Prestes a se despedir da Prefeitura de Araraquara (SP), Edinho Silva (PT) ainda não sabe o que fará após 1º de janeiro de 2025.
Ele diz que não deixará a cidade de cerca de 240 mil habitantes, mas hoje é cotado para assumir dois dos cargos mais visados da política.
Um deles, no governo federal, como sucessor de Paulo Pimenta no comando da Secom (Secretaria de Comunicação).
O outro, como presidente nacional do PT, no lugar da deputada federal Gleisi Hoffmann.
Para a liderança da legenda, Edinho é o preferido do presidente Lula. Esse apoio, inclusive, não é o único exemplo de sintonia entre o prefeito de Araraquara e o governo federal.
Em julho de 2023, o Ministério das Cidades aprovou, em 24 horas, um repasse de R$ 143 milhões para uma obra de infraestrutura contra enchentes na cidade paulista.
O valor foi aprovado pela pasta um dia após Lula telefonar para o ministro Jader Filho.
Entre outubro de 2023 e maio de 2024, o Ministério da Saúde destinou R$ 94 milhões a Araraquara sem seguir o procedimento previsto em lei.
Procurado, Edinho não quis comentar os casos.
Entre maio e agosto de 2023, o UOL apurou que Edinho também gastou mais de R$ 420 mil em despesas no cartão corporativo da Defesa Civil.
Não há notas fiscais anexadas no Portal da Transparência para justificar as despesas —a pedido da reportagem, a assessoria de imprensa encaminhou os documentos.
Edinho revelou em seu livro "Uma Cidade na Luta pela Vida" o que pensa dos questionamentos sobre gestão das contas públicas nessas circunstâncias.
Ele se refere ao assunto como "julgamentos dos órgãos de fiscalização, dos requerimentos esdrúxulos da oposição no Legislativo ou dos imensos questionamentos dos agentes do Ministério Público".
O lançamento do livro, em novembro de 2023, contou com presenças de figuras como José Dirceu e Emílio Odebrecht, alvos da Operação Lava Jato.
Edinho foi ministro da Secom entre 2015 e 2016 e estava no governo Dilma Rousseff no auge da investigação.
Ministro sem ministério
A primeira-dama Janja também mostra sincronia com Edinho —o que não necessariamente agrada a toda a cúpula petista.
Foi dela a iniciativa de visitar Araraquara em janeiro de 2023, após as enchentes na cidade.
Edinho afirma em seu livro que só soube que Lula também iria ao interior paulista ao ver no celular uma chamada de "Moraes (Presidente Lula)".
"Assim eu identificava o número do hoje ajudante de ordens [Moraes]. Toda vez que esse número chamava eu sabia que era Lula querendo falar comigo", conta.
Em maio de 2024, Edinho foi um dos integrantes da comitiva de Janja ao Sul, onde ocorreram enchentes fortes, para entregar 25 toneladas de donativos.
Ele se juntou à caravana com os ministros Paulo Pimenta (Secom), Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) e Waldez Góes (Integração).
Foi quando surgiram as críticas internas do PT de que Edinho age como "um ministro sem ministério".
Lula voltou a Araraquara no fim daquele mês para assinar a ordem de serviço de início da obra antienchente.
Também não foi a única vez que a cidade recebeu o primeiro escalão que bate ponto em Brasília.
Dez ministros foram a Araraquara até agora em diferentes momentos, entre eles, Alexandre Padilha (Relações Institucionais), Ricardo Lewandowski (Justiça) e Simone Tebet (Planejamento).
'Um cara normal demais'
Nos bastidores, o prefeito tem apoio de personalidades históricas do PT, como José Dirceu, para liderar o partido.
O perfil conciliador até agora lhe garantiu as graças de Lula —que, se for tentar a reeleição em 2026, precisará negociar com partidos de centro e de centro-direita.
Um dos trunfos indicados por petistas é o perfil mais "moderado" de Edinho em relação a Gleisi, considerada mais "estridente".
Inclusive na internet: ele seria mais discreto, com cerca de 27 mil seguidores no Instagram e 40 mil no X (ex-Twitter); ela, mais eloquente, tem mais de 900 mil no Instagram e 1,2 milhão no X.
Ele diz que não se intimida com a visibilidade. Também indica que não quer dar um passo maior que a perna.
"Quem constrói esse processo é a Gleisi. Não há como ter um processo de sucessão no PT se não for conduzido por ela."
