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Líderes do Pacto Global da ONU no Brasil são acusados de assédio moral

Doze profissionais denunciam casos de assédio moral no Pacto Global da ONU no Brasil.

O Ministério Público do Trabalho foi notificado no dia 21 de outubro e, segundo apurou o UOL, deve colher informações preliminares. O caso está sob sigilo.

O Pacto é uma iniciativa das Nações Unidas para engajar empresas no desenvolvimento sustentável.

Os acusados são o CEO Carlo Linkevieius Pereira e o diretor Otávio Toledo.

O UOL ouviu oito denunciantes e três testemunhas que trabalham ou trabalharam na organização — todas as identidades serão preservadas.

Há relatos de episódios de ordens dadas aos gritos, humilhações públicas e jornadas de trabalho de mais de 12 horas por dia.

Pereira diz que está "absolutamente tranquilo". "Tenho plena convicção de que minha conduta sempre esteve alinhada aos valores que defendo", afirmou, via assessoria de imprensa.

Toledo diz que sempre se alinhou aos princípios éticos do Pacto Global. "Jamais desrespeitei ou humilhei qualquer colaboradora ou colaborador em nosso ambiente de trabalho."

O UOL apurou que Pereira e Toledo estão fora do escritório. Procurada pela reportagem, a organização informou que os executivos entraram de férias "para evitar questionamentos a respeito da lisura e imparcialidade da apuração".

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Desde 2022, funcionários registraram reclamações no RH e no site oficial da organização no Brasil. As denúncias foram arquivadas.

"Após apuração interna conduzida pelo Comitê de Integridade, não identificamos indícios de atos ilícitos ou violações das normas de conduta do Pacto", diz a resposta a uma das denúncias de 2023, à qual o UOL teve acesso.

O CEO chegou a ironizar publicamente as acusações durante um evento em São Paulo. A reportagem teve acesso ao áudio. Ele nega o teor.

O CEO Carlo Pereira (à esq.) e o diretor Otávio Toledo, do Pacto Global da ONU no Brasil
O CEO Carlo Pereira (à esq.) e o diretor Otávio Toledo, do Pacto Global da ONU no Brasil Imagem: Divulgação

Mulheres foram as principais denunciantes.

Elas afirmam que continuam defendendo a agenda do Pacto Global, que consideram essencial para promover transformações sociais.

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"É justamente por acreditarem no poder e na importância da organização que as denunciantes se unem neste momento desafiador e doloroso, buscando resgatar não apenas sua dignidade, mas a dignidade do próprio Pacto Global", afirma a advogada Juliana Bertholdi, porta-voz do grupo.

Neste mês, as denúncias foram encaminhadas por email ao Pacto.

Procurado, o Pacto Global no Brasil afirmou que foi informado no dia 17 de outubro sobre alegações novas que não tinham sido submetidas antes — segundo a instituição, foram quatro denúncias de assédio moral em 2023 e uma em 2022.

A organização informou que imediatamente instaurou uma apuração, que está sendo conduzida por um escritório externo de advocacia e supervisionada por um comitê especial.

Foram feitas ao menos duas reuniões gerais para informar os profissionais do Pacto sobre o caso. Em uma delas, na segunda (28), eles foram orientados a "blindar" a organização, pois o assunto pode "afetar diretamente" a reputação profissional individual de todos eles.

Denunciantes também levaram o caso à matriz do Pacto Global, em Nova York (EUA), à ONU Brasil, em Brasília, e à ONG Anistia Internacional.

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A ONU Brasil informou que, por procedimento interno, direcionou denúncias relacionadas ao Pacto Global no Brasil à sede do Pacto Global em Nova York.

Um porta-voz do Pacto Global em Nova York afirmou que a situação reportada no Brasil está sendo tratada com máxima urgência.

"Nós temos tolerância zero com assédio de qualquer tipo", afirmou o órgão, por email.

Evento do Pacto Global da ONU no Brasil
Evento do Pacto Global da ONU no Brasil Imagem: Fellipe Abreu/Divulgação

O que diz a denúncia

Segundo um dos depoimentos, Carlo Linkevieius Pereira bateu na mesa e gritou com uma funcionária que questionou o escopo de uma reunião marcada de última hora, em abril: "Eu sou o CEO dessa porra e eu que decido o que é melhor!".

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Três testemunhas confirmaram o relato à reportagem.

Pereira nega. "Afirmo que nunca usei de tons excessivos e autoritários em nenhuma reunião. Tais comportamentos não são de meu estilo e quem atua e atuou ao meu lado sabe disso."

Denunciantes dizem que o CEO e o diretor Otávio Toledo respondiam com agressividade quando questionados sobre transparência de certos projetos, custos e outras questões técnicas.

Elas afirmam que já foram chamadas de "incompetentes", "imaturas" e "burras" por Toledo. Uma delas conta que foi desautorizada pois "só diz bosta".

