Advogados veem 'Justiça pró-mulheres' e se especializam em defender homens
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Advogados especializados em defender homens têm visto aumentar a clientela nos últimos cinco anos.
Eles atribuem o aumento da procura ao que chamam de "tendência" do Judiciário em decidir a favor das mulheres.
"Muitos juízes e desembargadores são reféns do identitarismo", afirma o advogado Júlio Konkowski, 43, de São Paulo, "especialista em revogação de medidas protetivas" - ele calcula ter derrubado cerca de mil em 15 anos.
"Homem precisa de advogado. Mulher já conta com proteção. Todos os equipamentos estão a favor dela", diz Konkowski.
Esses advogados dizem que o "mau uso" da Lei Maria da Penha, falsas denúncias e pressão da opinião pública levaram ao surgimento de um nicho de mercado na advocacia.
São escritórios onde homens se sentem acolhidos, e com profissionais que dizem ter as melhores estratégias para fazê-los vencer quando enfrentam mulheres na Justiça.
A jurista Maria Berenice Dias, desembargadora aposentada do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, define esses escritórios como "golpe de marketing" para atender homens que "estão atrapalhados com a perda da hegemonia do poder".
Mulheres na linha de frente
Uma das estratégias dos escritórios consiste em recrutar mulheres para defender seus clientes, às vezes à revelia destes - muitos manifestam preferência por profissionais homens.
Júlio Konkowski também atua ao lado da esposa, Mônica Stella, 42, sócia do escritório.
No escritório Marcello Benevides Advogados Associados, no Rio, o atendimento a homens denunciados por mulheres fica geralmente a cargo de Maria Helena Seabra, 40, que não vê conflito entre sua atuação e o combate à violência de gênero.
"Quando a Lei Maria da Penha não é utilizada corretamente, quem sai prejudicada são as mulheres que realmente sofrem violência", diz.
Marielle Brito, advogada em Brasília, diz que sabe "como uma mulher pensa", e isso a ajuda na hora de defender os clientes.
Ela se inspirou no trabalho de colegas norte-americanos para investir no nicho de defesa masculina e direito de família - escritórios desse tipo são comuns por lá.
Na defesa de homens, Brito já ingressou na Justiça com ações por denunciação caluniosa.
"Consegui provar que a Lei Maria da Penha estava sendo utilizada de forma errada, para acusar o homem de crimes que ele não cometeu."
"Mulheres batem em homens e chamam a polícia. Eles apanham e saem como agressores", afirma a advogada Tatiana Oliveira da Silva, 45, que defende homens a partir de Porto Alegre.

Escritórios focam nas supostas 'falsas acusações'
Marcello Benevides conta que não planejou se especializar na defesa masculina, mas "um foi indicando para o outro", e hoje 95% dos clientes são homens. Mulheres são aceitas, desde que não façam "falsas acusações", diz Maria Helena Seabra.
A dupla diz já ter lidado com mulheres que "se automutilam" para incriminar seus parceiros. "Precisamos de um batalhão de provas, porque a voz da mulher tem maior validade", explica Seabra.
Esses escritórios oferecem aos seus clientes expertise em derrubar supostas falsas acusações, bem como orientação sobre como agir em audiências para conseguir melhores acordos.
"Muitos clientes cometem o erro de ir à audiência de conciliação sozinho e não prestam atenção a detalhes. Por exemplo, não regulamentam a chamada de vídeo com os filhos", exemplifica Patrick Campos, 31, sócio do Campos Advogados Associados, em Vitória da Conquista (BA).
Campos diz que decidiu se especializar na defesa de homens no começo da carreira. Ele tinha cinco processos para despachar com o juiz e três tiveram andamento na mesma hora - eram todos de mulheres.
"Os dos homens demoraram. Achei injusto", conta.
Ele também tem críticas à Lei Maria da Penha. "Nunca vi uma medida protetiva ser negada. É uma penalidade dada antes do direito de defesa. Se basta a palavra da mulher, qualquer pessoa má intencionada, e acontece muito, pode fazer falsa denúncia", afirma.

O que diz a lei sobre os agressores
A Lei Maria da Penha determina que as medidas sejam concedidas a partir do depoimento da ofendida e estabelece o afastamento do agressor do lar.
Ainda que isso seja feito sem prejuízo da convivência com os filhos, dizem os advogados, na prática seus clientes ficam afastados das crianças.
Entre janeiro e maio de 2024, segundo o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), uma medida protetiva foi concedida por minuto.
Para a jurista Maria Berenice Dias, "a medida protetiva é uma liminar" para preservar a segurança da mulher.
"Se o juiz ouvir o homem antes, coloca a mulher em risco."
Tentativas de mudar a lei
Advogados desse nicho têm feito pressão junto a parlamentares para tentar modificar trechos da Lei Maria Penha que tratam das medidas protetivas.
Eles querem dificultar a prorrogação das ordens judiciais de afastamento quando não há provas de violência.
"Há figuras políticas de grande relevância engajadas nessa pauta", afirma a advogada Tatiane Silva, que tem participado das ações para a criação do Partido do Homem Nacional.
Um dos objetivos da sigla, afirma, será "fortalecer a representatividade masculina em termos jurídicos".
A advogada Rose Marques, coordenadora de projetos do Instituto Maria da Penha, diz que o órgão tem monitorado articulações feitas por advogados e homens que se apresentam como vítimas da lei.
"A maioria das alterações sugeridas tem como efeito imediato o desestímulo à denúncia", afirma.
Em dezembro, uma audiência pública no Senado discutiu o assunto. O senador Eduardo Girão (Novo-CE), que pediu a audiência, afirmou que a Lei Maria da Penha "tem deixado algumas brechas e pode estar causando injustiça".
Ele disse estar "preocupado" com "falsas acusações de violência". "A lei é tão importante que é essencial que suas regras não sofram desvios de finalidade", afirmou.
Para Rose Marques, "qualquer legislação está suscetível a ser utilizada com má-fé". Ressaltou, no entanto, que "o sistema de Justiça possui mecanismos para lidar com o suposto mau uso".
Judiciário 'sexista'
A juíza Adriana Cruz, secretária-geral do CNJ, discorda da tese de que o Judiciário tende a favorecer mulheres em julgamentos.
"A lógica do machismo que existe na sociedade está presente no Judiciário", afirma.
Em 2023, uma resolução do órgão tornou obrigatória a adoção do "Protocolo para julgamento com perspectiva de gênero" pelo Judiciário.
O documento orienta juízes a decidirem levando em conta as particularidades de gênero. "Não é um sinalizador para que processos sejam julgados favoravelmente às mulheres", afirma.
Ela diz que homens também são contemplados pelo protocolo. "Por exemplo, é um estereótipo de gênero considerar que todo homem negro é um estuprador."