Atual vice-presidente do partido, o deputado federal fluminense Washington Quaquá já criticou publicamente Edinho, a quem considera a "escolha errada" para liderar a legenda.
"Não tenho nada pessoal contra Edinho. A crítica é política", diz Quaquá ao UOL.
"O PT não pode ter um presidente que perdeu eleições em uma cidade pequena. O PT é o maior partido de esquerda do hemisfério sul. Edinho é um cara normal demais para ser o presidente do PT."
Quaquá diz que Lula está cercado por "bajuladores" e "puxa-sacos" que não têm coragem ou estatura política para "buscar correções de rumo quando for necessário, criticar quando for necessário".
O parlamentar considera Paulo Okamotto, presidente da Fundação Perseu Abramo, a melhor aposta para liderar a legenda.
"É um militante histórico do PT. É amigo de Lula, mas não é bajulador."
Companheiro Edinho
Edinho administrou Araraquara em quatro mandatos: entre 2001 e 2008 e entre 2017 e 2024. Foi reeleito duas vezes, mas não conseguiu fazer sucessor —neste ano, venceu um candidato bolsonarista.
"Se você pegar os 5.700 prefeitos neste país, você não vai encontrar nenhum melhor que o companheiro Edinho", declarou Lula, em evento na cidade paulista, em maio deste ano.
Na pandemia de covid-19, quando Lula ainda não estava com a ficha limpa para disputar as eleições de 2022, Edinho atraiu atenção nacional ao decretar lockdown em Araraquara.
Foi acusado na época de fraude de quase R$ 49 milhões na tentativa de compra de 300 respiradores de fabricantes chineses.
O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) chegou a pedir o impeachment de Edinho, o que não ocorreu.
No livro, o prefeito citou indiretamente o imbróglio: "O que importava era salvar vidas, e não havia tempo para se cumprir os ritos impostos pela legislação".
"As belas teses do planejamento, o orçamento perfeito, uma execução orçamentária exemplar, tudo isso vale para quem está longe do dia a dia de uma cidade, para quem não governa o local onde a vida acontece", completou.
No livro, ele também aponta uma "frieza do distanciamento, sem nenhuma empatia" dos órgãos responsáveis por analisar as contas da cidade após as tempestades que alagaram Araraquara, nos últimos dias de 2022.
Tudo acontece em Araraquara
Foram essas tempestades que levaram Lula ao interior paulista nos primeiros dias de 2023.
Lula, Janja, o fotógrafo Ricardo Stuckert, o empresário Paulo Okamotto e os ministros Jader Barbalho Filho (Cidades), Luiz Marinho (Trabalho) e Waldez Góes (Integração) desembarcaram no aeroporto da Embraer e foram ver os estragos.
A comitiva foi informada durante a visita que o caos havia se instalado em Brasília.
Era domingo, 8 de Janeiro.
Foi no gabinete de Edinho, no sexto andar da prefeitura, que Lula montou seu QG para superar a crise.
Por um dia, Araraquara foi "a capital do Brasil", como diz o título do capítulo 5 do livro de Edinho.
"Foi nesse sofá que a Janja disse: 'GLO, não'", lembra o prefeito, referindo-se ao momento, revelado pelo documentário "8/1", da GloboNews, em que a primeira-dama desaconselha o presidente a decretar uma GLO (Garantia da Lei e da Ordem), dispositivo que acionaria autoridades do Exército.
"GLO é tudo que eles querem. É tomar conta do governo", disse Janja, segundo Lula.
O episódio, revelou o podcast "Janja", do UOL Prime, tem nuances: Janja não foi a única a se posicionar contra a GLO e, segundo seus interlocutores, não tem tanta influência nas decisões do presidente quanto querem crer seus defensores.
"Deus quis o destino e estávamos aqui para derrotar o fascismo", diz Edinho ao UOL, no seu gabinete, em 14 de novembro.
O prefeito lembra que Araraquara também foi protagonista em outros momentos da história recente da política, como o lockdown e o hacker da Vaza Jato.
O hacker é Walter Delgatti Neto, que vazou mensagens trocadas pela força-tarefa da Lava Jato e originou a série de reportagens Vaza Jato, do site The Intercept Brasil (que teve o UOL entre os parceiros), em 2019.
Delgatti Neto foi preso e, em 2023, condenado a 20 anos de prisão.
Edinho considera o hacker um "Macunaíma", o "anti-herói" do autor modernista Mário de Andrade —livro escrito, aliás, em uma chácara de Araraquara, na década de 1920.