Entre 2022 e 2023, reclamações foram registradas junto ao comitê interno.

Uma das denunciantes diz que também indicou testemunhas, mas que elas nunca teriam sido convocadas para comentar os casos.

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Segundo os relatos, o diretor chegou a questionar a "lealdade" de uma das profissionais, sugerindo que sabia das denúncias que, em tese, deveriam ser protegidas por sigilo.

Uma profissional conta que Toledo tinha uma estratégia para evitar registros de assédio.

Ela diz que o diretor raramente respondia mensagens ou emails e preferia resolver tudo por telefone, o que evitava a produção de provas de abusos e agressões.

Evento do Pacto Global da ONU no Brasil
Evento do Pacto Global da ONU no Brasil Imagem: Reprodução

'Tudo é burnout'

Instalado na avenida Faria Lima, centro financeiro de São Paulo, o Pacto Global tem cerca de cem funcionários. Muitos deles, em home office.

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O trabalho envolve eventos presenciais e viagens, inclusive para o exterior.

Segundo os relatos, a jornada de trabalho de certas áreas incluía até nove reuniões por dia e disponibilidade 24 horas (no email, Slack, Teams e WhatsApp).

Também é necessário organizar ou participar de mais de 80 eventos por ano, entre outras atividades.

Três testemunhas confirmam os relatos de como é a dinâmica de trabalho.

No fim de 2022, foi feito um workshop no Ibirapuera, zona sul de São Paulo, durante uma integração do Pacto Global. Lá, diversos participantes, de diferentes áreas, fizeram relatos públicos de burnout, citando cobranças e clima de urgência para tudo, relatam uma denunciante e uma testemunha.

Tempos depois, uma dirigente, segundo as denunciantes, minimizou as reclamações: "Agora todo mundo tem burnout por qualquer coisa".

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Evento do Pacto Global da ONU no Brasil
Evento do Pacto Global da ONU no Brasil Imagem: Reprodução

Ironias e represálias

De acordo com o documento encaminhado ao MPT, as autoras foram alvo de retaliação depois das denúncias.

Elas afirmam que, por exemplo, foram isoladas e impedidas de participar de eventos estratégicos que haviam organizado.

Uma das denunciantes, que ocupava cargo de liderança, conta que, devido às pressões, chorou inclusive durante reuniões.

Segundo ela, não foram poucas as vezes em que precisou "engolir o choro" até antes de subir ao palco de eventos do Pacto Global.

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No fim de abril de 2023, durante um evento com a equipe no centro de São Paulo, o CEO ironizou indiretamente as acusações de que as denúncias não foram para frente "para proteger alguém dentro do Pacto".

"É quase uma teoria conspiratória terraplanista", afirmou Pereira.

Uma das denunciantes diz que parte do auditório ficou sem entender o contexto das declarações.

Pereira diz que a frase foi tirada de contexto. "Afirmo reiteradamente que jamais ironizei o processo ou o resultado de apuração de denúncias pelo comitê de integridade e demais instâncias do Pacto Global."

O CEO Carlo Pereira, do Pacto Global da ONU no Brasil
O CEO Carlo Pereira, do Pacto Global da ONU no Brasil Imagem: Divulgação

O que é o Pacto Global

O Pacto Global da ONU "não é qualquer organização, mas aquela que deveria ditar os passos e dar o exemplo para todas as demais sobre como desenvolver um ambiente de trabalho equitativo, saudável e promotor dos direitos humanos, de minorias e grupos mais vulneráveis", diz o documento que foi encaminhado ao MPT.

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O Pacto é uma iniciativa do diplomata ganês Kofi Annan (1938-2018), lançada em 2000, quando ele era secretário-geral das Nações Unidas.

Segundo o site oficial, é "a maior iniciativa de sustentabilidade corporativa do mundo".

O Pacto está presente em mais de 60 países e reúne mais de 20 mil participantes com o objetivo de orientar empresas a desenvolver ações alinhadas aos princípios da ONU, entre eles direitos humanos e direito do trabalho.

O braço brasileiro iniciou operações em 2003.

Mais de 2.000 empresas são signatárias do Pacto Global no Brasil, segundo o site oficial da organização. Participam gigantes como Ambev, Petrobras e Santander.

Num artigo publicado em novembro de 2022 pelo jornal Valor Econômico, o CEO comentou a "cultura tóxica" presente em corporações, citando como exemplos "assédio moral e sexual, jornadas exaustivas, metas abusivas, eventos traumáticos, perseguição do chefe, isolamento".

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"Eu, como líder, quero proporcionar um ambiente psicologicamente seguro", escreveu Pereira.

"Estávamos em uma instituição que foi feita para mudar as coisas e nos deparamos com a dura realidade", lamenta uma denunciante que foi demitida.

"Assediador não tem 'perfil', nem espectro político", acrescenta outra, que pediu demissão.

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