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Penduricalho faz elite do Judiciário ter 35% da renda livre de impostos

Os privilégios do alto escalão do Judiciário e do Ministério Público vão além dos penduricalhos criados para engordar os próprios salários.

Essa elite acumula um dos maiores percentuais de renda não tributada entre profissionais do setor público —grande parte dessas isenções vem justamente dos penduricalhos

Para se ter ideia do impacto financeiro desse benefício, são R$ 2,8 bilhões em impostos que deixam de ser recolhidos em um ano. O valor poderia bancar o Bolsa Família para 345 mil famílias no mesmo período.

Em 2022, os 6,9 milhões de servidores públicos que declararam Imposto de Renda tiveram, em média, 14% da renda isenta.

Já juízes, desembargadores, procuradores, promotores e membros de tribunais de contas conseguiram isenção de 35%.

Isso significa mais dinheiro no bolso em comparação a outros trabalhadores, cuja renda é significativamente consumida pela tributação.

A elite do Judiciário e do Ministério Público ganha em média R$ 69 mil por mês, com pelo menos R$ 24 mil —35% do total— livres de impostos, segundo dados da Receita Federal.

Professores de ensino infantil, fundamental e médio —a maioria servidores públicos— têm apenas 10% da renda média isenta de Imposto de renda (R$ 763).

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Imagem: Arte/UOL
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Outras categorias acumulam benefícios, como os diplomatas, que têm 56% de sua renda média mensal (R$ 48,7 mil) isenta de imposto —o maior índice de isenção entre todos os servidores.

Para os diplomatas que se mudam para o exterior, 75% dos seus subsídios ficam livres de impostos devido a uma lei de 1995, sancionada pelo então presidente, Fernando Henrique Cardoso.

As demais ajudas de custo dos diplomatas também são livres de tributação.

Os dados foram analisados pelo UOL a partir de planilhas extraídas da base de dados abertos da Receita, que traz 39 milhões de declarações de impostos de renda dos brasileiros.

A última edição disponível é de 2022.

O peso dos penduricalhos

Economistas ouvidos pelo UOL dizem que grande parte da renda não tributada no Judiciário vem de penduricalhos, como auxílios e benefícios.

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Além de isentas de impostos, as chamadas verbas indenizatórias podem furar o teto salarial do funcionalismo, fixado hoje em R$ 46,3 mil.

São auxílios para alimentação, saúde, moradia e pagamentos referentes a ajuda de custo, natalidade e pré-escolar.

A elite do Judiciário também recebe abono de permanência, pago àqueles que já poderiam estar aposentados, mas seguem na ativa.

A renda sem tributação também abarca aplicações financeiras isentas de impostos, como poupança, LCI-LCA (letras de crédito imobiliário e do agronegócio) e dividendos de ações.

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Imagem: Arte/UOL

Reforma tributária mantém privilégios

A reforma tributária aprovada em dezembro não corrigiu distorções que beneficiam o Judiciário e o Ministério Público.

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Segundo o economista Sérgio Gobetti, eliminar isenções sobre rendimentos financeiros, que custam dezenas de bilhões ao país, é um passo essencial para corrigir o sistema tributário.

Para ele, essas mudanças facilitariam a revisão de outros privilégios, como os penduricalhos de juízes e a isenção de 80% da renda rural.

Desmontar esse manancial de privilégios não é fácil, mas precisamos começar por algo. Lucros e dividendos parecem ser um ponto relevante, pois representam 50% das isenções aplicadas às rendas das pessoas físicas. Sérgio Gobetti especialista em política fiscal e tributação

Impacto financeiro e conflito de interesse

Levantamento do UOL mostra que R$ 10,5 bilhões deixaram de ser tributados por 36 mil integrantes do Judiciário, do Ministério Público e de tribunais de contas em 2022.

Se tributado, esse volume de renda corresponderia a R$ 2,8 bilhões em recolhimento de impostos.

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Imagem: Arte/UOL

"Há um claro conflito de interesses quando magistrados decidem sobre seus próprios benefícios", disse.

Entidades representativas do Judiciário e do Ministério Público defendem que esses auxílios são direitos adquiridos e evitam que profissionais se sintam desestimulados.

Afirmam também que eles recompõem perdas inflacionárias, sem caracterizar aumento salarial.