"Walter é um menino muito sofrido, com histórico de abandono, acolhido pela avó. E ele é um gênio. O desfecho depois foi terrível, pois ele se rendeu ao bolsonarismo", diz Edinho, referindo-se a invasões feitas pelo hacker a pedido da deputada federal Carla Zambelli (PL), entre 2022 e 2023.
William Delgatti, tio do hacker, e Edinho foram amigos na adolescência.
O prefeito conta que William foi um servidor de carreira que contribuiu para o orçamento participativo, instrumento que permite a participação popular nas decisões de investimentos da cidade. Ele morreu recentemente, de câncer.
Mais um Silva
Edinho nasceu em Pontes Gestal (SP) e mudou para Araraquara com a mãe Maria e o pai Antônio a bordo da carroceria de um caminhão.
Morando na zona rural, andava 5 km no barro até a escola na Vila Ferroviária, notando a ausência de praças e postos de saúde no caminho. "Aprendi que havia algo de errado naquele jeito de viver", conta em seu livro.
Na "Igrejinha", aprendeu a Teologia da Libertação. Durante a juventude, jogou no clube de futebol Ferroviária, filiou-se ao PT, foi office boy no histórico hotel Uirapuru e operário na fábrica Lupo.
Participou do movimento sindical, que se reunia de madrugada, pois muitos trabalhadores precisavam bater o ponto às 6h. Na Unesp, onde cursou ciências sociais, não participou do movimento estudantil, que considerava "elitista".
Edinho era um "azarão" nas eleições de 2000: até então, a cidade fora governada por representantes de famílias famosas (Lupo, Medina, Massafera, Santi e Barbieri), e ele era um Silva.
Foi nessa época que Lula conheceu Edinho.
Já Edinho conhecia Lula havia muito tempo: foi em 29 de outubro de 1989, quando uma carreata petista parou o centro da cidade num ato de campanha.
Desde então, o prefeito não esconde a admiração profunda que tem pelo presidente —ele também um Silva.
Não tão radical
No gabinete de prefeito, Edinho tem um retrato de Lula, um quadro de Jesus, memorabilia religiosa (como uma "bênção apostólica" do papa Francisco), uma placa azul que diz "Avenida 8 de Janeiro: Dia da Vitória da Democracia" e fotos da família.
Há uma foto antiga, junto aos três filhos, que mostra um Edinho "um pouquinho acima do peso", como ele diz.
Segundo uma fonte próxima, nos tempos de ministro Edinho começou a se consultar com uma endocrinologista de Brasília apelidada de "Doutora Alface", que foi quem o orientou a comer melhor e a malhar.
Desde então, Edinho se exercita até de madrugada.
Ao voltar ao poder, em 2017, Edinho retomou o orçamento participativo.
Um dos projetos aprovados foi um centro de acolhimento para pessoas LGBTQIA+ expulsas de casa.
Quem liderou a iniciativa foi a socióloga Filipa Brunelli (PT), 32, primeira travesti a ocupar um cargo de alto escalão na cidade.
Brunelli diz ao UOL que Edinho tem um perfil conciliador, capaz de dialogar com os movimentos sociais e o empresariado.
Ela pondera que os governos do PT não são tão "radicais" quanto o esperado pelos movimentos sociais.
"Mas entendo que, se não for dessa forma, a gente não consegue garantir o mínimo [de mudança]", diz a vereadora reeleita neste ano.
Araraquara é uma cidade do agronegócio, mais conservadora, mas Edinho soube conquistar os empresários, avalia a cientista política Maria Teresa Miceli Kerbauy.
Ela foi professora do político no curso de ciências sociais na Unesp.
Entre os empresários conquistados, estão os Lupo e os Cutrale.
O perfil conciliador também valeu alianças políticas.
"Ele sabe reconhecer valores, absolutamente independente de visões ou de sentimentos partidários ou ideológicos. Fui testemunha disso", afirma ao UOL o ex-governador João Doria.
Doria ressalta que eles tiveram uma experiência comum: a de governar durante a pandemia, pressionados por forças políticas, "escolhendo ficar do lado da ciência".
"Esse gesto do Edinho foi, para mim, o ápice de uma relação: deixei de ser seu amigo apenas, para me tornar seu amigo e profundo admirador."
Aliança com a ex
Aos 59 anos, divorciado e afeano (como são chamados os torcedores da Ferroviária de Araraquara) roxo, Edinho acorda por volta das 4h e aproximadamente uma hora depois, segundo aliados, já envia mensagens de trabalho pelo WhatsApp.
