esguias para as bombadas. Mas os hormônios usados para turbinar silhuetas nos treinos reservam um efeito colateral: o clitóris fica avantajado. Algumas garotas assumem; outras usam cola para esconder o que nem o Photoshop consegue disfarçar bem.

Geisy Arruda posa nua para a revista Sexy - Eduardo Martins/Brazil Photo Press/Folhapress - Eduardo Martins/Brazil Photo Press/Folhapress
Geisy Arruda posa nua para a revista Sexy
Imagem: Eduardo Martins/Brazil Photo Press/Folhapress

Fardas e siris

Os cachês eram menores que os da rival Playboy, extinta em 2017. A verba de produção também, o que criava vários apertos. "A adrenalina estava garantida quando tinha fotos em lugares públicos", lembra Susanne Sassaki, que foi editora-executiva da Sexy.

Em uma viagem para Curitiba, um parque bonito e vazio foi escolhido como cenário para um ensaio. Depois dos primeiros cliques, o local ficou lotado de policiais. A equipe da revista não notou que outra lente registrava a nudez, uma câmera de segurança no alto de um poste.

Sessões clandestinas na avenida Atlântica, no bondinho do Pão de Açúcar ou em praias desertas também acabavam com abordagem policial. A estratégia era sempre a mesma: modelo de roupão ou vestido fácil de tirar, segurança à paisana para evitar assédio e furgão já preparado para disparar dali.

A natureza também não colaborava com as fotos externas. Certa vez, uma modelo estava caprichando nas poses em uma praia pernambucana quando sentiu um beliscão — um caranguejo atacava sua bunda. A sessão foi interrompida até passar a dor e a região receber uma maquiagem extra.

Mosaico revista sexy -  -

Fórmula do 'Big Mac'

Inescapável era a imagem da modelo de costas, com bumbum empinado e rosto voltado para trás. Era a típica pose de capa. "A gente tinha dez fotos melhores, mas a escolhida sempre era essa", lembra Lailson Santos, que clicou mais de 200 musas "de celulose".

Também era de praxe o close na genital feminina, que em algumas edições entrava em página dupla. Só não se fazia o "Big Mac" (gíria dos fotógrafos) se o contrato com a famosa vetasse. O clique ginecológico era a marca da Sexy, fronteira que a Playboy não cruzava.

O orçamento apertado já tinha virado piada entre os fotógrafos: enquanto a Playboy levava as famosas para castelos europeus, a Sexy escolhia algum similar nacional na Serra Gaúcha. "Viagem internacional nossa era para Campinas", brinca Santos.

Sempre havia espumante na locação para ajudar a "entrar no clima". Mas houve casos de modelos que ficaram bêbadas, sem conseguir fazer as poses e com o olhar caído que denunciava o pileque. Outras bebiam e choravam no estúdio, arrependidas do que estavam fazendo com a fama repentina.

Nos primórdios, nas reuniões para definir as pautas da revista, editores também bebiam na primeira redação na Vila Olímpia, zona sul de São Paulo, "para fluir as ideias". Tempos em que profissionalismo e álcool se misturavam.

Harém de papel

O maior fã e colecionador da Sexy nunca se masturbou vendo suas páginas. O mineiro Cássio Diaz, 37, ficou fascinado quando, aos 14 anos, descobriu os exemplares da revista na casa de um amigo — pertenciam ao irmão mais velho dele.

Um friozinho na barriga surgia toda vez que mentia a idade para os donos das bancas, até completar 18 anos. "Virou um ritual pra mim. Todo começo de mês corria para a banca antes que se esgotasse", lembra. "Foi minha educação sexual porque minha família é muito conservadora. Mesmo sendo gay, aprendi muito, e as reportagens eram muito boas e esclarecedoras."

Ele comprava as edições antigas em sebos e pela internet. O item mais raro encontrado é justamente de 1999, ano em que folheou suas páginas pela primeira vez: um exemplar de fevereiro, com Viviane Araújo na capa e a manchete "a namorada do Belo do Soweto faz a Sapucaí delirar".

"Sou bem enjoado. A revista não pode ter riscos ou amassados", afirma. Na sua coleção só falta a edição piloto da Sexy Interview de 1992, com Luciana Vendramini na capa. Ele chegou a oferecer R$ 200 por essa publicação, mas o detentor não quis vender. Escasseiam também edições a partir de 2021, quando a revista deixou de chegar à sua cidade no interior de Minas.

Só quando viaja para o Rio atualiza seu acervo, que mantém em dez caixas, longe da luz e da umidade. Cássio vibrou quando encontrou em uma banca de Copacabana a edição de maio último. "Na verdade, meu sonho é sair nas páginas da Sexy. Teve até uma sondagem de fazer uma foto sensual com a Núbia Óliiver, mas a ideia não foi para frente", lembra.

