Idosos brasileiros preferem games a ir ao teatro, diz pesquisa

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Jogos eletrônicos são mais populares entre pessoas acima de 60 anos do que museus, bibliotecas e espetáculos de teatro e dança.
A parcela dos idosos que jogam games é de 20%, contra 18% dos que frequentam teatros, 17% dos que vão a feiras do livro e 7% dos que participam de saraus.
Os números são de uma pesquisa realizada em 2024 nas capitais brasileiras para medir o consumo de cultura no país. Os dados foram divulgados em fevereiro deste ano.
O recorte acima revela um quadro maior: quanto mais velho o brasileiro é, menos ele participa de atividades culturais.
Quem tem mais de 45 anos vai menos a shows, espetáculos de teatro e dança e ao cinema. A frequência é ainda menor entre aqueles acima de 60 anos.
Nessa faixa etária, a leitura de livros é a atividade cultural mais comum: 51% dos entrevistados com mais de 60 anos têm esse hábito, ante 57% do grupo de 45 a 59 anos.
Já saraus e concertos são os menos frequentados. Apenas 7% dos entrevistados com mais de 60 anos afirmam ter ido a cada uma dessas atividades em 2024 —a média nacional é de 12% e 8%, respectivamente.
O estudo foi feito pela consultoria JLeiva Cultura & Esporte em parceria com o Instituto Datafolha.
Foram ouvidas 19,5 mil pessoas com mais de 16 anos, entre fevereiro e maio de 2024. Elas responderam a perguntas referentes aos 12 meses anteriores.

Políticas de acesso
No Brasil, o consumo cultural começa a cair a partir dos 45 anos, enquanto em países desenvolvidos essa redução ocorre apenas após os 60 ou 70 anos.
Segundo João Leiva, diretor da JLeiva Cultura & Esporte, isso se deve, em parte, ao déficit educacional e de renda das gerações mais velhas.
Entre os entrevistados com 60 anos ou mais, 14% são analfabetos ou têm apenas o ensino fundamental incompleto, percentual muito superior ao observado entre jovens de 16 a 34 anos, onde a taxa é inferior a 1%.
O percentual de pessoas com ensino superior e das classes A e B é menor justamente entre quem tem 60 anos ou mais, destaca Leiva.
"A chance de contato com a prática artística ou criativa também conta. Quem teve esse contato na infância ou adolescência vai em média 20% mais a atividades culturais. Isso geralmente acontece na escola", afirma.
Roberta Dias Campos, especialista em comportamento do consumidor e professora da ESPM, avalia que a sobrecarga na rotina reduz a participação dos mais velhos.
"Muitos fazem parte da 'geração sanduíche', cuidando dos filhos e dos pais ao mesmo tempo, o que diminui o tempo para o lazer", explica.
Questões de saúde e a falta de companhia também afetam o acesso cultural da população idosa.
A falta de identificação com os temas, a acessibilidade ruim dos espaços e até a ausência de transporte gratuito também dificultam.
"Espaços culturais precisam ampliar estratégias para atrair diferentes faixas etárias. Descontos e acessibilidade aprimorada poderiam fazer diferença", afirma Roberta.
Hilaine Yaccoub, antropóloga do consumo, aponta que o etarismo e a ausência de políticas culturais específicas também são entraves.
"Muitos veem o lazer como luxo que já não faz parte da rotina", diz.
Queda no consumo cultural
De 2017 a 2024, houve uma queda generalizada em todas as faixas etárias no consumo de cultura, com exceção dos jogos eletrônicos, que cresceram significativamente.
Para Yaccoub, a crise econômica e a pandemia aceleraram a queda no consumo cultural e fizeram dos games uma opção mais acessível.
"Um celular ou computador conectado torna o consumo desse tipo de entretenimento muito mais simples", afirma.
Muitos brasileiros adotaram hábitos culturais que não exigem deslocamento, como leitura de livros (62%) e games (51%).

Questão (ou não) de fé
O estudo também traça paralelos entre religiosos e ateus —esse grupo, inclusive, está entre os que mais acessa atividades culturais, junto de seguidores do espiritismo e das religiões afro-brasileiras.
Entre os espíritas, 82% declararam ter lido ao menos um livro nos últimos 12 meses, índice superior à média nacional (62%). O grupo também lidera a presença em teatros (42%), museus (39%) e concertos (16%).
Já o grupo da fé afro-brasileira é o segundo que mais frequenta museus (40%), teatro (38%) e festas populares (53%). A taxa de leitura de livros entre esses entrevistados é de 72%, acima da média nacional.
"Religiões afro-brasileiras e o espiritismo têm forte ligação com manifestações culturais, como festas e literatura. A cultura não é só entretenimento, mas também pertencimento e devoção", diz Hilaine Yaccoub.
Entre os ateus, 69% leram ao menos um livro no último ano, 60% foram ao cinema e 49% frequentaram shows.
No outro extremo, os evangélicos apresentam os menores índices em diversas categorias, como teatro (20%), museus (22%) e festas populares (26%).
"Isso precisa ser abordado com cuidado, pois um maior ou menor acesso de um determinado grupo religioso não significa que essa variação se dê necessariamente por causa da religião", diz João Leiva.
"Os católicos só têm acesso acima da média a festas populares. E evangélicos, no caso da leitura de livros, provavelmente pela Bíblia", diz.
Segundo Leiva, um ponto ainda a ser explorado no estudo diz respeito à importância que as pessoas dão à religião em suas vidas.
"Em tese, isso poderia tirar tempo para as atividades culturais, uma vez que tanto atividades religiosas quanto culturais são feitas fora do horário de trabalho."