IA vai transformar fãs em batalhão de criadores, prevê diretora do YouTube
Premiada pela Billboard como uma das mulheres mais poderosas da música, Vivien Lewit aponta o futuro do pop tanto quanto Beyoncé ou Taylor Swift.
Mas seu comando é nos bastidores. Hoje, o foco é a parceria entre músicos humanos e a IA (inteligência artificial).
Diretora global de relações artísticas do YouTube desde 2011, Vivien conta sua visão ao UOL: a IA vai fazer na música o que câmeras digitais de celulares fizeram na fotografia e transformar uma legião de pessoas comuns em criadores de música.
Vivien prevê que pessoas como "eu e você" vão criar cada vez mais música com IA, mesmo sem fazer ideia de como se produz em estúdio.
Ela explica que não será uma produção profissional, assim como a de milhões de pessoas que fotografam no celular sem habilidade nem pretensão de "criar algo no nível da capa da revista Vogue".
Os especialistas vão continuar requisitados. A atividade desses produtores e músicos, inclusive, também vai contar com ferramentas de IA para aumentar a criatividade, afirma Vivien.
Por isso o YouTube já faz experiências nos dois níveis: da criação amadora e profissional.
O projeto Dream Tracks permitiu a cem jovens criadores da plataforma de vídeos curtos YouTube Shorts fazer posts com músicas em IA.
Essas faixas usavam algoritmos para imitar a voz e o estilo de nove cantores, incluindo Charli XCX, Charlie Puth e Demi Lovato.
O segundo projeto é o Music AI Sandbox, voltado a profissionais. Ele ajuda a gerar ideias e sintetizar vozes e instrumentos na corrida para produzir hits.
Não faltam temores. Na entrevista, ela foi confrontada sobre uma reportagem da mesma Billboard que a exaltou.
Em janeiro de 2024, a revista disse que o YouTube criou o projeto Dream Tracks sem a autorização prévia dos artistas.
A proposta foi apresentada com o algoritmo imitando o estilo de vários cantores, que ficaram constrangidos e preocupados, disse a revista.
A executiva não explicou como a empresa mostrou a ideia aos cantores, mas admitiu que é preciso lidar com o medo que músicos têm de perderem o controle sobre sua obra com a IA.
"Há muita coisa que não podemos prever", admitiu Vivien durante a entrevista no escritório do Google em São Paulo. Leia abaixo os principais trechos da conversa:
UOL: O YouTube, no início, causou problemas na indústria da música e depois virou um aliado. Hoje, vejo uma ação mais cautelosa de vocês em relação à IA. O que justifica essa nova abordagem?
Vivien Lewit: Eu vivi toda essa época [antes de entrar no YouTube, Vivien foi advogada de artistas no auge da briga das gravadoras contra o download ilegal, antes da era do streaming]. Então, trabalhamos duro com nossos parceiros nos últimos anos. É nosso objetivo ser o maior criador de receita da indústria da música. Vemos a IA como o próximo momento-chave. Estamos caminhando para uma tecnologia capaz de aumentar a criatividade e a conexão dos artistas com os fãs. É muito importante que façamos isso da maneira certa e precisamos ser responsáveis. Muitas vezes na história a tecnologia evoluiu e não houve um diálogo real sobre seu impacto nas pessoas. Queremos fazer diferente.
A IA permite clonar vozes. As gravadoras estão dando aos artistas o controle, para serem donos de seus algoritmos de voz. Vocês deram a ferramenta aos artistas e também aos fãs. Por quê?
Pretendemos avançar em colaboração com a indústria. Vamos ser ousados e responsáveis para inovar rapidamente. Existem oportunidades para nossos parceiros em IA: monetização, controle, proteção de direitos e atribuição. Tudo isso com confiança e segurança. O Dream Tracks é um experimento pequeno. Fizemos uma parceria com nove artistas que nos deixaram habilitar criadores do YouTube confiáveis e verificados, para gerar clipes de áudio de 30 segundos de música criada a partir de IA.
Mas de que forma o artista é remunerado com o Dream Track?
Os termos de parceria são confidenciais. O que eu posso dizer é que eles toparam participar conosco dessa experiência.
Quais são os próximos passos?
Estamos na fase de testar e aprender. Criamos o Music AI Sandbox , que são ferramentas para o uso profissional por músicos em estúdio. É um kit de ferramentas de produção para ajudar a aumentar a criatividade. Estamos focados na criação, mas de maneiras que exigem talento artístico humano como orientação.
Em 5 anos, como você imagina que a IA terá transformado a música?
Há muita coisa que não sabemos e não podemos prever. Mas, se olharmos para os saltos tecnológicos do passado — Pro Tools, baterias eletrônicas, streaming etc —, vejo a IA dando potencial criativo de duas formas: para artistas profissionais aprimorarem seus talentos ou para você e eu sermos capazes de fazer música, mesmo sem saber fazer isso em estúdio. São esses dois caminhos para onde eu vejo o futuro da música. Vai haver uma evolução e um equilíbrio entre o uso da tecnologia por nós, como fãs, e os criadores de música.
A revista Billboard disse que artistas ficaram constrangidos ao ver o uso de suas vozes em IA sem autorização prévia pelo YouTube na proposta do Dream Tracks. O que você tem a dizer?
Cada artista tem uma reação diferente à tecnologia. Há muitos artistas que têm medo. Posso dizer que, em geral, as respostas dos artistas são multifacetadas, e isso inclui produtores e compositores. Você vê alguns deles se manifestando e falando sobre isso mais publicamente.
Sei que o YouTube busca uma forma de identificar conteúdos criados por IA. Isso parece fundamental. Como vai funcionar?
Ele ainda está em um estágio inicial. Ainda não posso comentar com detalhes [como vai funcinar], mas o objetivo é identificar os vídeos feitos com IA. Estamos trabalhando nisso.
Vocês chamaram artistas como consultores de seus projetos de IA na música. Um deles é a Anitta. Qual é a participação dela?
Ela dá feedback. Os participantes recebem acesso antecipado a ferramentas em desenvolvimento, experimentos, ideias, e perguntamos a opinião deles. Qual é o valor dessas ferramentas e quais as preocupações? Não estamos de óculos cor-de-rosa, sabemos que existem medos e é importante que ouçamos todos eles.
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