Cássio e outros nove fãs mantêm blog e página no Facebook (com mais de 300 membros) contando histórias, mostrando seus arquivos e divulgando quando há uma edição nova.

Capas da Sexy - Arte/UOL - Arte/UOL
Imagem: Arte/UOL

Musa transa com repórter

A Sexy surgiu três décadas atrás como encarte de uma revista que não existe mais, a Interview. Nos tempos em que a Aids vitimava milhares, incluindo famosos, falar publicamente de intimidades sexuais virou uma mania para celebridades — o recurso, aliás, é usado até hoje para atrair cliques e likes.

Ainda em 1992, a Sexy Interview começou a ser vendida à parte, aproveitando esse filão, com ensaios sensuais mas sem "mulher pelada". A primeira edição foi com Carolina Ferraz na capa e num ensaio interno seminua, fumando no alto de um prédio.

No ano seguinte, a publicação resumiu seu nome, passou a ser mensal e adotou os nus explícitos com os quais iria concorrer com a Playboy brasileira, publicada pela editora Abril desde a década de 1970.

Em 1995, a revista foi comprada por um grupo que incluía o apresentador Otávio Mesquita e dois editores vindos da editora Abril, Ana Fadigas e Angelo Rossi. Mesquita saiu para se dedicar à TV, Fadigas assumiu a G Magazine, e Rossi permaneceu como único proprietário até hoje.

Uma capa polêmica dessa época tinha o seguinte título: "As fotos proibidas: Doris Giesse transa (mesmo!) com Alex Solnik, nosso repórter". Entretanto, o que aparentava ser sexo casual escondia um segredo nas páginas internas — a ex-apresentadora do Fantástico e o jornalista eram casados.

Thalita VP - Divulgação - Divulgação
Ensaio de Thalita VP na Sexy
Imagem: Divulgação

Sem cachê, com vaquinha

Ex-BBBs, panicats, dançarinas do Faustão, misses bumbum e garotas saídas da banheira do Gugu ou do teste de fidelidade do João Kleber povoaram a revista, além de musas de CPI, Lava Jato e protestos. A Sexy também fazia "resgates" da Playboy (Mari Alexandre foi o recorde de vendagem da revista, dois anos após sair na rival) e trazia sósias das inatingíveis (como "Jéssica Feiticeira").

Entre 2000 e 2003, publicaram-se ensaios "lesbian chic" porque havia muitas consumidoras da revista. Nos anos de 2005 e 2006, a Sexy bateu algumas vezes a vendagem da Playboy — uma delas com Scheila Carvalho, que já tinha estampado a concorrente quatro vezes.

Em 2016, mudou o modelo de negócio da revista. Fora o fim dos cachês, sumiram as reportagens e colunas e acabou o sistema de assinatura da versão impressa. Foi priorizado o conteúdo digital. "O site lucra. A revista só se paga. Quem assina nossa página é um público mais velho, que tem receio de entrar em um site erótico que tenha vírus", conta Alessandro Verpa, gerente de marketing da Sexy.

A revista experimentou até um financiamento coletivo para transformar um ensaio digital em papel. Thalita VP, musa fitness e participante de reality show, posou para o site e recebeu a proposta de promover uma campanha na plataforma Catarse pedindo para que seus admiradores a ajudassem a virar garota da capa. "Eu mesma não fazia questão das fotos impressas, mas a notícia da arrecadação online acabou gerando muita mídia", disse Thalita. O dinheiro, porém, não chegou nem à metade do necessário (R$ 25 mil).

Ensaio de Thalita VP na Sexy - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

Bunda grande e banda larga

Com o tempo, a periodicidade da revista ficou irregular e a circulação acontece agora só nas capitais. A média de tiragem é de 35 mil exemplares e o encalhe gira em torno de 30% — ao contrário dos jornais que ganham sobrevida como banheiro de pet, as revistas são trituradas e viram aparas.

Nos dois últimos anos, a Sexy chamou a atenção com capas de uma mulher trans, uma grávida e uma cinquentona. Também fez uma edição só com mulheres negras. Mas nada devolve o sucesso e a repercussão de duas décadas atrás.

Com a disseminação das bandas largas, o erotismo e a pornografia ficaram a um clique de distância. Além da economia de plataforma (o aplicativo OnlyFans é o maior exemplo), o moralismo religioso, o ativismo feminista e outros movimentos críticos colaboraram para o desaparecimento da fama e da dinheirama para um símbolo sexual expor toda sua nudez no papel.

Revistas com bundas na capa foram recuando, saindo do primeiro plano, do foco, dos flashes, do enquadramento e, daqui a pouco, do mundo. As mulheres de celulose deram lugar para as mulheres de pixel.