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Mentor de sexo diz que mulheres de mais de 30 anos são 'desesperadas'

Do TAB, em Guarulhos (SP)

17/08/2022 04h01

Na era dos coaches e cursos online, Fábio Vital, 28, se insere numa categoria que não para de crescer: a dos homens que se consideram qualificados o suficiente para dizerem às mulheres o que elas devem fazer.

No caso de Vital, há um suposto diferencial de sinceridade e humor, ambos empacotados em vídeos que mostram o jovem sem camisa ensinando a praticar um sexo oral infalível, explicando o motivo de os homens transarem e não ligarem no dia seguinte.

Vital se apresenta como "sexólogo, mentor e escritor" e atende quase um milhão de seguidores no Instagram. Seu canal no YouTube, igualmente bombado, é recheado de vídeos com conselhos sobre relacionamentos e sexo direcionados ao público feminino, chamadas de "pererecas" pelo influencer. Suas seguidoras adoram.

Em 2020, ele levou o conteúdo das redes sociais para os palcos e passou a viajar o Brasil apresentando o show "Ele quer casar, ela quer só sexo". Na sexta-feira (12), apresentou-se em um bar de comédia em Guarulhos, região metropolitana de São Paulo, para um público majoritariamente feminino.

Depois de espiar alguns perfis de mulheres que elogiam o trabalho do influencer no Instagram, descobri que faço parte do público-alvo do mentor: mulher cisgênero, heterossexual e acima de 30 anos.

Decidi então abrir meu coração para receber as dicas de Vital. Afinal, nunca é tarde demais para aprender coisas novas. Três dias depois da apresentação, ainda estou rindo da minha própria ingenuidade enquanto digito esses parágrafos.

Carentes e desesperadas

Vital me recebeu rapidamente no camarim para bater um papo antes de subir no palco. Com o cabelo longo e ondulado preso em um coque, gesticulando freneticamente no mesmo ritmo da fala acelerada, o influencer contou um pouco sua trajetória e o motivo de tanto interesse feminino em sua opinião sobre sexo e relacionamentos.

Enquanto se refere às seguidoras como mulheres lindas e independentes, em stories e publicações no Instagram, ao vivo ele especula tamanha procura com muito menos floreio: o motivo de tanta mulher acima de 30 anos fazer parte de seu público seria carência e desespero.

"A partir dos 30 anos a mulher entra em um desespero de casar, encontrar um cara, construir uma família. [...] As mulheres que me procuram já vêm no desespero, o que faz com que elas aceitem qualquer coisa", explica.

Com o intuito de mostrar como funciona a cabeça masculina, Vital se propõe a falar sobre suas próprias experiências sexuais, inclusive as ocasiões em que brochou. "Quebro um tabu quando falo sobre isso."

"Fiz cursos, estudei muito e criei minha própria linha na sexologia", afirma. A própria identidade conta pontos nesse preparo. "A visão masculina é fundamental. Não só a masculina, mas também a visão heterossexual. Nós temos sexólogas mulheres e gays, mas não temos muitos heteros que dão uma visão real."

A visão real de Vital tem um preço. Basta desembolsar R$ 400 para uma sessão de 50 a 60 minutos com o influencer.

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Da esquerda para direita: Tatiane Evangelista da Silva, 34, psicóloga; Tatiane Borelli, 34, professora; e Aline Evangelista Rodrigues aguardam a apresentação de Fabio Vital
Imagem: Carine Wallauer/UOL

'Se fosse mulher, ninguém levava a sério'

Na plateia, grupos numerosos de mulheres aguardavam ansiosas a aparição de Vital, enquanto bebiam caipirinhas coloridas e beliscavam porções de batata frita ao som de hits melosos de sertanejo sobre amores perdidos e corneadas.

"Conheci o Fábio depois de uma publicação dele no Instagram. Gostei do jeito leve com que ele fala sobre sexo e empoderamento feminino sob uma visão masculina", explica a psicóloga Tatiane Evangelista da Silva, 34.

Na companhia de uma amiga e da irmã mais velha, a psicóloga diz apreciar também o jeito "sem julgamentos" do mentor, ainda que ele fale coisas que ela já sabe. "É legal ter um homem falando sobre isso sem tabu. [...] Ele deixa claro que você precisa se valorizar e não se submeter a coisas ruins", afirma.

