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Advogados anti-Lava Jato ganham cargos estratégicos com Lula e almejam STF

Um grupo independente e "lulista". Parece uma contradição, mas não para integrantes do Prerrogativas, iniciativa que reúne mais de 250 advogados e personalidades da política no Brasil.

Formado como reação à Operação Lava Jato, o grupo diz tentar equilibrar o progressismo de seus membros com a autonomia para criticar a gestão federal.

A ideia é ampliar espaços e influenciar Executivo, Judiciário, além de obter uma vaga no STF (Supremo Tribunal Federal). As conversas são mantidas diariamente no WhatsApp.

Mais de 30 integrantes do grupo, com maior ou menor grau de envolvimento com o coletivo, ocupam cargos no governo.

O disputado grupo de WhatsApp, onde há fila de espera para entrar, também esteve ligado a um dos escândalos de Lula 3: a demissão de Silvio Almeida do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.

A proximidade do grupo com Lula e Janja, a primeira-dama, tem provocado ciúmes entre petistas, segundo fontes ouvidas pela reportagem.

"Nossa unanimidade é que é um grupo lulista. Não é um grupo petista", descreve a advogada e integrante Alessandra Camarano.

Integrantes do Prerrogativas posam ao lado de Lula e Haddad com o deputado estadual Emidio de Souza (primeiro da esq. para direita) e de Gabriela Araújo, indicada do grupo para o TRF-3
Integrantes do Prerrogativas posam ao lado de Lula e Haddad com o deputado estadual Emidio de Souza (primeiro da esq. para direita) e de Gabriela Araújo, indicada do grupo para o TRF-3 Imagem: Divulgação/Grupo Prerrogativas

Fazendo amigos e ocupando cargos

Seis ministros do primeiro escalão fazem parte do Prerrogativas, entre eles Fernando Haddad (Fazenda), Jorge Messias (Advocacia-Geral da União) e Anielle Franco (Igualdade Racial) --que entrou para o grupo já como ministra.

Há também nomes em postos de confiança de ministérios. O presidente dos Correios, Fabiano Silva dos Santos, integra o grupo.

O "Prerrô", como é conhecido, também povoou o Judiciário com indicados escolhidos pelo presidente Lula (PT) para vagas em tribunais superiores e regionais federais.

A indicação mais recente foi a da advogada Cláudia Franco, que assumiu em novembro de 2024 como desembargadora do TRF-2 (Tribunal Regional Federal da 2ª Região).

Ministros do TST (Tribunal Superior do Trabalho) e do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) foram endossados pela iniciativa, e, no STJ (Superior Tribunal de Justiça), o grupo emplacou Daniela Teixeira como ministra.

Lula e Marco Aurélio de Carvalho
Lula e Marco Aurélio de Carvalho Imagem: Reprodução

'Grupo lulista, não petista'

O Prerrogativas nasceu como defensor da presidente Dilma Rousseff (PT) durante o processo de impeachment sofrido por ela e se notabilizou pelas críticas à Lava Jato.

É coordenado pelo advogado Marco Aurélio Carvalho, 47, filiado ao PT desde os 16 anos.

Em 2022, o grupo se empenhou na campanha de Lula contra Jair Bolsonaro (PL). Um dos jantares de arrecadação de recursos para o petista, organizado pelo Prerrogativas, levantou mais de R$ 4 milhões, como mostrou o UOL.

Carvalho se aproximou principalmente de Janja, quando Lula esteve preso em Curitiba —ele também é amigo e advogado da primeira-dama.

Quando Lula e Janja alugaram uma casa no Alto de Pinheiros, bairro de classe alta de São Paulo, se tornaram vizinhos de Carvalho. A amizade se fortaleceu. Janja se tornou ainda mais próxima da empresária Alessandra Costa, esposa de Carvalho.

Janja também é amiga de Gabriela Araújo, uma das coordenadoras do "Prerrô" nomeada desembargadora do Tribunal Regional Federal da 3ª Região em outubro de 2024.

Para 2026, o Prerrogativas já declarou apoio à reeleição de Lula, considerado por Carvalho o "único capaz de reconstruir e reconciliar o país".

