Empresa investigada contratou advogado de Milton Leite para disputar edital
A empresa de ônibus Transwolff contratou o escritório de um advogado ligado a Milton Leite (União Brasil), presidente da Câmara Municipal de São Paulo, para prepará-la visando à disputa de uma licitação pública da prefeitura da cidade.
A Transwolff é uma das empresas acusadas de lavar dinheiro para o PCC, maior organização criminosa do país. O advogado é Luciano Vitor Engholm Cardoso, que já trabalhou para Leite.
O contrato entre a empresa e o escritório de advocacia foi assinado em 10 de agosto de 2015. O UOL teve acesso com exclusividade.
O documento foi anexado aos autos relacionados à Operação Fim da Linha em 2 de julho de 2024.
Procurada, a promotoria afirma que avaliará as informações.
Leite é um dos alvos da investigação do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado) do Ministério Público de São Paulo.
Segundo o Gaeco, Leite teve "papel juridicamente relevante" nos crimes da Transwolff, revelou a Folha de S.Paulo.
De acordo com o edital de 2015, a Transwolff precisava de um capital mínimo de R$ 25 milhões para poder concorrer à licitação.
O capital da empresa foi aumentado com "aporte de recursos de origem ilícita, notadamente da organização criminosa PCC", afirma a denúncia do MP-SP.
O UOL perguntou a Engholm Cardoso se Leite intermediou o contato com a Transwolff, mas o advogado não explicou o caso.
"Meu escritório é especializado em direito administrativo com tradição e experiência de cerca de 50 anos. Meus clientes prestam serviços públicos em todo o Brasil e vários países da América Latina e mantenho com eles contratos com cláusulas de sigilo e confidencialidade."
Milton Leite afirmou ao UOL, via assessoria, que não indicou Engholm Cardoso para a Transwolff e que questões sobre a ligação entre eles devem ser direcionadas ao advogado.
Quem é o advogado
Engholm Cardoso se apresenta na proposta encaminhada à Transwolff como "especialista em licitações públicas, tendo sido consultor de diversas associações e entidades de classe".
O UOL apurou que ele conhece Leite há mais de 20 anos. O advogado atuou nos seguintes casos:
- Em 2000, defendeu a Neumax, construtora de Leite, num processo contra a Prefeitura de São Roque (SP). O processo foi suspenso;
- Em 2010, foi a vez da construtora Lesimo, que também pertence a Leite, num caso contra a Prefeitura de São Paulo, também suspenso;
- Em 2011, foi identificado como advogado de Alexandre Leite, filho do vereador, diante do TSE;
- Em 2012, representou Milton Leite num caso de acidente de trânsito, que terminou suspenso;
- Em 2018, defendeu a Lesimo, desta vez contra uma multa de cerca de R$ 3 milhões da Prefeitura de São Paulo. Ele também consta na prestação de contas da campanha de Milton Leite Filho, outro filho do vereador;
- Em 2020, representou Milton Leite Filho em uma ação popular relacionada à Rental, locadora de móveis contratada pela Assembleia Legislativa de São Paulo;
- Em 2020, o escritório aparece na prestação de contas da campanha de Milton Leite, de acordo com dados analisados pelo Observatório Social do Brasil;
- Em 2021, o advogado se identificou como representante de Milton Leite num inquérito policial relacionado a um centro infantil no Parque Figueira Grande, na zona sul de São Paulo. Também consta como advogado do vereador no TRE-SP.
O que diz o contrato
Em 6 de agosto de 2015, o escritório Engholm Cardoso & Sica enviou uma proposta endereçada a Luiz Carlos Efigênio Pacheco, o Pandora, dirigente da Transwolff e hoje réu na Justiça.
Atualmente, o escritório se chama Engholm Cardoso Advogados Associados.
Pandora é acusado pelo MP de envolvimento com o PCC.
Segundo a apresentação, o escritório tem "por principal diferencial o foco em resultados a partir de relações pessoais e de atuação personalizada" e "ênfase na estruturação de PPPs e concessões tradicionais".
O escritório, de acordo com a apresentação, era coordenado por dois sócios: Luciano Vitor Engholm Cardoso e Heitor Vitor Mendonça Sica.
O documento também destacava o advogado Sérgio Henrique Passos Avelleda como coordenador-geral de projetos especiais.
Avelleda foi presidente da CPTM e do Metrô de São Paulo.
Ele assumiu a Secretaria de Mobilidade e Transportes em 2017 e foi exonerado em 2018.
O contrato foi assinado por Pandora em 10 de agosto de 2015, em nome da Transwolf (grafada incorretamente no documento com um F só).
O acordo determina que a assessoria jurídica para a licitação inclui três fases, "desde a fase pré-edital até a gestão contratual".
Na fase 1, constam como atividades "elaboração dos instrumentos jurídicos necessários à participação na concessão" e "estruturação econômico-financeira".
Na 2, "participação em sessões e audiências públicas relativas à concorrência".
Na 3, "assessoria jurídica no encerramento do contrato de concessão".
O contrato prevê ao todo pagamento de R$ 800 mil para as fases 1 e 2. Depois, 0,4% dos valores líquidos mensais obtidos pela Transwolff.
Nos autos
Informações referentes ao contrato foram anexadas aos autos da Operação Fim da Linha.
O acordo entre Transwolff e o escritório de advocacia foi mencionado durante a defesa de outros dirigentes da empresa de ônibus que são réus no caso.
Em 1º de julho, a defesa dos réus Carlos Couto Ramos e Moisés Gomes Pinto anexou a proposta do escritório Engholm Cardoso & Sica para argumentar que não houve fraude na licitação.
Ramos e Pinto eram diretores da Transwolff.
Segundo a defesa, a empresa investigada saiu vencedora do edital graças à "assessoria específica e jurídica excepcional — tendo contratado profissionais de exímio saber jurídico atuantes na área de licitação".
Em 2 de julho, a defesa de Joelson Santos da Silva, também réu no caso, citou a assessoria jurídica, argumentou que não há provas de que ele era o contador da Transwolff e que, por isso, não teria participação em crimes envolvendo licitações.
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