A visão masculina e a aparência de Vital parecem ser os maiores atrativos no palco e na internet. "Facilita muito ele ser um homem falando isso. Se fosse mulher falando a mesma coisa, as próprias mulheres não levariam a sério."

Minutos depois, no camarim, Vital se mostrou incomodado quando perguntei sobre o uso da aparência para atrair seguidoras. Não que haja um problema em fazer isso, mas ele não se considera mais um rostinho bonito na multidão.

"Honestamente, acho que a mulher está muito mais focada na questão da inteligência do que na beleza. Tem mulheres que falam que não gostam de homens cabeludos, mas são atraídas por mim", defende-se. "Não é pela minha aparência, mas por causa dos meus assuntos. Tem mulher que é sapatão que fala 'eu te chuparia mesmo sendo sapatão'. Vai além da estética."

Ex-fotógrafo da Playboy

Antes de partir para a mentoria de mulheres, Vital trabalhou como fotógrafo da Playboy Brasil aos 23 anos e recém chegado no mercado de fotos. Integrou a equipe entre 2017 e 2018 — parte do último respiro da publicação masculina, cujos direitos de publicação foram comprados em 2015 pela PBB Entertainment — na época, comandada pelos sócios André Sanseverino, Marcos de Abreu e Edson de Oliveira.

Munido pela popularidade da marca, Vital vendia ensaios sensuais por valores elevados — "alguns custavam até R$ 20 mil", conta — e uma porcentagem era repassada para a PBB Entertainment. Um fato curioso é que esse "revival" da Playboy deu muita polêmica, dois anos depois, após modelos acusarem dois sócios de assédio sexual. Os sócios foram afastados, mas pouco tempo depois a publicação finalmente se desintegrou por brigas de uso da marca com a matriz dos Estados Unidos.

Nenhum aspecto desse histórico anterior da publicação parece abalar Vital ou suscitar qualquer tipo de autocrítica ou revisão de valores. Sua história profissional como sexólogo, inclusive, começa com a revista. Nessa época, notando que a maioria dos fotógrafos sensuais nunca mostravam o rosto no Instagram, o influencer viu uma oportunidade de se destacar.

"Dentro da Playboy comecei a trabalhar com a questão da autoestima feminina, foi um foco que eu tive. Então, comecei a atrair o público feminino para essa discussão. A partir desse momento comecei a fazer live, ganhando o público feminino, e fui mudando a minha concepção de como eu iria trabalhar isso futuramente", conta.

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Durante a apresentação de stand up comedy, Vital ensina o público feminino a fazer sexo oral
Imagem: Carine Wallauer/UOL

Passado de militância e denúncias

Na página oficial no Facebook de Vital, bastam algumas descidas de página para conhecer a vida pregressa do mentor.

Nascido em Brasília e graduado em História pela UnB (Universidade de Brasília), ele passou anos compondo o quadro da militância jovem do Psol na capital federal. Também trabalhava como professor de História em um cursinho pré-vestibular. Na época, usava outro sobrenome seu: Coutinho.

Nos poucos comentários nas redes sociais sobre o passado de militância, vêm à tona polêmicas e denúncias relacionadas à conduta do jovem militante junto às companheiras de partido.

Em 2017, o CST Psol (Corrente Socialista dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Psol) publicou no Facebook um comunicado oficial, anunciando o desligamento de Vital (na época, Fábio Coutinho) "após receber graves denúncias acerca de sua conduta moral que envolviam situações de assédio sexual e uma tentativa de estupro contra companheiras".

Não há mais informações sobre as denúncias, tampouco provas de autoria. Em 2014, uma aluna que estudava no colégio onde Vital dava aula chegou a lavrar um Termo Circunstanciado acusando-o de assédio, mas não compareceu à audiência preliminar do caso. A reportagem não conseguiu contato com ela.

As poucas pessoas que conhecem Vital dessa época responderam às perguntas usando um tom semelhante de apreensão. "Ele ameaça todo mundo que se pronuncia publicamente sobre ele", disse uma militante do Psol, pedindo para não ser mencionada nominalmente.

Outra ex-militante do partido também pediu para não ser identificada na reportagem, porque Vital possui "equipe de advogados forte" que "cola pesado em qualquer comentário sobre ele nas redes sociais".