Fila para entrar

A lista de espera para entrar no Prerrogativas tem mais de mil nomes, incluindo desembargadores.

O limite é o número de pessoas que podem participar do grupo do WhatsApp. Só entra alguém quando uma pessoa sai.

Poucos não são advogados —entre eles, Anielle Franco e o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo.

Para contemplar mais gente, foram criados grupos específicos, que aceitam pessoas de fora do "Prerrô". Há um grupo para orações, outro para futebol e um terceiro de mulheres.

Janja ao lado de Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do grupo Prerrogativas
Janja ao lado de Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do grupo Prerrogativas Imagem: Divulgação/Prerrogativas

Com Lula eleito em 2022, o nome de Carvalho circulou como possível indicado à Secretaria-Geral da Presidência, responsável pela articulação com movimentos sociais.

O escolhido, contudo, foi Marcio Macedo (PT-SE), ex-deputado que atuou como tesoureiro da candidatura petista.

A esposa de Macedo, Karina Marx Macêdo, é amiga de Janja e os dois convivem com o casal presidencial nas horas de lazer desde os tempos em que Lula era alvo da Lava Jato e acabou preso.

Escolhido, Macedo se aproximou do Prerrogativas, "um coletivo fundamental na defesa da democracia, dos direitos sociais e do fortalecimento das instituições", como definiu recentemente.

Mas as tentativas de emplacar Carvalho em uma pasta não desapareceram. Após a saída de Flavio Dino do Ministério da Justiça, seu nome voltou a circular —de novo, sem sucesso.

Marco Aurélio de Carvalho afirma, no entanto, que sempre apoiou a indicação de Ricardo Lewandowski para a vaga.

Flávio Dino e Jorge Messias, durante cerimônia em Brasília
Flávio Dino e Jorge Messias, durante cerimônia em Brasília Imagem: 28.set.2023-Evaristo Sá/AFP

O interesse por uma vaga no STF

Um dos principais projetos do Prerrogativas depende da manutenção de Lula na Presidência: emplacar um integrante do grupo no Supremo.

Preterido por Lula, que escolheu Dino para assumir a cadeira da ex-ministra Rosa Weber, Jorge Messias é o preferido de lideranças do "Prerrô" para uma futura vaga no STF.

O atual advogado-geral da União recebeu apoio do grupo na disputa com Dino, mas acabou derrotado.

Caso seja reeleito, Lula terá direito a fazer outras duas indicações para o Supremo, para as cadeiras de Luiz Fux e Cármen Lúcia, que devem se aposentar por idade.

O "Prerrô" está de olho em uma dessas vagas.

Integrantes do Prerrogativas se encontram com Lula em Brasília
Integrantes do Prerrogativas se encontram com Lula em Brasília Imagem: Prerrogativas/Divulgação

Críticas ao governo

Apesar de o grupo ser declaradamente lulista, Carvalho afirma que o pensamento geral mantém "caráter crítico" em relação à gestão.

"Não perdemos nossa identidade e nem nossa capacidade crítica. Mantemos a coerência", afirmou ele à reportagem.

"Quando [Michel] Temer foi preso [em 2019], criticamos aquela prisão midiática, sem necessidade. Não somos garantistas de ocasião. Pau que dá em Chico dá em Francisco", relembrou.

Ele reconhece, no entanto, o desafio de ser crítico ao governo com integrantes do grupo participando dele.

Nosso desafio é manter independência, autonomia e a capacidade de criticar tudo o que parece equivocado, sempre na perspectiva colaborativa. Marco Aurélio de Carvalho coordenador do Prerrogativas

O grupo criticou, em 2024, a decisão de Lula de cancelar os atos preparados pelo Ministério dos Direitos Humanos para lembrar os 60 anos do golpe militar.

Em entrevista à RedeTV! em março, Lula disse que a prioridade em relação aos militares era "olhar para o futuro" em vez de "remoer o passado".

O Prerrogativas declarou em nota emitida na ocasião que a "determinação de silenciar diante do golpe militar é inadmissível".