O prefeito diz que bastam cinco horas de sono para se sentir renovado. Esse pique o ajudou na campanha de Lula em 2022, quando varou madrugadas na estrada entre Araraquara e São Paulo.
Edinho também foi a Brasília para a posse, em 1º de janeiro de 2023, e na manhã seguinte estava de volta ao gabinete em Araraquara.
Todas essas movimentações, segundo Edinho, foram por conta própria.
Segundo o Portal da Transparência, o prefeito fez entre 2015 e 2022 apenas 99 viagens pagas pelo governo federal —custo total de R$ 91 mil.
Ele diz que nunca ficou no Palácio da Alvorada, a residência oficial do presidente: se hospeda no hotel com a tarifa mais em conta. "Brasília é um absurdo de cara", afirma.
De acordo com as declarações à Justiça eleitoral, o patrimônio do político saiu de zero, em 2004, para R$ 1 milhão, em 2020.
Nas eleições de 2024, ele quis emplacar a enfermeira Eliana Honain (PT), secretária de Saúde da cidade na pandemia, como sua sucessora.
Edinho costurou para sua "Dilma Rousseff", como dizem aliados, uma coligação de 12 partidos, a "Brasil da Esperança", que reuniu adversários como PSOL, Podemos, PSDB e Cidadania.
Entre os aliados estava até o antigo rival, Marcelo Barbieri (MDB).
Um adversário "de um tempinho, só 20 anos", diz Barbieri, deputado federal desde 2022, ao UOL.
Segundo Barbieri, Edinho o procurou durante a pandemia para uma aliança política contra o discurso negacionista da covid-19.
Outra aliada, que se tornou adversária e depois aliada de novo, foi a cientista social Edna Martins, sua ex-esposa.
Em 2015, após décadas no PT e seis anos no PV, Edna se filiou ao PSDB.
Em 2024, Edna desistiu da candidatura à prefeitura e apoiou Eliana, a candidata de Edinho.
Edna e Eliana não responderam aos pedidos de entrevista.
Da Primavera Árabe a Araraquara
Mas a frente ampla não vingou em Araraquara: por uma diferença de 4.511 votos, Honain foi derrotada pelo candidato Dr. Luis Lapena (PL).
Sobre a derrota, Edinho fez ao UOL uma análise que vai desde a crise financeira de 2008, passa pelas jornadas de junho de 2013, pela Primavera Árabe e pelo Occupy Wall Street e desemboca no impeachment de 2016 e na vitória de Jair Bolsonaro de 2018.
Ele considera que o PT teve alguns êxitos: foi o melhor resultado eleitoral do partido na Câmara (seis vereadores) e a maior votação nominal de uma candidata (Honain).
Lapena considera Edinho um político "muito carismático", mas pondera que tem "muitas ressalvas" sobre sua administração.
Ao UOL o prefeito eleito conta que vai precisar fazer uma "engenharia financeira" ao assumir a prefeitura: "Falida, com dívida de R$ 900 milhões, com contas rejeitadas pelo TCE [Tribunal de Contas do Estado]".
Lapena e Edinho têm conversado, pessoalmente e por telefone, para a transição do governo.
O prefeito eleito diz que as obras iniciadas por Edinho vão continuar, inclusive a megaobra antienchente.
O projeto de R$ 143 milhões herdado por Lapena e bancado pelo governo federal só deve ser concluído em 2026.
A proposta da reconstrução, que tem três fases e pretende transformar via expressa e trilhos abandonados em vários parques, foi feita pela Cutrale, gigante da indústria de laranja do interior paulista.
Via assessoria de imprensa, a empresa diz que apenas doou o projeto, "acelerando todo o processo para que fosse encontrada uma solução técnica definitiva para um problema crônico vivido pelos araraquarenses".
"Se eu fosse licitar o projeto, eu levaria um ano, mais um ano para fazer, enfim", Edinho diz ao UOL.
Segundo ele, o empresário Henrique Cutrale ligou após as tempestades e perguntou: "Edinho, como possa ajudar?".
O prefeito diz que não é a primeira vez que a Cutrale ajuda a cidade, citando a distribuição gratuita de suco de laranja na merenda escolar.
"Não vejo como tijolo, vejo como dinheiro público. São obras importantes para a cidade", diz Lapena sobre a herança de Edinho.
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