"É um cara que está muito tempo sendo violento e ele parece intocável. Ninguém parece conseguir fazer nada contra o Fábio", diz. "O pouco que a gente consegue se mobilizar já começa uma perseguição bizarra. Tem muita dor em tudo que envolve o Fábio."

Vital nega as acusações e afirma que moveu um processo contra o Facebook para tirar do ar a publicação de 2017 do CST que o acusa de assédio sexual. Segundo ele, as acusações foram fabricadas pelos ex-companheiros de militância por causa de desentendimentos políticos.

"Essa denúncia nunca existiu", diz. "Sempre tive muito carisma e trouxe muita gente na época [em que era estudante universitário] para fazer parte de uma das correntes do Psol, mas passei a ter divergências e ameacei o desligamento da corrente. Por ter uma referência muito grande dentro de um grupo de jovens, a organização lançou uma nota no intuito de me queimar no grupo."

O influencer também afirma que a mudança do nome público, feita também em 2017, não foi em resposta às denúncias, mas remetem a uma mudança de perfil que ele estava fazendo profissionalmente. No mesmo ano, Vital passou a trabalhar para a Playboy e diz que sua trajetória pessoal nunca foi prejudicada pelas denúncias.

"Essa onda ficou muito restrita à militância, nunca afetou meu trabalho em si porque é uma galera muito fechada", conta. "Isso tudo foi só foi para poder acordar, meus pais não queriam que eu continuasse e a decisão de militar por uma organização de esquerda só foi tempo jogado fora", reflete.

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Segundo Vital, a apresentação de comédia é uma forma e tratar sexo de uma forma 'mais leve'
Imagem: Carine Wallauer/UOL

Comédia ou mentoria?

No palco é onde o trabalho de Vital se mostra mais confuso. Tão confuso a ponto de eu me perguntar se deveria mesmo chamá-lo de "mentor". Nas quase duas horas de show, com ingresso a R$ 35 — na realidade, trata-se de uma apresentação de stand up comedy —, ele contou nos mínimos detalhes suas aventuras sexuais. Desde a garota de programa que decidiu contratar em uma Black Friday, porque queria "experimentar uma paulistana", até a vez em que brochou porque a sortuda que escolheu para fazer sexo o chamou pelo diminutivo.

Como parece um show de comédia (ainda que de forma não muito assumida), não é problema algum Vital falar de si mesmo e suas experiências sexuais. O discurso é duvidoso e as piadas são desprovidas de sofisticação, para além da profanidade vazia, mas é seu direito enquanto comediante.

Mas, para quem diz ser sexólogo e se sente qualificado a ponto de ensinar a melhor forma de transar, ele parece considerar corretas apenas as coisas que o fazem sentir tesão. Em determinado momento, referiu-se a uma parceira sexual como "depósito de porra", termo que nasceu em grupos misóginos virtuais e hoje parece ter sido naturalizado, a ponto de um influenciador usar em seu discurso que supostamente foi feito para ajudar mulheres a se sentirem mais à vontade no sexo.

Justiça seja feita, nos minutos finais (e intermináveis) do stand up, Vital se dispôs a transmitir seu conhecimento sexual para a plateia. Primeiro, ensinou como fazer o boquete perfeito. Depois, gastou saliva simulando sexo oral em uma vagina de borracha.

Tentando o máximo transportar minha mente para longe daquele bar de comédia em Guarulhos, tive uma pequena epifania de como eu e outras milhares de mulheres fomos tão arrogantes nos últimos anos de achar que o movimento feminista obteve êxito em descomplicar relacionamentos e sexo para outras mulheres.

Ali estava um influencer de 28 anos se referindo às mulheres como sacos ambulantes de carne, sendo ouvido e endossado como uma voz qualificada para ensinar mulheres a se relacionarem, usando os jargões de sempre do "empoderamento feminino".

O único conforto que consegui nessa epifania foi saber que Vital não foi o cara quem inventou o oportunismo marqueteiro em cima de pautas feministas: Edward Bernays (o inventor das relações públicas) usou as primeiras organizações feministas para estimular o consumo de cigarro entre as mulheres. Em 1929, Bernays contratou mulheres para desfilarem nas ruas, ostentando seus cigarros chamados de "tochas da liberdade".

Mas, para meu pavor, a plateia feminina riu e aplaudiu todas as histórias de Vital, confirmando o sucesso do marketing oportunista. "Ele quebrou o tabu", me disse uma jovem de 23 anos, assim que a apresentação terminou.