Em dois anos de gestão Lula, no entanto, esse foi o único caso de crítica pública encontrado pelo levantamento do UOL.

Ministro Silvio Almeida, dos Direitos Humanos, foi alvo de denúncias de assédio sexual
Ministro Silvio Almeida, dos Direitos Humanos, foi alvo de denúncias de assédio sexual Imagem: Divulgação - 23.ago.2024/Ministério dos Direitos Humanos

Caso Silvio Almeida

O ex-ministro dos Direitos Humanos integrou o grupo de WhatsApp do "Prerrô" até setembro de 2023 e saiu após ser criticado num debate sobre a privatização de presídios, proposta pelo governo federal.

No mesmo dia de sua saída, Anielle Franco, ministra da Igualdade Racial, entrou em seu lugar.

Exatamente um ano depois, Almeida foi demitido, acusado de assédio moral no ministério e assédio sexual contra Anielle.

A aliados Silvio Almeida associou o "Prerrô" ao que ele chama de "complô" —as denúncias foram da ONG Me Too, cuja diretora, Marina Ganzarolli, integra o coletivo.

O Prerrogativas quebrou o silêncio público em relação ao escândalo apenas dois dias após a exoneração de Silvio Almeida.

Em nota, afirmou "jamais" permitir que se criminalize "qualquer vítima" e que seus integrantes "jamais permitirão que um acusado seja 'condenado' sem um devido processo legal".

Janja recebe homenagem em evento do grupo Prerrogativas em São Paulo
Janja recebe homenagem em evento do grupo Prerrogativas em São Paulo Imagem: Prerrogativas/Divulgação

Ciúmes do PT

A boa relação do Prerrogativas com Lula fez o grupo se tornar um polo de poderosos da República.

A homenagem feita pelos advogados a Janja, em um jantar em dezembro de 2024, reuniu mais de nove ministros, além do próprio presidente.

O Prerrogativas cobrou R$ 650 a quem quisesse circular pelo ambiente e esbarrar nas figuras do poder.

No mesmo dia, em um seminário organizado pelo PT em Brasília, Lula aparecia em vídeo gravado queixando-se da comunicação do partido e pedindo aos militantes que voltassem à base.

A ausência do presidente gerou ciúmes entre integrantes da sigla.

Lideranças do grupo ouvidas pela reportagem admitem que o aumento da influência do grupo pode gerar mal-estar no PT.

Questionado sobre o assunto, Carvalho é enfático.

"Não concorremos. Somos um braço de defesa da democracia que tem afinidades de princípio e propósitos com o PT", diz ele, que afirma ter boa relação com a alta cúpula do partido.

Membros do Prerrogativas em evento organizado pelo grupo
Membros do Prerrogativas em evento organizado pelo grupo Imagem: Divulgação/Grupo Prerrogativas

'Prerrogativas não faz aparelhamento'

Marco Aurélio de Carvalho não pestaneja ao ser questionado se o Prerrogativas tem um projeto de poder.

"Temos um projeto claro que é construir um sistema de Justiça mais representativo, mais inclusivo, verdadeiramente antirracista. Não escondemos de ninguém, não é motivo de vergonha", diz, ao enfatizar que a indicação de Daniela Teixeira para o STJ é prova disso.

Nos tempos de glória da Lava Jato, o Prerrogativas apontou o que considerava um "aparelhamento" do Judiciário por parte da força-tarefa da operação.

Com cargos no governo e indicações em tribunais superiores, o grupo nega que faça hoje o que recriminou na conduta de Sergio Moro, Deltan Dallagnol e companhia.

Camarano afirma que o Prerrogativas apenas sugere nomes para compor o governo, mas que não há interferência do grupo na escolha do petista.

A palavra final é do presidente, enfatiza.

Quando a gente fala em aparelhamento do Estado na época da Lava Jato, é sobre o comprometimento de instituições, inclusive de um juiz suspeito e impedido que tomou conta de todos os processos e praticou toda a perseguição contra o presidente Lula. Alessandra Camarano advogada e integrante do Prerrogativas

*Colaboraram Mateus Araújo, Adriana Negreiros e Thaís Bilenky

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