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TCE do Piauí facilita venda de folga e beneficia até esposa de ministro

O TCE-PI (Tribunal de Contas do Estado do Piauí) facilitou a venda de folgas a seus conselheiros e procuradores ao mudar regras internas da corte.

O pagamento do penduricalho já engordou em R$ 7,1 milhões os contracheques do tribunal, incluindo de aposentados. Pago desde 2023, o valor é relativo aos últimos quatro anos.

Neste ano, a corte pagou R$ 306 mil a cinco autoridades do TCE-PI —individualmente e sem incidência de Imposto de Renda—, o equivalente a até oito salários brutos adicionais.

O benefício concede até dez dias de folga por mês ou a venda do descanso a autoridades que acumulem processos, função ou juízo. As regras para pagamento da licença compensatória foram, contudo, flexibilizadas.

O tribunal reduziu o número de processos necessários para se alcançar o bônus —de 300 ao ano para 220— e ampliou o leque de cargos que podem ser acumulados.

Uma das 16 autoridades do tribunal (sete conselheiros, quatro substitutos e cinco procuradores) é a esposa do ministro do Desenvolvimento, Wellington Dias.

Ex-deputada federal, Rejane Dias tomou posse como conselheira da corte em janeiro de 2023, indicada pelo governador Rafael Fonteles (PT), sucessor do marido no cargo.

A remuneração-base de conselheiros e procuradores de Contas é de R$ 39 mil mensais. Aos substitutos o tribunal paga R$ 37 mil. Os penduricalhos são somados aos salários e não se sujeitam ao teto constitucional —atualmente em R$ 44 mil.

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Nos últimos anos, a venda de folgas começou a ser paga por tribunais de contas, Justiça federal e estadual e ministérios públicos.

O TCU (Tribunal de Contas da União) também já autorizou o penduricalho.


Tribunal omite bônus em contracheques

A venda de folgas foi autorizada pelo próprio TCE-PI em maio de 2023.

Os contracheques de conselheiros, seus substitutos e procuradores —publicados no site do tribunal— ocultaram, contudo, até o início deste mês, os valores recebidos pela venda de folgas. Por mais de um ano, o portal indicou apenas uma despesa global com o bônus.

Após questionamento do UOL, a corte incluiu os gastos individualizados no site.

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Enquanto omitia os valores, o tribunal celebrou, em 14 de novembro, a conquista do "Selo Diamante do Programa Nacional de Transparência Pública" pela "excelência no acesso e clareza das informações institucionais".

O TCE confirmou à reportagem que os pagamentos das folgas estavam sendo contabilizados "de maneira global, sem individualização por membro" e apontou "a necessidade de aperfeiçoamento da divulgação da informação".

"Não há omissão intencional, mas mera falha", afirmou.

Mudanças abrem espaço para mais gastos

A venda de folgas beneficia conselheiros, seus substitutos e integrantes do Ministério Público de Contas por acúmulo de processos, de função administrativa ou juízo (substituição do titular do cargo em casos de férias e licenças).

Quando a autoridade se encaixa em alguma dessas categorias, ela tem direito à "licença compensatória" —até dez dias de folga por mês— ou à venda desse descanso.

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O tribunal considerou que o excesso de processos ficaria configurado quando conselheiros, substitutos e o procurador-geral de Contas tivessem mais de 300 procedimentos fiscalizatórios por ano em seus gabinetes. Os demais procuradores, se tivessem mais de 400.

Em outubro de 2023, a corte alterou a regra e diminuiu esse número: 220 processos para todas as autoridades.

O tribunal também havia definido que o acúmulo de função ocorria quando um conselheiro ocupava a presidência do tribunal. Em agosto, o TCE caracterizou o acúmulo pelo exercício de funções em comissões permanentes da corte.

O Tribunal de Contas do Piauí negou ao UOL ter facilitado metas internas. Um dos motivos indicados pela corte é que a venda de folgas pela quantidade de processos não é a única forma de receber o penduricalho.

As autoridades podem ser beneficiadas, por exemplo, por acúmulo de função —norma que também foi flexibilizada.

A corte alegou que outros tribunais de contas estabelecem números semelhantes de processos (220) e justificou a diminuição como um ajuste em razão de uma "maior complexidade" dos procedimentos atuais.

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O TCE afirmou que a licença compensatória "resultou na diminuição no estoque de processos do tribunal" —sem contudo detalhar isso como se deu.

"A fixação do quantitativo de processos atende a critérios que proporcionam maior fluidez na tramitação e redução dos estoques existentes", acrescentou.

Fachada do Tribunal de Contas do Estado do Piauí, Teresina
Fachada do Tribunal de Contas do Estado do Piauí, Teresina Imagem: Divulgação

Tribunal abre brecha para pagamentos retroativos

A "sobrecarga" de processos, juízo ou função no TCE-PI dava direito, inicialmente, a uma folga a cada seis dias de "exercício cumulativo".

A norma foi alterada até chegar a uma folga a cada três dias trabalhados em dezembro de 2023. Segundo o tribunal, a razão da mudança foi se equiparar a outras cortes.

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Em maio, o TCE do Piauí incluiu outra alteração: a licença compensatória seria devida a partir do início da vigência de uma lei de 2015, o que abriu brecha para pagamentos retroativos.

A corte quitou neste ano, por exemplo, valores referentes a 2021 e 2022 e beneficiou dois conselheiros aposentados —ambos receberam um total de R$ 176 mil com venda de folgas.

A corte confirmou ao UOL que pagará valores retroativos, se tiver orçamento.

O professor e pesquisador da Escola de Ciências Sociais da FGV (Fundação Getulio Vargas) Sérgio Praça explica que "é desejável, no papel, que os Tribunais de Contas tenham autonomia para definir seus orçamentos e salários" para não ficarem à mercê dos políticos.

"Deveria haver um teto —e há, mas não é cumprido— monetário para salários e benefícios. O espírito dessa lei é violado por conselheiros e procuradores que deveriam defender o interesse público acima de tudo, sem tirar vantagens pessoais dos cargos", afirma.

"Deveria haver punição ou outro tipo de mecanismo legal para evitar o descumprimento do limite [constitucional]."

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O tribunal também justificou os pagamentos por vendas de folgas com base em leis federais e estaduais e "inúmeros atos normativos [resoluções] do CNJ [Conselho Nacional de Justiça], CNMP [Conselho Nacional do Ministério Público], tribunais de Justiça e ministérios públicos Brasil afora".

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